domingo, 8 de maio de 2011

Homilia do III Domingo do Tempo Pascal

Continuamos a viver o mistério pascal que celebrámos há duas semanas atrás e neste sentido o Evangelho de São Lucas que escutamos neste domingo apresenta-nos o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús.
Um encontro do dia de Páscoa, um encontro que manifesta Jesus ressuscitado presente entre os seus discípulos e ainda actuante de modo a que possam ter uma cabal compreensão do sucedido.
É assim, e neste sentido, que Jesus se coloca a caminho com estes dois discípulos, manifestando com eles essa presença e uma pedagogia extraordinária para a compreensão de tudo o que se tinha passado, uma psicologia muito apurada dos processos humanos de expectativas e frustração.
Vemos assim que antes de qualquer palavra de ensino Jesus solicita aos discípulos a manifestação das suas expectativas goradas, a manifestação dessa frustração de um projecto inacabado, dessa desilusão de não verem a liberdade de Israel restaurada. É necessário expressar essa desilusão, essa frustração, verbalizá-la para que depois se possa recuperar no seu sentido e ser iluminada.
Neste caso constatamos que a desilusão se manifesta devido à incompreensão da missão de Jesus, nesse desejo de restauração de Israel que se opõe e choca com o projecto de Jesus, um projecto de serviço e humildade e não de poder. Constatamos também que estes homens não estiveram atentos ou não quiseram ouvir as palavras de Jesus quando este os convidou a segui-lo tomando a sua cruz, a sentarem-se a fazer cálculos no sentido de saberem se tinham forças para o seguimento, tal como um general que se apresta para a guerra verifica se tem armas e homens para vencer a batalha.
Expressada a frustração e as razões da sua origem, Jesus pode iniciar então o processo de reconstrução, pode ensinar os discípulos, como nos diz o evangelista que fez, começando pela lei e passando depois pelos profetas. Retiradas as trevas do erro pode fazer-se luz.
E por isso não é de estranhar que os discípulos fossem sentindo nos seus corações essa alegria e essa paz que depois manifestam e assumem ter sentido quando Jesus lhes explicava as Escrituras e tudo o que lhe dizia respeito. De facto a verdade e uma compreensão mais perfeita das realidades não pode deixar de provocar essa sensação no coração do homem, afinal essa paz possível de quem tem o coração tranquilo e repousado em Deus enquanto verdade.
Contudo, só a explicação não era suficiente, só as palavras não bastavam para a compreensão, havia a necessidade de um gesto, um sinal que testemunhasse a veracidade e a realidade do ensinamento, que confirmasse e firmasse a verdade da presença do ressuscitado, de Jesus vivo ainda entre eles.
Este gesto é realizado no momento da refeição, um gesto de bênção e de partilha que faz reconhecer pela sua simbólica, pela sua carga expressiva, a presença daquele que desde há muito a palavra tinha insinuado e permitido supor. Gesto que oculta simultaneamente a presença daquele que revela, que o subtrai, porque a presença se manifesta plena nesse gesto e nessa partilha.
O encontro de Emaús manifesta assim essa atenção de Jesus para com os seus discípulos e todos os processos psicológicos que nos controlam no encontro com a verdade e com o outro, os outros e o totalmente outro. Mas manifesta também a performatividade da fé em Jesus Cristo, do seguimento da Palavra, que não se limita a uma simples proclamação, a uma simples verbalidade, mas se constrói e constitui em acção, em prática, tal como nos diz São João no seu Evangelho quando nos fala da prática da verdade.
Neste sentido e à luz do nosso seguimento de Jesus necessitamos também, e face a algumas expectativas goradas, a algumas imagens distorcidas de Deus, verbalizar e exteriorizar o que nos desiludiu ou o que nos frustrou. Necessitamos limpar o coração das escórias dos nossos egoísmos esmagados pela presença misericordiosa de Deus. Podemos fazê-lo no sacramento da reconciliação mas também numa simples conversa com outro irmão e até mesmo no íntimo do nosso coração no momento da oração com Deus.
Paralelamente necessitamos confrontar-nos com a Palavra, com o ensino de Jesus presente na Sagrada Escritura para que no nosso coração se faça luz, se clareiem as frestas onde tantas vezes se escondem as verdades do nosso ser humano e do nosso desejo de divino, e para que conheçamos o Deus que nos veio libertar da escravidão servil para sermos seus filhos amados.
Só com essa luz e essa verdade poderemos avançar e viver em plenitude o exercício da fé, a celebração sacramental eucarística e a caridade que nos devemos como irmãos. Necessitamos do coração purificado e iluminado pela Palavra para que a performance da nossa fé seja verdadeira, seja total e concreta manifestação dessa presença de Jesus ressuscitado entre nós.
No fim de contas, a consciência de que estamos em caminho, em processo, para o qual são necessárias a nossa disponibilidade, a nossa abertura à acção de Deus, o nosso empenho e vontade, e a partilha fraterna dos esforços na prossecução do fim comum do Reino de Deus.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada pela partilha do texto da Homilia do III Domingo do Tempo Pascal, recordando-nos o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús, a Sua abordagem do que os frustara e o significado do diálogo de Jesus com estes discípulos e que também nos é dirigido, do nosso encontro com Jesus Cristo, na qual sintetisa as características fundamentais do ser cristão: o seguimento e testemunho da Palavra, a participação na Eucaristia.
    Como nos salienta ...” só a explicação não era suficiente, só as palavras não bastavam para a compreensão, havia a necessidade de um gesto, um sinal que testemunhasse a veracidade e a realidade do ensinamento, que confirmasse e firmasse a verdade da presença do ressuscitado, de Jesus vivo ainda entre eles.
    Este gesto é realizado no momento da refeição, um gesto de bênção e de partilha (…).Gesto que oculta simultaneamente a presença daquele que revela, que o subtrai, porque a presença se manifesta plena nesse gesto e nessa partilha.
    O encontro de Emaús manifesta assim essa atenção de Jesus para com os seus discípulos e todos os processos psicológicos que nos controlam no encontro com a verdade e com o outro, os outros e o totalmente outro. Mas manifesta também a performatividade da fé em Jesus Cristo, do seguimento da Palavra, que não se limita a uma simples proclamação, a uma simples verbalidade, mas se constrói e constitui em acção, em prática, tal como nos diz São João no seu Evangelho quando nos fala da prática da verdade”.
    Ficamos gratos (as) por esta partilha profunda, que nos questiona e nos indica como proceder quando “necessitamos também, e face a algumas expectativas goradas, a algumas imagens distorcidas de Deus, verbalizar e exteriorizar o que nos desiludiu ou o que nos frustrou”.
    Peçamos ao Senhor, com o Frei José Carlos, que nos dê um …”coração purificado e iluminado pela Palavra para que a performance da nossa fé seja verdadeira, seja total e concreta manifestação dessa presença de Jesus ressuscitado entre nós.”
    Bem haja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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