quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quarta-feira de Cinzas

Iniciamos o tempo forte da Quaresma com a imposição das cinzas, com esse rito que nos recorda que somos pó e ao pó havemos de voltar, que nos devemos arrepender e acreditar no Evangelho.
A leitura do Evangelho de São Mateus recorda-nos a possibilidade da hipocrisia na nossa relação com Deus, a possibilidade de actos cumpridos apenas por vaidade e para que os outros olhem.
Neste sentido este primeiro dia da Quaresma convida-nos à interioridade, a sermos homens e mulheres de interior, do privado, pois é no interior do quarto que se deve rezar, é na ignorância da mão esquerda que se deve realizar a partilha com os outros, é sem qualquer sinal exterior que se deve viver o jejum.
Paralelamente este primeiro dia da Quaresma e o seu convite à interioridade dirige-se também à simplicidade, uma vez que na ausência da necessidade de máscaras nos tornamos mais simples, mais lineares; não necessitamos de fazer nada para estar no palco ou sob a luz dos holofotes, porque não é esse o nosso lugar.
Estamos onde devemos estar e como devemos estar, porque sabemos e confiamos que Deus nos vê, nos conhece; antes mesmo de qualquer gesto ou qualquer acto ele sabe a bondade ou o amor que lhes dá origem, ele sabe o quanto é origem.
E neste sentido, tudo se ilumina, tudo se transforma, porque mesmo o gesto mais humilde, mais pobre, mais simples é fruto da sua acção em nós, é fruto do seu amor presente em nós, ainda que secreto e para ficar no segredo.

Ilustração: “Cristo em casa de Marta e Maria”, de jan Vermeer, Galeria Nacional da Escócia, Edimburgo.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Fico a reflectir no texto da Meditação que elaborou e na Liturgia do dia de hoje, Quarta-feira de Cinzas. Como nos diz , ...” Iniciamos o tempo forte da Quaresma com a imposição das cinzas, com esse rito que nos recorda que somos pó e ao pó havemos de voltar, que nos devemos arrepender e acreditar no Evangelho”. …
    A Quaresma é o período de preparação para a Páscoa, oportunidade para revermos a nossa relação com Deus, de reencontro connosco próprios, de repensarmos a relação com o nosso próximo. Período que deve ser vivido na humildade, na interioridade, na simplicidade, na confiança e na esperança. Certamente que todos saímos diferentes depois desta caminhada, deste esforço para mudar os nossos comportamentos em “pensamentos, palavras e actos”, mas interrogo-me se a prática do cristão, não deve ser esta ao longo de todo o ano, certamente com momentos com intensidades diferentes mas em que o essencial deve fazer parte do nosso quotidiano, da nossa vivência. Será, assim, Frei José Carlos?
    Como nos salienta, ...”Estamos onde devemos estar e como devemos estar, porque sabemos e confiamos que Deus nos vê, nos conhece; antes mesmo de qualquer gesto ou qualquer acto ele sabe a bondade ou o amor que lhes dá origem, ele sabe o quanto é origem.
    E neste sentido, tudo se ilumina, tudo se transforma, porque mesmo o gesto mais humilde, mais pobre, mais simples é fruto da sua acção em nós, é fruto do seu amor presente em nós, ainda que secreto e para ficar no segredo.”
    Saibamos aproveitar este período da Quaresma para pedir ao Senhor que nos dê a sabedoria para participar na construção de um mundo em que a espiritualidade se sobreponha às coisas materiais e a partilha ao egoísmo, mais fraterno e mais justo.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, directa, importante, maravilhosamente ilustrada. Que o Senhor o abençoe e proteja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.


    UMA SUCESSÃO
    DE COMEÇOS

    “Ponho-me a pensar naquela frase de São Gregório, “a vida é uma sucessão de começos” pois queria muito
    que este tempo correspondesse a um efectivo recomeço para a minha vida. Não é por acaso que a Quaresma
    coincide com o irromper da Primavera. Há um nítido apelo primaveril, um sopro de renovação, um sobressalto,
    um novo alento a acolher na proposta adulta e exigente do caminho quaresmal.
    Não me deixes, Senhor, agarrado aos meus invernos. Não permitas que me conforme ao mar gelado do coração.
    Dia-a-dia, com realismo, o degelo aconteça. Ajuda-me a renascer.”

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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