quarta-feira, 19 de setembro de 2012

São como crianças (Lc 7,32)

Jesus disse que quem não se fizesse como uma criança não entraria no Reino dos Céus. Contudo, ao comparar os seus contemporâneos como crianças está a colocar a atenção no lado oposto do ser criança, naquilo que poderíamos apelidar da perversão da criança.
De facto, Jesus compara os seus contemporâneos a crianças insatisfeitas, pois cantaram para elas e não dançaram, entoaram lamentações e não choraram. No entanto, mais que a insatisfação, o que verdadeiramente acontece é um bloqueio, uma recusa liminar ao que se faz e oferece, o que não permite sequer a satisfação ou insatisfação.
Os contemporâneos de Jesus não foram capazes de acolher João Baptista que se apresentava com um convite à conversão através da ascese de vida, e terminaram mesmo por o criticar e condenar. Jesus, que actuava de forma diferente, foi também alvo das mesmas críticas, ainda que as realidades e os modos de agir fossem diferentes.
De facto não estava em questão o objecto ou a pessoa, mas o acolhimento, a capacidade de estar disponível para algo diferente, para uma novidade. E tal não aconteceu.
Ao apresentar as crianças como possibilidade de entrada no Reino dos Céus, Jesus convida-nos a acolhimento, à atitude da criança que é curiosa, que quer saber, que está disponível para experiências novas.
E esta atitude é extremamente importante, podemos dizer que é mesmo a chave do nosso ser cristãos, que aparece já patente no prólogo do Evangelho de São João quando diz “que a todos aqueles que o acolheram lhes deu o poder de se tornarem filhos de Deus”.
Deus oferece-se-nos e cabe-nos a nós acolhê-lo ou rejeitá-lo. Deus deixa-nos a liberdade de o poder fazer, e de o podermos fazer em cada dia, em cada momento, em cada ocasião que se nos proporciona um acolhimento, seja da palavra, seja do outro, seja até da dor ou a morte.
 
Ilustração: “Troika”, de Andrey Andreevich Popov, Museu Rybinsk, Russia.
 

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Como nos salienta ...” Os contemporâneos de Jesus não foram capazes de acolher João Baptista que se apresentava com um convite à conversão através da ascese de vida, e terminaram mesmo por o criticar e condenar. Jesus, que actuava de forma diferente, foi também alvo das mesmas críticas, ainda que as realidades e os modos de agir fossem diferentes. (…)
    (…) Deus oferece-se-nos e cabe-nos a nós acolhê-lo ou rejeitá-lo. Deus deixa-nos a liberdade de o poder fazer, e de o podermos fazer em cada dia, em cada momento, em cada ocasião que se nos proporciona um acolhimento, seja da palavra, seja do outro, seja até da dor ou a morte.”…
    Peçamos ao Senhor que liberte o nosso coração da ambição, do poder, do orgulho, dos preconceitos, de um coração semelhante aos contemporâneos de Jesus. Dai-nos um coração simples, aberto e disponível, como o das crianças prontas para a aventura, para acolher a surpresa, para encontrarmos os caminhos a percorrer, os projectos a que somos chamados a participar na construção do Reino de Deus.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação que nos desinstala, fazendo-nos auto-examinarmo-nos para libertar-nos do que em alguns de nós permanece à semelhança dos fariseus e dos doutores da Lei e que carece de eliminação, aperfeiçoamento.
    Que o Senhor o ilmunine, o abençoe e o guarde.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    caminho, verdade e vida

    Deus, tu és o Caminho, a Verdade e a Vida/que se dão as mãos/porque a verdade do caminho é a vida que a tece/e a engloba, aberta/e é a polifonia da ternura que acorda os caminhos/e age e cura a vida//

    tu és o caminho que precede todos os caminhos,/a visitação do corpo/no que o corpo esquece,/o nunca visto da paz e da alegria//

    dá a este corpo que o teu dom reúne/um instante de fome e de aflição/para que deste tempo-fora-do tempo/se erga a verdade dos caminhos/da nossa vida e do nosso louvor,/Deus que vens em Jesus Cristo/e no Espírito que nos ensina a rezar.//

    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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