quarta-feira, 24 de abril de 2013

Não sou Eu que julgo, porque não vim para julgar. (Jo 12,47)

Quase no final da história do filme “A Ilha”, do realizador Pavel Longine, um monge russo pergunta a um “staretz” prestes a morrer se a morte provoca medo.
O pobre louco santo “staretz” responde ao monge que não, que a morte não provoca medo, o que verdadeiramente assusta é o encontrar-se face a face com Deus.
Não podemos deixar de pensar que este medo, o medo deste encontro, se deve a uma ideia errada mas extremamente difundida de que Deus nos julgará.
E, no entanto, Jesus proclama a todos os homens que não veio ao mundo para julgar, que não é essa a sua missão e nem é esse o atributo de Deus que Jesus revela.
Ao concebermos Deus como juiz estamos de certa forma a denegrir a sua imagem, a falsificar a sua natureza, porque Deus se revela amor, se revela relação, se revela dom total e irrevogável.
Tal como diz Jesus, se houver algum julgamento será da nossa responsabilidade, será exercido por nós próprios e contra nós próprios, porque nos recusámos a acolher o dom de Deus, porque nos recusámos a participar da relação e do amor. Nós seremos os juízes de nós próprios.
Assim, e face às palavras do “staretz” Anatoli, o que nos deve assustar, o que nos deve fazer temer face à morte, não é encontrarmos Deus face a face, mas é apresentarmo-nos diante de Deus de mãos vazias, bloqueados pela nossa falta de amor e pelo não acolhimento do dom amoroso de Deus.
O que nos deve assustar e fazer repensar a nossa vida, os nossos gestos e palavras, a nossa atitude, são os grilhões a que nos sujeitamos, o juízo que desde já vamos escrevendo com a recusa do dom de Deus e do seu apelo à partilha desse dom com os outros homens.
Como dizia o Papa Bento XVI “Deus permanece um enigma se não for reconhecido na face de Cristo”. Saibamos pois, descobrir a verdade da justiça de Deus encontrando-a na pessoa do Filho que se entregou por nós.
 
Ilustração: “Cristo morto e os anjos”, de Édouard Manet, Metropolitan Museum of Art.

3 comentários:

  1. Certamente que Jesus veio acolher-nos.
    Em descobrir que pela Sua plenitude, trouxe a Paz.
    Com a justa consciência, Deus nos ensina que somos nós a reconhecer, descobrindo o dom que permanente entre a dignidade e a razão.
    Verdadeira perante a glória dos que sabendo descobrir a verdade e a justiça dão-nos consciência pessoal no dom amoroso de Deus.

    ResponderEliminar
  2. No fim, seremos julgados pelo Amor, o Amor do Pai, o Amor que partilhamos, aquele com que olhamos os outros.Mas às vezes é difícil viver esta certeza da exclusividade do Amor. I.T

    ResponderEliminar
  3. Frei José Carlos,

    Leio e releio atentamente cada uma das palavras da Meditação que teceu que me levam a reflectir sobre as questões da vida e da morte e, em regra, da forma como cada um de nós as concebe. Limito-me a pensar nos cristãos. Certamente há pessoas que nem a vida e a morte os fazem interrogar. Julgam-se pacificados. Há ainda aqueles para quem a vida não os faz interrogar e só a morte lhes mete medo. Outros só a vida os surpreende, a questão da morte consideram-na resolvida, encaram-na de forma tranquila. E fico-me por um quarto grupo que consideram que a morte não lhes levanta grandes questões, mas paradoxalmente são as questões do quotidiano, da sua participação na construção do Reino de Deus aqui e agora que lhe colocam mais dificuldades, auto-julgando-se em permanência. Como, Frei José Carlos nos afirma no texto … “Ao concebermos Deus como juiz estamos de certa forma a denegrir a sua imagem, a falsificar a sua natureza, porque Deus se revela amor, se revela relação, se revela dom total e irrevogável. (…)
    (…) Nós seremos os juízes de nós próprios. ” … Sabemos e acreditamos que Jesus veio não para julgar o mundo mas para salvar-nos, que é a nossa Luz, é dom, é amor, que nunca nos abandona e que a Caminhada é feita na Sua companhia.
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos … “Saibamos pois, descobrir a verdade da justiça de Deus encontrando-a na pessoa do Filho que se entregou por nós.”
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, esclarecedoras, e que nos dão confiança para continuar a Caminhada.
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar