domingo, 9 de setembro de 2012

Homilia do XXIII Domingo do Tempo Comum


A leitura do Evangelho apresenta-nos a narração do milagre que Jesus realiza na região da Decápole, a cura do surdo-mudo, e à semelhança de outros milagres realizados por Jesus encontramos também a recomendação final de que o acontecido não seja divulgado.
Recomendação inusitada para aqueles que são objecto do milagre e para aqueles que assistem e testemunham, o que leva inevitavelmente ao seu não cumprimento, como acontece no caso que hoje o Evangelho nos apresenta.
Mas se Jesus se preocupa com esta recomendação e com o seu cumprimento, com a não publicitação do milagre, é porque de facto esta publicidade pode ocultar e ofuscar a verdade que interessa divulgar e dar a conhecer.
Os milagres e as curas que Jesus opera são apenas sinais, são meios para o encontro com aquele que os realiza e portanto é fundamental que a atenção não seja desviada. Jesus não é um curandeiro, um taumaturgo, é o Messias Filho de Deus que importa reconhecer e encontrar.
Esta mesma circunstância de desencontro com a verdade, com aquele que se apresenta na sua verdadeira identidade, repete-se face aos que conhecem Jesus e a sua família e perante este conhecimento não são capazes de ver o que está para além dos próprios olhos e do conhecimento actual.
A recomendação de Jesus a que não divulgassem a cura do surdo-mudo tem assim um objectivo muito claro de combate da possibilidade de desencontro com Jesus, e nomeadamente naquela região em que a cultura helenística podia perfeitamente conduzir a uma idolatria da pessoa de Jesus enquanto taumaturgo.
Não podemos esquecer que ao atravessar o território da Decápole Jesus avança para territórios considerados pagãos, territórios entregues à idolatria dos deuses romanos e helénicos, e onde podia perfeitamente assumir e garantir um lugar tranquilo e até um reconhecimento social enquanto curandeiro.
Contudo, não é essa a missão nem o objectivo de Jesus, porque ao entrar neste território pagão e ao realizar ali a cura do surdo-mudo Jesus abre não só os horizontes da sua missão mas também da história da salvação. O Messias não tinha vindo apenas e exclusivamente para o povo de Israel, mas para toda a humanidade.
Humanidade que necessita ser curada da sua surdez e da sua mudez, simbolizada neste surdo-mudo que Jesus cura, pois também os pagãos devem ter acesso à escuta da palavra salvadora de Deus e à sua proclamação. Jesus não faz assim acepção de pessoas, não exclui os pagãos face aos judeus.
Questão problemática em todos os momentos e lugares e mormente na vida da Igreja, como se pode constatar pela Carta de São Tiago, uma recomendação veemente à fraternidade e à igualdade. A comunidade a que São Tiago se dirige é uma comunidade dividida pelo estatuto e condição social das pessoas, pela riqueza que possuem ou não.
Ora tal situação é incomportável face à Boa Nova do Evangelho e à vida de Jesus, à sua entrega à vontade do Pai para que todos os homens pudessem ser irmãos enquanto filhos do mesmo Deus. E por isso São Tiago clama pela igualdade de tratamento, pelo fim da exclusão por critérios medíocres e mundanos.
Contudo, e passados dois mil anos sobre a vida de Jesus e a salvação operada pela sua morte na cruz, continuamos a deixar-nos vencer por ideias de privilégios, continuamos a fazer acepção de pessoas, quer nas nossas relações pessoais, profissionais e até eclesiais. Continuamos a olhar para o aparente, para o provisório e o acessório, esquecendo que Jesus nos convida a todos a olhar para o verdadeiramente fundamental, para o interior de cada realidade e de cada pessoa.
As nossas experiências tantas vezes traumatizantes e infelizes levam-nos a desconfiar, a ter cautelas e a entrar numa espiral de exclusão. Contudo, pela boca do profeta Isaías o Senhor convida-nos a ter coragem, a não temer, factores verdadeiramente importantes para que qualquer relação e qualquer experiência possa ser verdadeiramente gratificante e construtiva.
Se olharmos os outros como membros dum corpo a que também pertencemos, como nossos irmãos e filhos do mesmo Deus em que acreditamos, perceberemos mais tarde ou mais cedo a riqueza da partilha e da fraternidade, o equívoco tremendo da acepção por esta ou aquela razão.
Num momento de crise e dificuldades como vivemos torna-se urgente assumir esta fraternidade, colocar de parte a exclusão por razões mesquinhas, porque como dizia um slogan revolucionário “o povo unido nunca mais será vencido”. Os cristãos unidos poderão enfrentar com coragem todo e qualquer desafio, poderão construir um mundo novo, mais justo mais verdadeiro e mais fraterno.
Que o Espirito Santo nos conceda a sabedoria para reconhecer e ultrapassar todas as nossas fronteiras, as limitações que nos impedem de construir e viver a fraternidade em Jesus Cristo.
 
Ilustração: “A cura do surdo-mudo”, de Bartholomeus Breenbergh, Museu do Louvre, Paris.   

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homília do XXIII Domingo do Tempo Comum que teceu é profundo, claro e importante. Como nos recorda ...” Os milagres e as curas que Jesus opera são apenas sinais, são meios para o encontro com aquele que os realiza e portanto é fundamental que a atenção não seja desviada. Jesus não é um curandeiro, um taumaturgo, é o Messias Filho de Deus que importa reconhecer e encontrar.” …
    A esperança está subjacente na Liturgia deste Domingo. Esperança assente na fé que somente é verdadeira se concretizada em acções, atidudes de justiça, de fraternidade, vividas no nosso quotidiano. Caso contrário, são palavras vazias, aparência.
    Como nos salienta, ...” Se olharmos os outros como membros dum corpo a que também pertencemos, como nossos irmãos e filhos do mesmo Deus em que acreditamos, perceberemos mais tarde ou mais cedo a riqueza da partilha e da fraternidade, o equívoco tremendo da acepção por esta ou aquela razão.
    Num momento de crise e dificuldades como vivemos torna-se urgente assumir esta fraternidade, colocar de parte a exclusão por razões mesquinhas, porque como dizia um slogan revolucionário “o povo unido nunca mais será vencido”. Os cristãos unidos poderão enfrentar com coragem todo e qualquer desafio, poderão construir um mundo novo, mais justo mais verdadeiro e mais fraterno.”…
    Como nos recorda, …” passados dois mil anos sobre a vida de Jesus e a salvação operada pela sua morte na cruz, continuamos a deixar-nos vencer por ideias de privilégios, continuamos a fazer acepção de pessoas, quer nas nossas relações pessoais, profissionais e até eclesiais. Continuamos a olhar para o aparente, para o provisório e o acessório, esquecendo que Jesus nos convida a todos a olhar para o verdadeiramente fundamental, para o interior de cada realidade e de cada pessoa.”…
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e peçamos ao Senhor …” Que o Espirito Santo nos conceda a sabedoria para reconhecer e ultrapassar todas as nossas fronteiras, as limitações que nos impedem de construir e viver a fraternidade em Jesus Cristo.”
    Grata, Frei José Carlos, pela coragem das palavras partilhadas, que não escamoteiam a realidade, ajudando-nos a reflectir sobre os nossos comportamentos e a transformar-nos. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e proteja. Votos de uma boa semana, com coragem, esperança.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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