segunda-feira, 23 de maio de 2011

Quem me ama guarda a minha Palavra (Jo 14,23)

O mandamento do amor, ao próximo e a Deus, exercita-se nesse grande desafio da fidelidade. Amamos o outro na medida em que nos mantemos fiéis apesar das dificuldades e das atrocidades, dos desencontros que marcam a relação. Amamos a Deus na medida em que guardamos a mesma fidelidade aos seus mandamentos, à sua Palavra.
Mandamentos e Palavra que não podemos deixar de ter presente se dirigem à libertação do homem, que privilegiam a liberdade do homem e a sua vontade. Mandamentos e Palavra que se dirigem à superação do homem enquanto realidade a crescer e a desenvolver-se, a frutificar e a fazer render os seus talentos.
Os mandamentos e a Palavra de Deus não são para nos constringir ou limitar mas para nos apelar e incentivar a um desenvolvimento, a um encontro com o melhor que há de possível em nós próprios e tantas vezes deixamos soterrado na nossa preguiça e nas solicitações do mundo.
A história da salvação é a história desse desafio e assim tanto Abraão é convidado a deixar a sua terra por uma outra mais fértil e uma descendência mais numerosa, como o povo de Israel é incentivado a superar a dura travessia do deserto para herdar uma terra onde mana leite e mel.
Contudo, este desafio, esta superação das limitações e dificuldades, só se realiza na medida do amor, da paixão com que é vivido, porque o amor conduz a vontade e o esforço necessário. E todos sabemos como o amor suaviza as dificuldades e nos faz ultrapassar os obstáculos.
Neste sentido necessitamos um exercício diário de discernimento sobre os amores que regem a nossa vida, porque muitos deles são perfeitamente válidos, honestos e necessários, mas necessitam desse enquadramento divino, do amor divino, para que possam verdadeiramente servir à construção e superação do que somos.
Assim, é normal a paixão e o amor pela profissão que desenvolvemos, que desejemos e lutemos pelo progresso, pelo seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, que aspiremos a ser reconhecidos pelo nosso trabalho e o seu valor. Mas não podemos ficar só aí, e devemos ter cuidado para perceber o quanto esse desejo e essa luta estão marcados pelos critérios do mundo, da satisfação da nossa vaidade.
Percebendo esses critérios podemos perceber também o amor de Deus que colocamos no que fazemos, na fidelidade à Palavra que procuramos viver, aí, mesmo nessas realidades que tantas vezes queremos ou procuramos que não tenham nada a haver com os mandamentos e a Palavra de Deus. Como se na nossa fidelidade e na guarda do amor de Deus pudesse haver compartimentos estanques e independentes.
Necessitamos assim discernir em cada momento a presença de Deus e do seu amor, como as nossas palavras e as nossas acções nascem desse amor, se devem manter e alimentar desse amor e como devem estar também marcadas por esse objectivo de conduzir ao amor.
O que não procede do amor de Deus, não cresce nem se desenvolve no amor de Deus, não serve a Deus nem o seu projecto de amor, é portanto uma infidelidade ao mandamento da guarda da Palavra de Deus. Pelo que necessitamos pedir ao Senhor que nos envie o seu Paráclito, o seu Espírito, para nos recordar e ensinar tudo o que é necessário à fidelidade do amor.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Leio, releio e fico a reflectir no texto que partilha connosco, recordando-nos que ...” o mandamento do amor, ao próximo e a Deus, exercita-se nesse grande desafio da fidelidade” … (…) e que:
    …”os mandamentos e a Palavra de Deus não são para nos constringir ou limitar mas para nos apelar e incentivar a um desenvolvimento, a um encontro com o melhor que há de possível em nós próprios e tantas vezes deixamos soterrado na nossa preguiça e nas solicitações do mundo”,…
    …” a superação das limitações e dificuldades, só se realiza na medida do amor, da paixão com que é vivido, porque o amor conduz a vontade e o esforço necessário”, …
    …”necessitamos um exercício diário de discernimento sobre os amores que regem a nossa vida, porque muitos deles são perfeitamente válidos, honestos e necessários, mas necessitam desse enquadramento divino, do amor divino, para que possam verdadeiramente servir à construção e superação do que somos.”...
    Bem haja Frei José Carlos por nos salientar que “na nossa fidelidade e na guarda do amor de Deus não há compartimentos estanques e independentes”.
    Somos um ser uno, singular, no que temos de melhor e de menos bom, com as nossas imperfeições que precisamos (re)descobrir em permanência.
    Ao longo do nosso processo de transformação, saibamos acolher e reconhecer a presença de Deus e do seu amor, na nossa vivência interior e nas relações com o próximo, em todos os lugares e momentos.
    Peçamos com o Frei José Carlos que “o Senhor nos envie o seu Paráclito, o seu Espírito, para nos recordar e ensinar tudo o que é necessário à fidelidade do amor.”
    Obrigada, Frei José Carlos, por esta profunda e importante partilha que nos desinstala mas que nos desafia e incentiva na fidelidade e na guarda do amor de Deus.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar