segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Eu não sou digno que entres em minha casa. (Lc 7,6)

Quando Jesus chega a Cafarnaum alguns membros importantes da comunidade dirigem-se a ele para lhe solicitar ajuda para um servo que estava doente e pertencia ao centurião. Justificando o pedido, pois afinal o centurião é um pagão, dizem-lhe que o homem ama o povo e lhes construiu a sinagoga, pelo que é digno de toda a consideração por parte de Jesus.
Encontra-se Jesus já a caminho da casa do centurião, quando ao seu encontro vem um outro grupo, um conjunto de amigos, para lhe dizer que o centurião não se acha digno da sua visita e por isso mesmo nem se dirigiu a ele pessoalmente.
Apesar disso, desse sentimento de falta de dignidade, o centurião continua a confiar e a esperar a salvação do seu servo. Aliás, manifesta uma confiança na palavra de Jesus, no seu poder, que acredita que mesmo sem entrar em sua casa o Mestre pode curar o servo.
Habitualmente, e assim o texto evangélico nos orienta pelas próprias palavras de Jesus, ficamos focados na fé daquele homem, daquele pagão que acredita mais no poder de Jesus que aqueles que o acompanham e aos quais foi enviado.
Contudo, não podemos deixar de constatar a diferença que se encontra entre a consideração de uns e a consciência do próprio. Enquanto que os anciãos consideram o centurião uma pessoa digna, por aquilo que lhes fez, o próprio centurião não se considera digno da visita de Jesus, da entrada na sua casa.
Para os anciãos de Cafarnaum a dignidade e o valor daquele homem assentava no que lhes tinha feito e proporcionado, na forma como os tratava. Era de certa forma o exterior, o visível, que autorizava e garantia a dignidade.
Pelo contrário, para o centurião as acções não eram significativas, Jesus não necessitava deslocar-se a sua casa, porque a palavra e o seu poder eram capazes de operar a cura necessária. E neste sentido, o centurião manifesta uma fé que não necessita do visível, da acção directa de Jesus.
Estamos assim perante uma situação em que percebemos que a fé é uma dinâmica interior, um processo que provoca movimento sem necessidade de méritos, de compensações exteriores, os quais a maior parte das vezes imobilizam mais que activam.
Percebemos também nesta situação que a fé em Jesus é sempre acompanhada de um processo de conversão, de um reconhecimento de indignidade que é impossível ultrapassar sem a palavra salvadora e libertadora de Jesus. A nossa cura, a vinda de Jesus à nossa casa, começa no exacto momento em que nos reconhecemos indignos dessa mesma vinda.
 
Ilustração: “Centurião de Cafarnaum diante de Jesus”, desenho de Jean-Baptiste Jouvenet.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Ao recordar-nos o Evangelho do dia, falando-nos da forma como se desenrola o pedido do centurião a Jesus para a cura de um servo, salienta-nos que …” Estamos assim perante uma situação em que percebemos que a fé é uma dinâmica interior, um processo que provoca movimento sem necessidade de méritos, de compensações exteriores, os quais a maior parte das vezes imobilizam mais que activam (…) e que a fé em Jesus é sempre acompanhada de um processo de conversão, de um reconhecimento de indignidade que é impossível ultrapassar sem a palavra salvadora e libertadora de Jesus.”…
    A indignidade do centurião e a fé que tinha no poder da Palavra de Jesus para que o servo ficasse curado transmitidas por um grupo de amigos a Jesus: «Não te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres debaixo do meu tecto, pelo que 
nem me julguei digno de ir ter contigo. Mas diz uma só palavra e o meu servo será curado”, é a mesma oração que repetimos antes da sagrada comunhão. Como Frei José Carlos nos afirma …” A nossa cura, a vinda de Jesus à nossa casa, começa no exacto momento em que nos reconhecemos indignos dessa mesma vinda.”
    No nosso peregrinar, peçamos a Deus que nos reforce a fé e nos liberte o coração do orgulho, dos preconceitos, das ambições, para que possamos acolher o Senhor, pelos dons gratuitos e pelo amor.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda, que ilustrou de forma tão bela. Que o Senhor o abençõe e o guarde, e receba a Sua graça e amor.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    OS ANOS
    LECTIVOS QUE
    COMEÇAM


    Gosto de pensar, Senhor, que não são apenas os anos lectivos que começam, mas somos nós. É dentro da nossa vida que conjugamos começos e recomeços, reencontros e descobertas... É dentro da nossa
    vida que as folhas são mais brancas, essas folhas onde anualmente escrevemos “lição nº.1”. A aventura do saber faz sentido se ajuda, se interroga, se aprofunda a nossa maior aventura que é aquela do ser.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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