domingo, 14 de outubro de 2012

Homilia do XXVIII Domingo do Tempo Comum

Todos nós conhecemos esta história do homem rico que se aproxima de Jesus e depois se afasta pesaroso porque tinha muitos bens. Todos nós nos surpreendemos, tal como os discípulos, face às palavras de Jesus, de que é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos Céus. E todos compreendemos o desabafo de Pedro quando comenta que eles deixaram tudo por Jesus. Afinal o que os espera, qual a recompensa?
A resposta de Jesus a Pedro, e a cada um de nós, não deixa de ser um paradoxo, um aparente absurdo face àquilo que está em questão; porque se estamos a falar de pobreza, de despojamento, de deixar pai, mãe, terras e irmãos, como se pode receber cem vezes mais disso mesmo em recompensa? Que lógica encerra esta economia em que o processo de empobrecimento conduz a uma maior riqueza?
Este texto tem sido frequentemente utilizado para ilustrar a radicalidade das vocações consagradas, sacerdotais e religiosas, mas não podemos deixar de assumir que ele é muito mais abrangente e se dirige a todos os discípulos de Jesus, a todos os homens e mulheres. Não estamos assim perante duas vias possíveis de acesso, mas sobre uma única mesma via para todos os homens e mulheres.
O que está em causa neste texto é afinal a única vocação, a vocação à vida eterna, à santidade de Deus a que todos somos chamados, solteiros e casados, consagrados e viúvos, e que desastrosamente pode ser inviabilizada pelo nosso orgulho.
Neste sentido, temos que voltar ao homem que vem ter com Jesus e se ajoelha para perguntar como pode alcançar a vida eterna. É um homem impelido por bons desejos, um homem que é capaz de, na sua busca, se ajoelhar perante o Mestre, é um judeu verdadeiramente cumpridor da lei, pois face ao enunciado dos mandamentos da lei tudo diz que tem cumprido.
Perante este homem e esta realidade Jesus não pode deixar de olhar com simpatia, com carinho, pois este homem está no bom caminho. Contudo, falta-lhe ainda fazer uma coisa, certamente a última coisa, e que é desprender-se dos seus bens e seguir Jesus.
Desafio radical para este homem, pois nele subjaz uma passagem da lei da Antiga Aliança para a lei da Nova Aliança, a passagem de uma relação com um Deus que se mantem invisível no Santo dos Santos para uma relação com um Deus que se fez homem e assume a fragilidade humana.
Desafio radical também para cada um de nós, não só porque estamos implicados nesta relação com um Deus que se fez homem como nós, excepto no pecado, mas porque igualmente nos convida a desprendermo-nos do nosso orgulho, da vaidade do nosso cumprimento exacto dos mandamentos.  
O convite de Jesus ao homem rico a vender todos os bens e a segui-lo é assim um convite a todos e cada um de nós no sentido do desprendimento, da pobreza humilde, do esvaziamento de que fala o dominicano Eckhart, para que Deus nos possa enriquecer com os seus dons, para que a sua graça possa actuar connosco.
E por isso o paradoxo da resposta dada por Jesus a Pedro, quando este afirma que tudo tinham deixado para seguir Jesus. De facto, necessitavam deixar tudo, necessitavam libertar-se das suas pretensões, das suas ideias e sonhos de glória, da convicção das suas próprias forças humanas para que pudessem verdadeiramente seguir Jesus. Se fossem capazes de o fazer teriam as mesmas coisas, até multiplicadas ao cêntuplo, mas não seriam suas, seriam dom de Deus, seriam oportunidades e meios para alcançar a verdadeira riqueza que é a vida eterna.
É esta afinal a economia do empobrecimento para o enriquecimento, é esta afinal a economia do próprio mistério de encarnação que somos solicitados a viver e a assumir de novo, deixar de ser ou ter para poder ser e ter em Deus, na vontade de Deus.
Diante deste processo, desta economia, as palavras do livro da Sabedoria assumem o seu radical e total sentido, ou seja, face à sabedoria divina que se nos manifesta na sua vontade, tudo perde o seu valor e adquire um outro valor maior.
Contudo, para que tal aconteça, para que este processo de desprendimento e empobrecimento possa ser realizado com sentido, de maneira a ser frutuoso, não podemos deixar de o realizar à luz da Palavra de Deus, porque como nos diz a Epístola aos Hebreus, a Palavra de Deus é penetrante até à medula, é viva e eficaz, e portanto só ela nos pode vivificar e tornar eficientes neste processo de transformação e enriquecimento aos olhos de Deus.
Peçamos ao Senhor a luz da Sabedoria para o podermos seguir com a nossa pobreza e ricos da sua graça e do seu amor.
 
Ilustração: “Um Louco de Deus”, de Pavel Svedomskiy, Museus da Russia.
 

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Grata pela partilha do texto da Homilia do XXVIII Domingo do Tempo Comum que teceu, profunda e esclarecedora. Bem-haja por salientar-nos que ...” O convite de Jesus ao homem rico a vender todos os bens e a segui-lo é assim um convite a todos e cada um de nós no sentido do desprendimento, da pobreza humilde, do esvaziamento de que fala o dominicano Eckhart, para que Deus nos possa enriquecer com os seus dons, para que a sua graça possa actuar connosco. (…)
    (…) Contudo, para que tal aconteça, para que este processo de desprendimento e empobrecimento possa ser realizado com sentido, de maneira a ser frutuoso, não podemos deixar de o realizar à luz da Palavra de Deus, porque como nos diz a Epístola aos Hebreus, a Palavra de Deus é penetrante até à medula, é viva e eficaz, e portanto só ela nos pode vivificar e tornar eficientes neste processo de transformação e enriquecimento aos olhos de Deus.”…
    Que a reflexão sobre esta Homilia nos ajude a modificar os nossos comportamentos para com o nosso próximo, sempre e particularmente, no período que vivemos, ainda que os nossos gestos possam parecer insignificantes considerando as necessidades gritantes e dolorosas.
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e … “Peçamos ao Senhor a luz da Sabedoria para o podermos seguir com a nossa pobreza e ricos da sua graça e do seu amor.”
    Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja. Votos de boa semana, com paz, confiança e alegria.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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