A leitura do Evangelho
de São Marcos que escutamos é o princípio da última etapa do caminho de Jesus
para Jerusalém e por isso nos é dito que Jesus sai de Jericó. Dá-se assim início
a uma subida que culminará com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.
Neste contexto não
podemos esquecer a situação geográfica de Jericó e o que ela de alguma forma
representa simbolicamente neste caminhar para Jerusalém e para o fim que espera
Jesus.
Jericó situava-se no
caminho que os peregrinos percorriam para subir a Jerusalém e aí participar nas
festividades anuais obrigatórias. Jericó é um oásis, um lugar de vegetação
luxuriante e frescura, e portanto lugar de repouso antes de se iniciar a última
etapa para a cidade santa. Por causa das suas condições climatéricas o rei
Herodes tinha construído ali um palácio para si.
Este oásis, como ponto
de partida para a última etapa de Jesus, representa também metaforicamente a
realidade de tranquilidade de onde aqueles que seguem Jesus partem, de alguma
forma as expectativas humanas de uma vida boa, e que irão ser postas à prova em
Jerusalém.
Não podemos esquecer,
nestas circunstâncias, que Jesus já por três vezes tinha anunciado e avisado os
discípulos do fim que o esperava em Jerusalém, e que perante tal aviso os
discípulos tinham manifestado as suas expectativas de poder, a sua pouca
percepção do que verdadeiramente se perspectivava.
Por esta razão, por
esta recusa da eminência do desastre das suas expectativas, não é estranha a
atitude dos discípulos face ao cego Bartimeu que encontraram à saída de Jericó.
Ao contrário da mulher que os perseguia com o objectivo de obter a cura da
filha e pela qual eles intercedem junto de Jesus, aqui não encontramos qualquer
condescendência pelo cego Bartimeu, mas uma quase rejeição, um desprezo
hipócrita que chega mesmo ao silenciamento.
O cego Bartimeu ao
tomar conhecimento da passagem de Jesus apela à sua intervenção, pede ajuda
para a sua situação, e fá-lo de uma forma que choca inevitavelmente com as
concepções messiânicas mas igualmente com as expectativas dos discípulos. Ao tratar
Jesus por Filho de David, Bartimeu está a publicitar e a dar a Jesus um título
carregado de poder, de simbólica governativa e libertadora, dentro da linguagem
profética, mas igualmente carregado de uma ameaça de sofrimento e de morte.
E é este sofrimento e
morte que os discípulos não aceitam nem querem, que os discípulos se recusam a
aceitar, e por isso não só não atendem ao pedido de Bartimeu como o procuram
silenciar. Afinal Bartimeu estava já profeticamente à frente deles na percepção
da vida e missão de Jesus e eles não o podiam compreender.
Em oposição aos discípulos,
Jesus conhecedor do que o espera em Jerusalém, escuta o pedido do cego Bartimeu
e manda-o chamar até si. Saber o que quer é o mínimo que Jesus pode fazer face
àquele que encontra e reconhece nele o Filho de David.
Neste sentido
encontramo-nos perante um contraste tremendo entre Bartimeu e os discípulos, entre
aquele que é cego mas consegue ver para além do imediato, das suas esperanças e
expectativas, e aqueles que não são cegos mas estão incapacitados de ver devido
às suas expectativas egoístas e de poder imediato.
Neste encontro e no
milagre que Jesus realiza encontramo-nos também com a operatividade da fé e da
oração de súplica, pois como diz Jesus foi a fé que salvou Bartimeu da sua
situação de cegueira ao suplicar uma ajuda.
Tal como nos é dito na
Epistola aos Hebreus, “todo aquele que é escolhido entre os homens é constituído
em favor dos homens e das suas relações com Deus”. Jesus, como o escolhido por
excelência, porque Filho de Deus enviado para a salvação dos homens, não pode
deixar de se compadecer nem de se constituir como intermediário face aos homens
e à sua relação com Deus.
Face a Bartimeu Jesus
assume esta condição e missão, acolhendo no pedido da cura o sinal da fé
daquele homem, e a partir daquele sinal fundamentando a fé livremente manifestada.
Podemos por isso dizer
que a oração de súplica, o pedido de socorro a Deus, é já por si uma
manifestação de fé. Uma fé muitas vezes rudimentar, básica, mas que parte da
nossa liberdade, da nossa consciência de necessidade, sem as quais não é possível
uma intervenção de Deus, uma resposta que leva a uma clarificação, a um aprofundamento.
Pouco antes deste
encontro à saída de Jericó, Jesus tinha dito aos seus discípulos que tudo era possível
àquele que acreditava. Bartimeu confirmou estas palavras de Jesus e desafia-nos
a cada um de nós na fé e na nossa oração. Podemos estar cegos como Bartimeu,
podemos não ver uma solução para as nossas dificuldades e problemas, mas na
medida em que na fé vemos Jesus como intercessor junto de Deus Pai, os nossos
pedidos e as nossas orações não ficarão sem resposta.
Tendo experimentado a
nossa condição humana, o Filho de Deus, não pode deixar de se compadecer das
nossas fraquezas e das nossas dificuldades. Recorramos pois com fé e esperança
ao Filho de David, Filho do Homem e Filho de Deus.
Ilustração: “Cura do
cego”, de Duccio di Buoninsegna, National Gallery, Londres.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarReflicto no excerto do Evangelho de São Marcos, no texto da Homilia do XXX Domingo do Tempo Comum e na vivência de muitos de nós, no nosso quotidiano. A atitude de Jesus, a compreensão da missão de Jesus pelo cego Bartimeu que vai mais além da atitude dos discípulos e da multidão, a fé, a humildade e o seguimento de Jesus por Bartimeu, as nossas cegueiras invisíveis que se revelam de múltiplas formas, egoísmos, auto-suficiência, comodismo, falta de fé, etc. O grito de fé de Bartimeu ao suplicar “Jesus, Filho de David, tem piedade de mim”, "Mestre, que eu veja", toca-nos profundamente.
Como nos salienta ...” Afinal Bartimeu estava já profeticamente à frente deles na percepção da vida e missão de Jesus e eles não o podiam compreender.(…)
(...) Neste encontro e no milagre que Jesus realiza encontramo-nos também com a operatividade da fé e da oração de súplica, pois como diz Jesus foi a fé que salvou Bartimeu da sua situação de cegueira ao suplicar uma ajuda. (…)
(…) Jesus, como o escolhido por excelência, porque Filho de Deus enviado para a salvação dos homens, não pode deixar de se compadecer nem de se constituir como intermediário face aos homens e à sua relação com Deus.
Face a Bartimeu Jesus assume esta condição e missão, acolhendo no pedido da cura o sinal da fé daquele homem, e a partir daquele sinal fundamentando a fé livremente manifestada.” …
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, que espelha muitos dos nossos comportamentos, que exigem transformação, compromisso com o projecto de Deus, deixando-nos uma palavra de esperança ao afirmar-nos que…” Podemos estar cegos como Bartimeu, podemos não ver uma solução para as nossas dificuldades e problemas, mas na medida em que na fé vemos Jesus como intercessor junto de Deus Pai, os nossos pedidos e as nossas orações não ficarão sem resposta.”
Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
Votos de uma boa semana. Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva