Não encontramos nos
Evangelhos nenhuma referência, nenhuma menção, ao acontecimento que hoje
celebramos, o nascimento da Virgem de Nazaré, da Mãe do Salvador, Maria.
Mas se a Igreja desde
cedo começou a comemorar e a celebrar festivamente este acontecimento, que
certamente não se distingue por nada de excepcional, de maravilhoso, de outros
nascimentos, é porque ele se insere num quadro de normalidade, de quotidiano da
vida humana, do qual se desprende um sentido novo, uma profundidade e
luminosidade que alteram o mesmo quotidiano e normalidade.
Se olharmos para as
representações iconográficas que a devoção e a arte construíram não vemos mais
que uma mulher que acabou de dar à luz uma criança, uma mulher que a tradição
baptizou de Ana, e casou com um homem prudente e fiel chamado Joaquim.
À volta da mãe, um
conjunto de mulheres que cumprem os rituais normais de qualquer nascimento
tratando da higiene da criança e do fortalecimento da mãe. Um acontecimento
perfeitamente normal e sem nada mais de extraordinário.
Contudo, este
acontecimento normal, que a tradição e a Igreja assumiram, transporta-nos para
a beleza e o extraordinário do nascimento de todo e qualquer ser humano. Cada vida
é um milagre, e um milagre que altera o quotidiano, pois representa um começo,
a oportunidade de algo único, irrepetível, inimitável, a possibilidade de uma
pessoa destinada à plenitude.
Na festividade da
natividade da Virgem Maria nós sabemos já o que representou esta criança e esta
vinda ao mundo, a maternidade do Filho de Deus, pois aquela cujo nascimento
comemoramos hoje vai aceitar ser mãe do Salvador, colaborar na obra de Deus.
Neste sentido, esta
festa é também a comemoração de todos os nascimentos, de todas as vindas à vida
e ao mundo dos homens, pois em cada um se abre a possibilidade da mesma
colaboração com Deus, a mesma participação no projecto salvador, e de cada vez
como se fosse a primeira vez.
A festa da natividade
da Virgem Maria é assim a festa de toda a humanidade, de todos os homens e
mulheres enquanto possibilidade de uma realização única, de uma resposta pessoal
e intransmissível a Deus.
Procuremos pois
festejar este nascimento como sendo o nosso e compenetrar-nos do que nos falta ainda
para que à semelhança de Maria de Nazaré o nosso nascimento e a nossa vida sejam
uma via para vinda do Filho de Deus ao nosso mundo e à história dos homens.
Ilustração: “Nascimento
da Virgem Maria”, de Francisco de Zurbarán, Museu Norton Simon, Pasadena,
Califórnia.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarComo nos recorda, celebramos hoje o nascimento de uma criança que é Maria e Mãe de Jesus, e como a obra de Deus está entrelaçada na história humana.
Como nos salienta, ... “este acontecimento normal, que a tradição e a Igreja assumiram, transporta-nos para a beleza e o extraordinário do nascimento de todo e qualquer ser humano. Cada vida é um milagre, e um milagre que altera o quotidiano, pois representa um começo, a oportunidade de algo único, irrepetível, inimitável, a possibilidade de uma pessoa destinada à plenitude.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda e muito bela, por nos enfatizar que …” A festa da natividade da Virgem Maria é assim a festa de toda a humanidade, de todos os homens e mulheres enquanto possibilidade de uma realização única, de uma resposta pessoal e intransmissível a Deus.”
Que o Senhor o ilumine, o abençõe e o guarde.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema citado por Frei José Augusto Mourão, OP.
Misericordiosa
misericordiosa/Senhora das tormentas/que confias na treva/e não temeste a morte/roga a Deus por nós, Maria//
Senhora do Sim/mesmo em frente à Cruz/rosa em sangue que moves/para um mundo aberto//
ó fonte de milagres/passagem de pujança/que anuncias os sons/da paz que nos molha os pés/porta de onde o Céu nos vem//
ó Maria, Mãe/flor aberta, irmã/que em Deus foi bordada/roga a Ele por nós, Mãe//
Senhora que não fala/nem dá regras de vida/só põe no colo a Mãe/só olha o que falta ao ser/roga por nós, Maria//
flor azul do mar/cais de embarque, flor/que perfuma o beiral do céu/bênção de Deus, doçura//
texto para uma música islandesa de
Atli Heimir Sveisson (1938)
(In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)