domingo, 1 de maio de 2011

Homilia do II Domingo do Tempo Pascal

Tal como nos relata o Evangelho de São João também nós passados oito dias sobre a Páscoa nos voltamos a reunir para celebrar o dia e a Páscoa da Ressurreição do Senhor.
E ao fazê-lo somos convidados a contemplar o mistério da Misericórdia de Deus, mistério e realidade tantas vezes esquecida e que hoje olhamos de modo mais atento graças ao Papa João Paulo II que instituiu este segundo domingo do tempo pascal como domingo da Misericórdia. Hoje que celebramos também a sua beatificação.
A misericórdia aparece-nos na leitura do Evangelho de São João, neste acontecimento da aparição a Tomé, sob duas formas distintas mas complementares. Assim, deparamos com a misericórdia de Deus, e de modo particular da pessoa de Jesus, na relação e no diálogo que mantém com Tomé por causa da sua dúvida sobre a aparição do Senhor.
Tomé, que tinha abandonado Jesus no momento de maior sofrimento, à semelhança dos outros companheiros, que tinha um espírito possivelmente mais crítico ou até céptico, exige por isso provas da ressurreição de Jesus, provas que confirmassem a ressurreição, mas também a não alienação dos companheiros, porque podiam perfeitamente estar a imaginar uma realidade para compensar o sentimento de culpa pelo abandono.
É neste contexto que, à semelhança da primeira aparição ao grupo reunido e fechado em casa, Jesus se faz presente e conhecedor de toda a discussão, como se nunca tivesse deixado de estar presente. Contudo, e apesar do conhecimento e das dúvidas de Tomé Jesus não tem para com ele qualquer reparo, qualquer queixa ou condenação em relação à duvida, bem pelo contrário apresenta-lhe as mãos e o lado para que possa tocar e comprovar.
Jesus tem assim um gesto de misericórdia para com Tomé; à semelhança de toda a sua vida e do mistério da incarnação, vem ao encontro das necessidades do homem, neste caso do homem Tomé, vem ao encontro das suas dúvidas, buscas e questionamentos, como que partilhando a mesma dúvida e a mesma busca.
Neste sentido a história de Tomé é para nós um alento, ou deveria ser um alento nas nossas buscas e questionamentos, nas nossas dúvidas, porque também a nós Jesus se nos apresenta partilhando a nossa inquietação. Ele conhece-nos e sabe das nossas fraquezas e tentações e vem ao nosso encontro como veio ao encontro da humanidade.
E como para Tomé também a nós nos apresenta as mesmas provas, as mesmas chagas das mãos e do lado, o resultado final e histórico de toda a sua vida e de todo o amor que teve pelos homens. Não há outro caminho, outro processo para avançarmos no esclarecimento das nossas dúvidas senão essa humanidade e essa oferta de amor. E só avançaremos na medida em que nos dispusermos a isso, em que aceitarmos ler e interpretar essa história de amor e sofrimento.
O outro elemento ilustrativo da misericórdia de Deus que encontramos na leitura do Evangelho de São João é o poder que Jesus concede aos discípulos de perdoar os pecados. Poderíamos imaginar muitas coisas, muitos outros poderes como o de curar ou o de fazer milagres, mas é esse poder de perdoar que o Senhor partilha e outorga aos seus discípulos. Não é suficientemente grande, poderoso, para o olharmos com um pouco mais de atenção, de reverência?
E não necessitamos olhar para o sacramento da reconciliação, do perdão sacramental, basta-nos ter em atenção o que nos diz e rezamos na oração do Pai-Nosso, no qual pedimos a Deus que nos perdoe os nossos pecados como nós perdoamos aos demais. De facto, se não formos capazes de perdoar, os pecados permanecerão no outro e em nós também enquanto dívida não liquidada, enquanto mácula não purificada.
Há assim a necessidade do perdão, de perdoar os outros, de nos perdoarmos a nós próprios, de nada reter do mal feito, para podermos estar preparados e receptivos ao perdão de Deus, à misericórdia que Deus quer ter connosco na medida em que estejamos dispostos a tal.
O encontro e desencontro de Tomé com Jesus mostra-nos assim como Deus está presente e vem ao encontro das necessidades dos homens, mesmo nessas questões tão avassaladoras e por vezes marginalizadoras como são as que questionam o próprio Deus. Uma vez mais, e também aí, não podemos prescindir da humildade e do reconhecimento de que Deus ama mesmo quando o colocamos em causa e por esse meio nos abre uma brecha de aproximação para que o reconheçamos como nosso Senhor e nosso Deus. Saibamos nós perceber e aceitar as provas que nos apresenta e como são testemunho da sua misericórdia.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Recordo a passagem do Evangelho segundo São João (20, 19-31) e medito na profunda Homília do II Domingo do Tempo Pascal que partilha connosco. Eis um novo encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos, no qual a figura de Tomé tem uma força determinante, pelo comportamento, pela simbologia do encontro (do “nosso encontro” versus “desencontro”), pelas dificuldades com que nos deparamos na nossa fidelidade a Deus, nas nossas hesitações, nas nossas dúvidas. Permita-me que cite algumas passagens do texto da Homilia que me tocam particularmente.
    ...” Contudo, e apesar do conhecimento e das dúvidas de Tomé, Jesus não tem para com ele qualquer reparo, qualquer queixa ou condenação em relação à dúvida, bem pelo contrário apresenta-lhe as mãos e o lado para que possa tocar e comprovar.
    Jesus tem assim um gesto de misericórdia para com Tomé; (…)
    E como para Tomé também a nós nos apresenta as mesmas provas, as mesmas chagas das mãos e do lado, o resultado final e histórico de toda a sua vida e de todo o amor que teve pelos homens. Não há outro caminho, outro processo para avançarmos no esclarecimento das nossas dúvidas senão essa humanidade e essa oferta de amor. E só avançaremos na medida em que nos dispusermos a isso, em que aceitarmos ler e interpretar essa história de amor e sofrimento.
    O outro elemento ilustrativo da misericórdia de Deus que encontramos na leitura do Evangelho de São João é o poder que Jesus concede aos discípulos de perdoar os pecados.”…
    ...” Há assim a necessidade do perdão, de perdoar os outros, de nos perdoarmos a nós próprios, de nada reter do mal feito, para podermos estar preparados e receptivos ao perdão de Deus, à misericórdia que Deus quer ter connosco na medida em que estejamos dispostos a tal.”
    Aceitemos, Frei José Carlos, com humildade a exortação que nos deixa . …”Saibamos nós perceber e aceitar as provas que nosso Senhor e nosso Deus nos apresenta e como são testemunho da sua misericórdia.”
    Obrigada pela partilha desta Homilia que nos ajuda a prosseguir no Caminho para Deus, que nos encoraja a ultrapassar as nossas dúvidas, as nossas debilidades. Bem haja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Boa noite Frei José Carlos

    Muito grata pelas suas palavras que são de uma grande ajuda para o discernimento e meditação na Palavra do Filho de Deus incarnado. Há oito dias, estando as portas fechadas o Senhor apresentou-se no meio dos onze díscipulos, e neste domingo o Senhor, estando eles reunidos, volta a apresentar-se no meio deles. Louvado seja o Senhor que na sua misericórdia se nos apresenta. Bendito e louvado seja o Seu Santo Nome. Ó Santa Misericórdia. Bendita Luz, afável, venerável, de amor e doçura.

    Fraternalmente
    L

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