Estas palavras do
Evangelho de São João, “O Pai ama o Filho e tudo põe na sua mão”, podem passar-nos
ao lado, podem deixar de nos tocar, na medida em que se referem à relação entre
Deus Pai e Deus Filho.
O Pai ama o Filho e
por esse amor tudo coloca nas suas mãos, entrega-lhe todo o poder, a glória, o
próprio mistério de salvação que o Filho realiza.
Contudo, não podemos
olhar estas palavras como exclusivas ao mistério da trindade divina, à relação divina
entre o Pai e o Filho, uma vez que também a nós nos dizem respeito.
Ao termos sido
assumidos como filhos no mistério da Encarnação do Filho, na redenção operada
com a paixão, morte e ressurreição de Jesus, também nas mãos de cada um de nós
Deus Pai coloca tudo o que tem e tudo o que é.
Deus coloca-se nas
nossas mãos, o que é como Pai, como fonte de vida, como fonte de amor, é-nos
deixado ao nosso cuidado, é-nos entregue para que tal como na obra da criação
possamos fazer crescer e multiplicar essa mesma realidade.
Também certamente se
expressava neste sentido Santo Ireneu quando dizia que a glória de Deus é o
homem vivo, ou seja, a glória de Deus floresce na medida do nosso acolhimento
de Deus, na medida do nosso cuidado diante de tudo o que Deus coloca nas nossas
mãos.
Sabemos por experiência
que aquele que ama entrega tudo, não reserva nada para si, porque toda a sua
existência está centrada na realização do amado. Quem ama verdadeiramente
entrega-se todo, e Deus que nos ama entrega-se totalmente a cada um de nós, a
cada um daqueles que ama.
Desta entrega e da sua
consciência deriva uma grande interpelação, uma grande responsabilidade, porque
na medida do nosso amor, da nossa fidelidade ao dom divino que nos é oferecido,
se traduz e revela a imagem de Deus ao mundo e aos outros homens.
Como dizia alguém que
neste momento não consigo referenciar, Deus humilhou-se de tal maneira pelo
nosso amor que nós podemos desfaze-lo nas nossas mãos, que nós podemos dar uma
imagem completamente falsa dele. Deus deixa-se aniquilar nas nossas mãos para
que aprendamos a amar, para que não tenhamos medo do seu amor, da vida que nos
oferece.
Esta ideia assusta! Pensar
que tenho a possibilidade de ter Deus na minha mão e de o fazer vida ou de lhe
dar a morte através da desfiguração do seu amor, não me pode deixar indiferente
nem tranquilo.
É minha
responsabilidade, é nossa responsabilidade, fazer crescer a glória de Deus,
mostrar que Deus se revela como dom e a sua maior alegria é ser encarnação em
cada um de nós.
Ilustração: “A Trindade”,
de Garcia Fernandes, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.
Também a mim me inquieta a responsabilidade de fazer crescer a glória de Deus.Estaremos preparados? que fazer? Inter Pars
ResponderEliminarFrei José Carlos,
ResponderEliminarO texto do Evangelho do dia de hoje é difícil para alguns de nós, na sua compreensão, radicalidade, conquanto a leitura possa não evidenciar tal dificuldade. O texto da Meditação que teceu ajuda-nos a questionar-nos sobre a nossa relação com Deus, reconhecida em Jesus, seu Filho muito amado, sobre a nossa fé, a Palavra que escutamos e o testemunho que dela damos . Permita-me que respigue algumas passagens que me tocam. …” O Pai ama o Filho e por esse amor tudo coloca nas suas mãos, entrega-lhe todo o poder, a glória, o próprio mistério de salvação que o Filho realiza.
Contudo, não podemos olhar estas palavras como exclusivas ao mistério da trindade divina, à relação divina entre o Pai e o Filho, uma vez que também a nós nos dizem respeito. (…)
(…) Deus coloca-se nas nossas mãos, o que é como Pai, como fonte de vida, como fonte de amor, é-nos deixado ao nosso cuidado, é-nos entregue para que tal como na obra da criação possamos fazer crescer e multiplicar essa mesma realidade. (…)
(…)Deus que nos ama entrega-se totalmente a cada um de nós, a cada um daqueles que ama.
Desta entrega e da sua consciência deriva uma grande interpelação, uma grande responsabilidade, porque na medida do nosso amor, da nossa fidelidade ao dom divino que nos é oferecido, se traduz e revela a imagem de Deus ao mundo e aos outros homens.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, muito profunda, que nos desinstala, pela exortação que nos deixa…” é nossa responsabilidade, fazer crescer a glória de Deus, mostrar que Deus se revela como dom e a sua maior alegria é ser encarnação em cada um de nós.”
Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
caminho, verdade e vida
Deus, tu és o Caminho, a Verdade e a Vida/que se dão as mãos/porque a verdade do caminho
é a vida que a tece/e a engloba, aberta/e é a polifonia da ternura que acorda os caminhos/
e age e cura a vida//
tu és o caminho que precede todos os caminhos,/a visitação do corpo/no que o corpo esquece,/
o nunca visto da paz e da alegria//
dá a este corpo que o teu dom reúne/um instante de fome e de aflição/para que deste tempo-fora-do tempo/
se erga a verdade dos caminhos/da nossa vida e do nosso louvor,/Deus que vens em Jesus Cristo/
e no Espírito que nos ensina a rezar.
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)