domingo, 30 de setembro de 2012

Homilia do XXVI Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho deste domingo apresenta-nos na boca do discípulo João uma questão extremamente pertinente, uma questão que está na origem de muitas das nossas divisões religiosas, culturais, sociais e até políticas. “Vimos um homem expulsar os demónios em teu nome mas que não anda connosco”.
A questão de João e a atitude que os discípulos assumiram, pois proibiram o homem de realizar tais acções, deriva da consciência de eleição, do facto de um dia Jesus os ter chamado a cada um deles e os ter enviado a anunciar a Boa Nova do Reino expulsando os demónios e curando os enfermos.
Por esse facto não só se consideravam privilegiados como também proprietários exclusivos do poder que Jesus lhes outorgava. Por outro lado, concebiam a eleição de que tinham sido objecto como uma delimitação, como se Jesus tivesse constituído fronteiras na sua comunidade ao fazer aquela eleição e portanto não houvesse lugar para mais ninguém.
Não podemos deixar de assumir que em muitas situações da nossa vida nos comportamos como João, que muitas vezes rejeitamos os outros ou criamos barreiras de comunicação e fraternidade porque eles não andam connosco, porque não partilham as mesmas ideias ou porque muito simplesmente consideramos que são uma ameaça ao nosso poder.
Quantas vezes não demonizamos o outro porque se apresenta como uma novidade, alguém mais jovem, alguém com uma ideia válida e transformadora, alguém que ameaça o meu estatuto, embora não o pretenda nem tenha esse objectivo?
Face à contestação de João e às nossas muitas atitudes de rejeição e marginalização Jesus eleva o debate e coloca os discípulos e cada um de nós perante um conjunto de desafios que nos desconcertam pela sua radicalidade e perante a humildade que lhe é natural e nos devia contagiar nas nossas relações.
Assim, face à queixa de João, a resposta de Jesus é que não devem incomodar tal homem por praticar tais actos, pois ninguém o pode imitar na sua acção e estar contra ele ou dizer mal dele. Jesus alarga assim a comunidade restrita que os discípulos queriam constituir, e revela-lhes que a acção e o poder do Espirito não se limita a alguns nem é propriedade de ninguém.
Com esta abertura Jesus manifesta igualmente a sua humildade, a sua missão obediente ao Pai, não se atribuindo mais poder do que aquele mesmo que lhe era dado pelo Pai. A acção do Pai e do Espirito não são sua propriedade nem estão sob o seu controlo e assim a deviam compreender e assumir os mesmos discípulos.
E tal como Jesus também nós devíamos assumir esta humildade, lutar contra as nossas egoístas pretensões de poder, colocando diante de cada acção o princípio que Jesus enumera de que quem não é contra nós é por nós, alegrando-nos como Moisés por se encontrarem entre nós profetas e o Espirito de Deus iluminar outros homens.
À luz deste mesmo Espirito devemos interrogar-nos sobre as vezes que um plano ou um projecto, uma ideia nova, não avançou nos nossos grupos familiares, religiosos, ou profissionais, porque o considerámos como um ataque, quando de facto e no fundo mais não pretendia que uma reorganização de tarefas e portanto nos poderia servir melhor, podia estar por nós.
Quantas vezes as nossas forças e o nosso poder não foram mais forças de bloqueio e de paralisação, quando podiam ter sido contributo e alavanca para novas realidades e aproximação a novos desafios mais gratificantes?
Neste sentido, e para que possamos levar por diante esta atitude humilde e englobante de Jesus, temos que assumir as propostas radicais de Jesus quanto aos membros que nos impedem de caminhar e provocam o escândalo.
Não podemos contudo pensar que a proposta de Jesus ao dizer que devemos cortar uma mão, um pé, ou arrancar um olho, se é ocasião de escândalo, significa uma mutilação física. Temos que assumir que se tratam de expressões fortes para veicular uma ideia extremamente importante, e que é a da purificação, a da conversão.
Neste sentido ainda, não podemos esquecer que o corpo humano é obra de Deus e deve estar ao serviço da glória de Deus. Como diz Santo Ireneu, a glória de Deus é o homem vivo, e portanto o homem em toda a sua forma física. Por outro lado, não podemos esquecer também aquilo que Jesus disse em outro momento do Evangelho, que não é o que é exterior ao homem que o contamina mas o que lhe nasce no coração.
As recomendações de Jesus são assim uma proposta de conversão dos nossos próprios membros, dos nossos sentidos, da nossa pessoa na sua totalidade, uma conversão no sentido do serviço do Reino, de sermos instrumentos de construção, e para tal o corte que nos pode operar, que nos pode reconverter é aquele que resulta da Palavra de Deus, que como nos diz o Salmo é uma espada de dois fios.
É a Palavra de Deus que pode e deve operar esse corte que lança fora o que provoca escândalo e conduz ao pecado. É a Palavra de Deus que nos pode livrar do caminho da idolatria das nossas próprias forças e membros. É a Palavra de Deus que nos pode libertar da idolatria do dinheiro e da injustiça para com os outros.   
Em conclusão, podemos dizer que o Evangelho de hoje nos coloca face ao perigo da idolatria do grupo, da exclusividade do grupo, e da idolatria das nossas forças e meios, da sua utilização desorientada em ordem ao mundo novo que somos chamados a construir.
Perante tais idolatrias Jesus revela-nos que tanto o grupo, e a eleição para o grupo, bem como todos os membros e o trabalho que podem realizar, devem estar ao serviço de Deus, são instrumentos escolhidos para a revelação do seu projecto de amor e para a construção do Reino num mundo melhor.
Todos somos instrumentos de Deus e assim o devemos servir na humildade.
 
Ilustração: Eleição dos doze Apóstolos, por James Tissot, Brooklyn Museum.

 

 

 

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Leio e releio o texto da Homilia do XXVI Domingo do Tempo Comum que teceu e que sem rodeios nos confronta com os nossos comportamentos, quando estamos perante uma ideia de alguém que não é nossa ou que não provém do grupo de que fazemos parte, à semelhança da atitude do discípulo João e a reação de Jesus, de que todos somos destinatários. Permita-me que respigue alguns excertos que me tocam particularmente.
    ...” Não podemos deixar de assumir que em muitas situações da nossa vida nos comportamos como João, que muitas vezes rejeitamos os outros ou criamos barreiras de comunicação e fraternidade porque eles não andam connosco, porque não partilham as mesmas ideias ou porque muito simplesmente consideramos que são uma ameaça ao nosso poder.
    Quantas vezes não demonizamos o outro porque se apresenta como uma novidade, alguém mais jovem, alguém com uma ideia válida e transformadora, alguém que ameaça o meu estatuto, embora não o pretenda nem tenha esse objectivo? (…)
    (…) E tal como Jesus também nós devíamos assumir esta humildade, lutar contra as nossas egoístas pretensões de poder, colocando diante de cada acção o princípio que Jesus enumera de que quem não é contra nós é por nós, alegrando-nos como Moisés por se encontrarem entre nós profetas e o Espirito de Deus iluminar outros homens.(…)
    (…) Por outro lado, não podemos esquecer também aquilo que Jesus disse em outro momento do Evangelho, que não é o que é exterior ao homem que o contamina mas o que lhe nasce no coração.(…)
    (…) É a Palavra de Deus que pode e deve operar esse corte que lança fora o que provoca escândalo e conduz ao pecado. É a Palavra de Deus que nos pode livrar do caminho da idolatria das nossas próprias forças e membros. É a Palavra de Deus que nos pode libertar da idolatria do dinheiro e da injustiça para com os outros.(…)
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, que nos ajudam a repensar e a transformar as nossas atitudes nas diversas vertentes da nossa vida, por salientar-nos que …” Todos somos instrumentos de Deus e assim o devemos servir na humildade.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Votos de uma boa semana, com paz, confiança, alegria e esperança.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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