Celebramos hoje o domingo do Bom Pastor e o texto dos Actos dos Apóstolos que escutámos na primeira leitura dá-nos o enquadramento para esta celebração, para a meditação desta realidade, pois tudo acontece no âmbito do Pentecostes.
Se até hoje as leituras nos remetiam imediatamente para o mistério da ressurreição e dos encontros com Jesus ressuscitado, as leituras começam agora a colocar-nos em sintonia com o mistério da efusão do Espírito Santo, para o compromisso do fiel e do discípulo com o ressuscitado.
E é neste contexto que se nos apresenta a figura do Bom Pastor, um tema querido à literatura bíblica mas um pouco estranho, nada habitual ao Evangelho de São João que escutámos, e no qual mais que a realidade pastorícia se nos coloca como questão a realidade da voz e da porta. Jesus não se assume objectivamente nesta passagem do Evangelho como pastor, mas como porta e o grande desafio é a atenção à voz, à sua voz e a passagem pela porta.
Quanto ao desafio da voz não podemos esquecer o grande tema do Evangelho de São João, a Palavra, o Logos que desde o prólogo nos ilumina nesta realidade e na necessidade de uma relação. É pela voz que reconhecemos o outro, cada um dos outros em particular e é pela voz de Deus feita Palavra em Jesus Cristo que podemos igualmente reconhecer Deus.
Jesus é assim o campo vocálico de Deus, um convite a uma relação e a uma escuta para que se nos torne audível e compreensível. Pelo que necessitamos frequentar essa onda curta a que chamamos oração, intimidade com Deus, para escutarmos o que a voz nos diz, e também para perceber o ruído de fundo que tantas vezes nos ensurdece a essa mesma voz que chama o nosso nome.
Porque como nos diz Jesus, o pastor conhece os nossos nomes, sabe como chamar-nos por essa realidade dimensional que nos traduz e identifica. Todos temos um nome que nos identifica e que em qualquer voz tem uma sonoridade diferente, ganha um timbre único. Na boca de Deus revela a nossa mais profunda natureza, e nossa mais secreta identidade, tantas vezes desconhecida a nós próprios, mas verdade total aos olhos de Deus. E Deus sabe chamar-nos, como chamar-nos, ou não estivessem os nossos nomes inscritos no seu livro da vida.
E chama-nos para partilhar da sua vida, para realizar essa passagem tão importante pela porta que é Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Somos “homens viator”, homens em trânsito, de passagem, e por isso necessitamos inevitavelmente passar por uma qualquer porta, inquestionavelmente pela porta da morte.
Ora é para esta realidade da passagem que o Senhor nos convida e estimula ao apresentar-se como porta, porta da nossa humanidade e porta para a nossa divindade. O mistério da incarnação, o Filho de Deus feito homem, uma vez mais se nos apresenta como caminho e como processo para esse trânsito, porque é vivendo a nossa humanidade na sua radicalidade, no que ela tem de busca de perfeição e beleza, de bondade e eternidade, que podemos passar para além dos limites dela própria e da sua finitude.
E na transposição dos nossos limites encontramo-nos com a divindade, com essa centelha que habita em nós e nos pode transfigurar a cada passo dado no seu sentido, na sua busca, conduzindo-nos a uma luz que ilumina, que nos ilumina e ilumina os outros que nos cercam e demandam a mesma fonte.
Por isso Jesus nesta parábola da porta nos fala do entrar e do sair, do entrar para partilhar e alimentar-se da sua vida e da sua luz, do entrar para escutar a sua voz no silêncio do nosso coração e da sua intimidade, e do sair para transmitir a luz e a palavra recebida aos outros, para ser testemunho de um caminho que é possível trilhar porque não vamos sós, não estamos sós, Alguém segue à nossa frente e outros ainda seguem a nosso lado.
Neste Domingo do Bom Pastor culminamos a semana de oração pelas vocações consagradas, um chamamento particular a servir o Reino de Deus na escuta mais atenta da Palavra de Deus, a viver o amor de forma mais radical na castidade e na pobreza e a servir a Palavra escutada e apreendida nos ministérios da Igreja e no serviço aos irmãos.
Contudo, ao darmos conta que muitas das nossas crianças, adolescentes e jovens não sabem o que querem ser no futuro, o que querem fazer quando forem adultos e tiverem autonomia e liberdade para tomar decisões, temos a obrigação de rezar pelas vocações particulares, mas antes de tudo temos a obrigação de rezar pela vocação à humanidade de cada um deles.
E mais, temos a necessidade urgente de ajudar os nossos mais jovens, filhos, netos, sobrinhos e educandos a descobrir o projecto de humanidade que Jesus Cristo nos revelou; como ser homens e mulheres de verdade é o projecto de Deus para cada um de nós e o verdadeiro fim da nossa felicidade.
De contrário não escutarão a voz do verdadeiro pastor, daquele que conduz aos prados verdejantes e às fontes refrescantes, mas deixarão enganar-se pelas vozes dos salteadores que mais que tudo estão interessados que andem ao sabor da maré para os cansarem de toda a existência e depois os poderem devorar como presas exangues e sem qualquer outra esperança que a morte rápida.
Necessitamos homens e mulheres em verdade e de verdade, e desses homens e mulheres poderemos esperar vocações e projectos diferentes, vocações consagradas aos outros homens, porque saberão que tudo o que viverem e fizerem, tudo o que tiverem que abdicar em função dessa diferença e consagração não será em vão.
Que o Espírito Santo nos conduza a todos à travessia da porta e à escuta da voz que é Jesus, e que não se cansa de nos dizer que Deus Pai nos ama e que a sua maior glória é a dignificação do homem em todas as suas dimensões de verdade.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do IV Domingo do Tempo Pascal, Domingo do Bom Pastor que partilha connosco é muito profundo e dá-nos a chave para interpretar as leituras e algumas das passagens do Evangelho de São João. Permita-me que transcreva algumas passagens do texto que me tocam.
...” Jesus é assim o campo vocálico de Deus, um convite a uma relação e a uma escuta para que se nos torne audível e compreensível. Pelo que necessitamos frequentar essa onda curta a que chamamos oração, intimidade com Deus, para escutarmos o que a voz nos diz, e também para perceber o ruído de fundo que tantas vezes nos ensurdece a essa mesma voz que chama o nosso nome.”…
…”E Deus sabe chamar-nos, como chamar-nos, ou não estivessem os nossos nomes inscritos no seu livro da vida.
E chama-nos para partilhar da sua vida, para realizar essa passagem tão importante pela porta que é Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Somos “homens viator”, homens em trânsito, de passagem, e por isso necessitamos inevitavelmente passar por uma qualquer porta, inquestionavelmente pela porta da morte.
Ora é para esta realidade da passagem que o Senhor nos convida e estimula ao apresentar-se como porta, porta da nossa humanidade e porta para a nossa divindade.” (…)
…”(…)
Por isso Jesus nesta parábola da porta nos fala do entrar e do sair, do entrar para partilhar e alimentar-se da sua vida e da sua luz, do entrar para escutar a sua voz no silêncio do nosso coração e da sua intimidade, e do sair para transmitir a luz e a palavra recebida aos outros, para ser testemunho de um caminho que é possível trilhar porque não vamos sós, não estamos sós, Alguém segue à nossa frente e outros ainda seguem a nosso lado.”
Obrigada por nos recordar que “Neste Domingo do Bom Pastor culminamos a semana de oração pelas vocações consagradas”, (…), a obrigação de rezar pelas vocações particulares, mas antes de tudo temos a obrigação de rezar pela vocação à humanidade de cada um dos nossos jovens.”
Um grande obrigada por nos salientar a responsabilidade como cristãos , como testemuhas de Jesus de ajudar…”os nossos mais jovens, filhos, netos, sobrinhos e educandos a descobrir o projecto de humanidade que Jesus Cristo nos revelou; como ser homens e mulheres de verdade é o projecto de Deus para cada um de nós e o verdadeiro fim da nossa felicidade.”
Bem haja, Frei José Carlos, pela partilha desta maravilhosa Homilia. Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva