sábado, 1 de setembro de 2012

O Senhor confiou-lhe os seus talentos (Mt 25,14)

“Nos cinco talentos, nos dois, e no um, só devemos entender, ou as diversas graças que a cada um foram confiadas, ou então que no primeiro se examinam os sentidos, no segundo a inteligência e as obras, e no terceiro a razão, que é pela qual nos diferenciamos dos animais.”
É desta forma que São Jerónimo no seu Comentário ao Evangelho de São Mateus, Livro IV, interpreta a parábola dos talentos e da distribuição diferenciada a cada um dos servos.
Uma interpretação interessante, na medida em que pelos cinco talentos, que correspondem aos sentidos corporais, contemplando as obras da natureza, podemos conhecer e apreciar a obra da criação de Deus, e portanto valorizar e enriquecer a nossa própria realidade humana e divina com o gozo dessa obra.
Os dois talentos, que correspondem à inteligência e às obras, na medida em que permitem uma relação construtiva e alterante das realidades em que estamos envolvidos, são chamadas também a produzir-se e a multiplicar-se. De certa forma é a resposta à recomendação de Deus no momento da criação, quando diz ao homem que cresça e domine a terra.
Um domínio que não podemos deixar de assumir que deve ser equilibrado, racional, justo, porque é um outro dom, um outro património do qual todos, e cada um, somos apenas usufrutuários, e portanto temos o dever de o deixar se não melhor do que o encontrámos pelo menos como o encontrámos.
O talento único é a razão, o talento que mais nos aproxima de Deus e portanto aquele que mais exige um cuidado na sua administração. Sendo a razão que nos diferencia dos animais, deveria também elevar-nos a um outro patamar de relações interpessoais e com Deus. Infelizmente parece que funciona ao contrário e serve muitas vezes apenas para humilhar o nosso próximo ou para nos afastar de Deus na medida no nosso racionalismo auto-suficiente.
Necessitamos por isso assumir que são muitos os talentos que o Senhor nos concede, que os devemos fazer crescer e multiplicar-se, e que o produto final da rentabilização será maior na medida em que todos nos levam ao encontro com o Senhor, com um proprietário que colhe onde não semeia, mas que deseja o retorno do entregue na plenitude da nossa própria realização.  
 
Ilustração: “São Jerónimo no seu estudo”, de Caravággio, Galeria Borghese, Roma.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Bem-haja pela partilha da interpretação da parábola dos talentos segundo São Mateus introduzida pelo Comentário de São Jerónimo. Muitas vezes a interpretação das parábolas para o leigo não é fácil como é o caso da parábola dos talentos. A interpretação que partilha é muito interessante e enriquecedora e como nos afirma ...” Necessitamos por isso assumir que são muitos os talentos que o Senhor nos concede, que os devemos fazer crescer e multiplicar-se, e que o produto final da rentabilização será maior na medida em que todos nos levam ao encontro com o Senhor, com um proprietário que colhe onde não semeia, mas que deseja o retorno do entregue na plenitude da nossa própria realização.”
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, por recordar-nos a responsabilidade que temos na administração com sabedoria dos dons e talentos que o Senhor nos concede em graça, na partilha generosa dos frutos com o nosso próximo e do “dom de nós próprios com os outros”.
    Votos de um bom domingo.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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