A comunidade cristã da cidade de Corinto foi uma das mais importantes
na expansão do cristianismo nascente, e por isso São Paulo manifestou sempre
uma grande preocupação para com essa comunidade e os desafios que se lhe
colocavam de inculturação, de inserção da fé cristã no meio cultural e
religioso pagão de uma grande cidade portuária.
É no contexto deste desafio de inculturação e face à ameaça da
compreensão do cristianismo como mais uma doutrina, uma ideia filosófica para
uma vida boa, que São Paulo se vê obrigado a reafirmar, a colocar em evidência,
o que tinha sido o seu ensinamento, o que afinal tinha tentado fazer e lhes
tinha deixado como legado para a vida, qual era a mensagem de que era apóstolo.
Encontramo-nos assim com a primeira carta de São Paulo aos coríntios e
com a memória do que tinha sido a acção e o ensinamento de São Paulo aquando da
sua estadia entre eles, uma presença humilde e completamente centrada na pessoa
de Jesus Cristo.
São Paulo recorda à comunidade que não tinha sido com grandes palavras
nem sabedorias extraordinárias que lhes tinha anunciado a boa nova de Jesus
Cristo, mas com humildade, com uma grande dose de fraqueza e temor, uma vez que
o tesouro a partilhar era deveras valioso para ser desperdiçado em linguagens
distractivas.
Ao apresentar-se em Corinto São Paulo não se preocupou com outra coisa
senão com Jesus Cristo, com o anúncio da salvação de Jesus Cristo. Não teve
preocupações retóricas nem idiomáticas, não se preocupou com a apresentação mas
apenas com o conteúdo, porque só Jesus Cristo verdadeiramente importava. “Entre
vós não devia saber nada senão Jesus Cristo.”
Esta preocupação e testemunho de São Paulo são para nós um desafio,
porque muitas vezes nos preocupamos mais com a roupagem, com a forma, do que
com o conteúdo. Na nossa transmissão e anúncio da fé esquecemos que antes de
mais o que devemos saber e o que devemos anunciar é Jesus Cristo, porque é a
sua pessoa, a sua vida, o que verdadeiramente contagia os homens, os pode
converter.
É no balbuciar humilde de qualquer coisa que entrevemos da sua
presença na nossa vida, do seu amor para connosco, num gesto de veneração
diante da cruz com Jesus crucificado, na amizade e fraternidade que vivemos sem
peias e compensações que podemos dar a conhecer Jesus Cristo.
Na mesma linha de pensamento de São Paulo escreveu Enzo Bianchi,
fundador da Comunidade de Bose, na Itália: “para abrir as pessoas à fé é
necessário em primeiro lugar dar-lhes a conhecer e proporcionar-lhes o encontro
com Jesus, para depois, através dele, fazer-lhes conhecer e abraçar o seu corpo
que é a Igreja. Deus, em si mesmo, não é mais essencial no percurso, pois
pode-se ser homem sem acreditar em Deus e o encontro com Ele não vai além
disso. O encontro com Cristo, pelo contrário, aparece como uma fecunda
possibilidade de abertura à fé. Quando se descobre Jesus, a sua pessoa intriga,
interroga, fascina, provoca uma simpatia.” [Panorama 490 / Setembro 2012)
Como deveríamos saber bastante de Jesus Cristo pela nossa adesão à sua
pessoa, pela nossa relação pessoal e biográfica com ele, porque a nossa fé nele
não é um conhecimento intelectual, uma doutrina, mas uma intimidade de vida
partilhada.
Ilustração: “Julgamento de São Paulo”, de Nilokai Bodarevsky, Museu Regional
de Arte de Uzhgorod, Ucrânia.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Meditação que urdiu faz-nos reflectir sobre o que é Jesus para mim, para cada um de nós, que se fez homem, que sofreu para salvar-nos, como vivo (emos) a nossa intimidade com Jesus. Ao recordar-nos a preocupação e o testemunho de S.Paulo com a comunidade cristã de Corinto, interrogo-me se não precisamos de nos redescobrir, ou melhor de descobrir o Jesus Cristo de que nos fala o Evangelho, o Seu verdadeiro testemunho. Tomo a liberdade de interrogar-me se não é essa a Nova Evangelização que precisamos, esse encontro profundo com Jesus Cristo que nos ajuda a transformar, a proceder como o Seu testemunho na vida de cada um de nós, no nosso quotidiano.
Como nos salienta ...” Ao apresentar-se em Corinto São Paulo não se preocupou com outra coisa senão com Jesus Cristo, com o anúncio da salvação de Jesus Cristo. Não teve preocupações retóricas nem idiomáticas, não se preocupou com a apresentação mas apenas com o conteúdo, porque só Jesus Cristo verdadeiramente importava. “Entre vós não devia saber nada senão Jesus Cristo.””…
Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta Meditação profunda, que nos encoraja a não desistir, que nos desinstala, exortando-nos que … “É no balbuciar humilde de qualquer coisa que entrevemos da sua presença na nossa vida, do seu amor para connosco, num gesto de veneração diante da cruz com Jesus crucificado, na amizade e fraternidade que vivemos sem peias e compensações que podemos dar a conhecer Jesus Cristo”. …
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e proteja.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me que partilhe uma bela oração, um poema de São João da Cruz.
Embora Seja Noite
Bem eu sei a fonte que mana e corre/Embora seja noite.//
Aquela eterna fonte está escondida/mas sei bem d’onde é suprida/embora seja noite.//
Sua origem desconheço, pois não a tem/mas sei que toda origem dela vem,/embora seja noite.//
Sei que não pode haver coisa tão bela/e que céus e terra bebem dela,/embora seja noite.//
Sei bem que fundo nela não se acha,/e que ninguém pode atravessá-la,/embora seja noite.//
Sua claridade não é nunca escurecida/e sei que sua luz toda já é vinda,/embora seja noite.//
Sei ser tão caudalosas suas correntes/que regam céus, infernos e as gentes,/embora seja noite.//
A corrente que nasce desta fonte/sei que é forte e omnipotente,/embora seja noite.//
E das duas a corrente que procede/sei que nenhuma delas a precede,/embora seja noite.//
E esta eterna fonte está escondida/neste vivo Pão pra dar-nos vida,/embora seja noite.//
Aqui ela está chamando as criaturas/e se fartam desta água, ainda que às escuras/porque é de noite.//
Esta viva fonte que desejo/neste Pão de vida a vejo,/embora seja noite.//
São João da Cruz (1542-1591)
o frade espanhol que dizia que somos aquilo que amamos