sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Pede a cabeça de João Baptista. (Mc 6,24)

O Evangelho de São Marcos narra de forma detalhada a morte de João Baptista, uma morte provocada pelo capricho de uma mulher infiel, pela fraqueza de um rei que faz uma promessa tonta, e pela fidelidade do profeta à Lei de Deus. Conjugam-se em oposição as fidelidades e infidelidades e deparamos com um crime bárbaro.
Diz-nos São Marcos que Herodes gostava de ouvir João, que tinha até por ele uma certa simpatia e por isso o tentava proteger. Simpatia um tanto ou quanto limitada porque Herodes mantinha João na prisão e não deixava de se sentir incomodado sempre que ele lhe apontava os comportamentos incorrectos.
Por outro lado temos Herodíades, a mulher que Herodes tinha tomado de seu irmão Filipe, e que face às acusações de João Baptista não perde a oportunidade de o silenciar. A sorte, ou a coincidência, naquele banquete ofereceu-lhe a oportunidade de se livrar dele de uma vez para sempre. “Pede a cabeça de João Baptista”.
Herodes face à promessa feita à filha de Herodíades e ao respeito e consideração dos convidados, não recusa o pedido, não se deixa vencer pela simpatia por João, mas bem pelo contrário deixa-se vencer e dominar pela imagem que tem que aparentar diante dos convidados. “Que tragam a cabeça de João numa bandeja”.
É significativo que São Marcos narre este acontecimento, a morte de João Baptista, no intervalo que vai do envio dos doze em missão e o seu regresso, e o inicie com a indicação de que Herodes tinha ouvido falar de Jesus. Ao fazer isto, o autor do Evangelho quer colocar-nos perante o perigo do anúncio de Jesus, da fidelidade e dos custos que ela pode acarretar.
Herodes simpatiza com João mas não vai além disso, como também não irão além disso muitos outros que ouvirão falar Jesus ou falar de Jesus. Entre o ouvir e o compromisso há uma distância que é necessário atravessar.
E atravessar essa distância significa estar disposto a ser fiel aos princípios e à palavra, a manter a coerência sem medo e sem qualquer respeito humano ou vergonha. Há princípios dos quais não se pode abdicar, mesmo que isso nos possa colocar em oposição com outros.
E tal como Herodíades, haverá sempre alguém que pedirá a cabeça, que tentará eliminar aquele que objecta, que discorda, que levanta questões e incomoda, que procura ser fiel, espelhando na sua fidelidade a infidelidade dos outros.
A missão de ser discípulo de Jesus, de anunciar a sua Boa Nova, está indelevelmente marcada por esta condição de contradição, de ser sinal de contradição, e por isso inevitavelmente haverá sempre alguém a pedir a cabeça.
Peçamos ao Senhor Jesus a graça e a coragem de não pactuarmos, de não deixarmos de ter sempre presente a fidelidade a que o Senhor nos chama a viver, uma fidelidade a construir em cada dia e em cada momento por pequenos actos corajosos de amor por Aquele que é o Senhor da vida.

Ilustração: “O Banquete de Herodes”, de Lucas Cranach o Velho, Wadsworth Atheneum.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que elaborou recordando-nos um excerto do Evangelho de São Marcos sobre os motivos que levaram à morte de João Baptista, Frei José Carlos salienta-nos que ...” o autor do Evangelho quer colocar-nos perante o perigo do anúncio de Jesus, da fidelidade e dos custos que ela pode acarretar”, (…) e que “Entre o ouvir e o compromisso há uma distância que é necessário atravessar.
    E atravessar essa distância significa estar disposto a ser fiel aos princípios e à palavra, a manter a coerência sem medo e sem qualquer respeito humano ou vergonha. Há princípios dos quais não se pode abdicar, mesmo que isso nos possa colocar em oposição com outros. (…) haverá sempre alguém que pedirá a cabeça, que tentará eliminar aquele que objecta, que discorda, que levanta questões e incomoda, que procura ser fiel, espelhando na sua fidelidade a infidelidade dos outros.”
    Fico a reflectir nestes excertos do texto que transcrevi e que me tocam particularmente e sinto a dificuldade como cristã em ser coerente com os Ensinamentos de Jesus, começando por mim própria, no quotidiano, na nossa vivência como um todo, em que não há caixas que se vão abrindo à medida dos interesses pessoais. Trata-se de uma luta permanente, com algum confronto, que nos desgasta, ainda que animados pela fé e pela coragem que Jesus nos dá.
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e …” Peçamos ao Senhor Jesus a graça e a coragem de não pactuarmos, de não deixarmos de ter sempre presente a fidelidade a que o Senhor nos chama a viver, uma fidelidade a construir em cada dia e em cada momento por pequenos actos corajosos de amor por Aquele que é o Senhor da vida”.
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha corajosa que nos desinstala e simultaneamente nos encoraja. Que o Senhor ilumine e abençoe o Frei José Carlos.
    Votos de um bom fim-de-semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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