O Evangelho deste terceiro
domingo da Páscoa termina com o convite de Jesus a Pedro, “segue-me”. É um
convite pessoal que, se no texto evangélico se dirige Pedro, na sua actualidade
se dirige a cada um de nós, hoje se dirige a cada um de nós.
É o remate de um encontro,
da terceira aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, marcado por gestos
de grande ternura e intimidade, mas também de grande exigência na medida em que
Jesus confronta Pedro com a verdade do amor. Só pode seguir Jesus quem vive na
sua amizade e com a sua verdade.
Na sucessão de
momentos que marcam este encontro temos antes de mais os gestos e os sinais da
grande ternura de Jesus, do carinho e do amor de Jesus pelos seus amigos e discípulos.
Não podemos deixar de olhar para a forma íntima, amigável, como Jesus trata os discípulos
quando lhes aparece, “rapazes tendes alguma coisa de comer”.
É uma expressão que identifica
uma relação marcada pela cumplicidade, por experiências de grande intimidade e
conhecimento, que coloca os intervenientes numa dimensão de igualdade e de
familiaridade.
Quando Jesus lhes
recomenda que deitem as redes para o outro lado do barco esta mesma
cumplicidade e conhecimento estão subjacentes, pois não há qualquer
questionamento de autoridade. Os discípulos ainda que não reconhecendo Jesus
reconhecem a sua experiência de pescador. É como se Jesus fosse de todo o
crédito no que lhes recomendava.
Após o milagre, e o
reconhecimento por parte do discípulo amado, quando chegam a terra, os discípulos
encontram já sobre as brasas peixe e pão, a refeição preparada por Jesus. É um
sinal da ceia que celebraram antes da paixão, mas para a qual agora são
convidados a contribuir do seu trabalho e do seu esforço, são convidados a ter
um papel activo trazendo alguns dos peixes que pescaram.
Este primeiro momento
do encontro mostra-nos assim a atenção de Jesus, a sua doçura, o seu carinho e
amizade para com os discípulos, uma atenção e um carinho que também hoje se faz
sentir por cada um de nós, por todo o homem e toda a mulher.
Como chamou os discípulos
por rapazes e lhes preparou a comida para os confortar depois de uma noite de
trabalho, também hoje a nós nos trata com intimidade e nos prepara a comida,
nos oferece o seu alimento na Palavra que escutamos e no Pão que comungamos.
Contudo, não podemos
deixar de ter presente que esta proximidade e intimidade de Jesus exigem uma
reciprocidade, exigem uma fidelidade, que encontramos expressa nas perguntas
que Jesus faz a Pedro sobre o amor.
Face à tripla negação
de Pedro no momento da paixão, Jesus interroga por três vezes o discípulo sobre
o seu amor, conduzindo desta forma o discípulo ao sentido do amor de Jesus e ao
amor que lhe é pedido. Não se trata de uma condenação nem de um teimar
reclamante sobre a falha de Pedro, mas de uma dialéctica conducente à
consciência de que apesar das faltas o amor é mais importante, o amor pode superar
a falha.
O amor e a solicitude
de Jesus não se deixam embaraçar pelas falhas e traições e os discípulos, como
cada um de nós, deve libertar-se de qualquer embaraço, qualquer sentimento de culpa
que possa impedir a relação e a intimidade com aquele que nos ama.
Hoje iniciamos também
a quinquagésima semana de oração pelas vocações e ao falarmos de vocação e
vocações não podemos deixar de ter presentes este amor solícito que Jesus
manifesta pelos seus discípulos e a fidelidade amorosa que nos pede para além
das nossas fraquezas e defeitos.
Tal como há dois mil
anos Jesus continua a chamar de modo particular e pessoal cada homem e mulher
ao seu seguimento, um seguimento que não pode esquecer a condição humana e as suas
limitações, nem prescindir da confiança total no amor de Deus.
Quer se seja
sacerdote, religiosa consagrada, casado ou solteira, qualquer que seja a
vocação a que o Senhor chama, uma certeza é necessariamente fundamental, o
chamamento de Deus é sempre no sentido de transformar o ordinário e comum em
algo verdadeiramente extraordinário.
E tal é possível e acontece
no jogo do amor de Deus e do amor do homem, na paixão de Deus pelo homem e na
resposta fiel deste para com Deus.
Ilustração: “Apascenta
as minhas ovelhas”, de Peter Paul Rubens, Wallace Collection, Londres.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler esta maravilhosa Homilia do III Domingo do Tempo Pascal,tão rica de sentido e profunda,que nos propôs para a nossa reflexão,que muito gostei.Bem-haja,Frei José Carlos,pelas belas palavras partilhadas,que nos dão força para prosseguir o caminho,tantas vezes com mais dificuldades de ultrapassar.Como nos diz o Frei José Carlos,mas tal é possível e acontece no jogo do amor de Deus e do amor do homem,na paixão de Deus pelo homem e na resposta fiel deste para com Deus.Obrigada,pela partilha profunda e magnificamente ilustrada.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja .Desejo-lhe uma boa semana.Uma boa noite e um bom descanso.
Um braço fraterno.
AD
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLeio e fico a meditar e a saborear cada uma das palavras do texto da Homília do III Domingo do Tempo Pascal que teceu e partilha. Acontece-me como provavelmente a alguns de nós quando leio o Evangelho imaginar o cenário onde os acontecimentos se desenrolaram e tentar perceber a novidade de Jesus, o que trouxe de novo à nossa condição humana, quando se fez um de nós excepto no pecado.
Como Frei José Carlos nos recorda …” É o remate de um encontro, da terceira aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, marcado por gestos de grande ternura e intimidade, mas também de grande exigência na medida em que Jesus confronta Pedro com a verdade do amor. Só pode seguir Jesus quem vive na sua amizade e com a sua verdade.”…
O local escolhido por Jesus neste terceiro encontro com os discípulos se é familiar aos mesmos antes de seguirem Jesus, o mar, hoje, para muitos de nós, significa não só um meio onde é possível as povoações ribeirinhas irem buscar a sobrevivência, como no passado, e parte da alimentação humana e outros recursos, via de trocas comerciais, mas tem uma outra dimensão, é igualmente, espaço de libertação, de horizonte sem limite, de contemplação, silêncio e beleza. E penso que é nesta última dimensão que Jesus escolheu o mar para como nos afirma no texto, num “primeiro momento do encontro” mostrar-nos …” a atenção de Jesus, a sua doçura, o seu carinho e amizade para com os discípulos, uma atenção e um carinho que também hoje se faz sentir por cada um de nós, por todo o homem e toda a mulher”. Mas Jesus vai mais longe como Frei José Carlos nos salienta ao mostrar-nos que veio não para nos condenar mas para amar e salvar todos e cada um de nós, na Sua infinita misericórdia.
E, continuo a citar algumas das passagens do texto que me tocam …” Como chamou os discípulos por rapazes e lhes preparou a comida para os confortar depois de uma noite de trabalho, também hoje a nós nos trata com intimidade e nos prepara a comida, nos oferece o seu alimento na Palavra que escutamos e no Pão que comungamos.
Contudo, não podemos deixar de ter presente que esta proximidade e intimidade de Jesus exigem uma reciprocidade, exigem uma fidelidade, que encontramos expressa nas perguntas que Jesus faz a Pedro sobre o amor. (…)
(…) O amor e a solicitude de Jesus não se deixam embaraçar pelas falhas e traições e os discípulos, como cada um de nós, deve libertar-se de qualquer embaraço, qualquer sentimento de culpa que possa impedir a relação e a intimidade com aquele que nos ama. (…)
(…)Tal como há dois mil anos Jesus continua a chamar de modo particular e pessoal cada homem e mulher ao seu seguimento, um seguimento que não pode esquecer a condição humana e as suas limitações, nem prescindir da confiança total no amor de Deus.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, ilustrada com beleza, pelas palavras de estímulo e de confiança que nos transmite. Que o Senhor o ilumine, o guarde e o proteja.
Bom descanso.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo o texto de uma oração.
A ESTRADA
DA CONFIANÇA
Faz-nos trilhar, Senhor, a estrada da confiança. Dá-nos um coração capaz de amar serenamente aquilo que somos ou que não somos, aquilo com que sonhámos ou as coisas que não escolhemos e que, contudo, fazem parte da nossa vida.
Ensina-nos a devolver a todos os Teus filhos e a todas as criaturas a extraordinária Bondade com que nos amas. Não permitas que o nosso espírito se feche no medo ou no ressentimento: ensina-nos que é possível olhar a noite não para dizer que pesa em todo o lugar o escuro, mas que a qualquer momento uma luz se levantará.
Dá-nos ousadia de criar e recriar continuamente mesmo partindo daquilo que não é ideal, nem perfeito. E quando nos sentirmos mais frágeis ou sobrecarregados recebamos, com igual confiança, a nossa vida como um Dom e cada dia como um dia de Deus.
(In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011