domingo, 3 de junho de 2012

Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade

Celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade e o texto de São Mateus que escutámos à leitura do Evangelho dá-nos um conjunto de referências que nos podem ajudar a compreender este grande mistério da nossa fé.
Neste sentido encontramo-nos no Evangelho de São Mateus com a despedida de Jesus pouco antes da ascensão ao céu. Despedida e ascensão que acontecem num monte da Galileia, a região onde tudo tinha começado relativamente à vida pública de Jesus e onde afinal tudo termina.
A Galileia, terra de pagãos e espaço de encontro das nações, é assim o ponto de partida e o ponto de chegada de Jesus. Não estranha por isso, que a missão que Jesus entrega aos discípulos, seja a de anunciar a todos os povos e nações a Boa Nova do reino. Esta missão está em perfeita consonância com o lugar em que a história de Jesus começa e termina.
Jesus veio para todos os povos, para todos os homens, tem uma missão universal, e uma missão que ao partir entrega aos discípulos para que em fidelidade a continuem a desenvolver. Mas esta missão não é apenas universal, ela é também actual, local, realizável no presente do tempo e da história. Não se pode diferir a missão entregue por Jesus para mais tarde ou para melhores condições.
Ao entregar a missão aos discípulos Jesus radica a autoridade dessa entrega, desse mandato, no poder que lhe foi dado no céu e na terra, porque todo o poder lhe foi dado. E nesta questão não podemos deixar de ter presente que Jesus foi tentado no deserto relativamente ao poder, que o demónio o tentou levando-o a uma alta montanha e prometendo-lhe todo o poder se o adorasse.
Jesus recusou essa oferta e esse poder porque nenhum poder existe quando ele é usurpado, portanto o poder oferecido pelo diabo não era poder mas sujeição e escravatura. O verdadeiro poder é aquele que é legado, oferecido, herdado, livremente e sem contrapartidas, e Jesus escolheu permanecer no Pai, escolheu confiar no poder que o Pai lhe outorgaria livremente pelo amor.
Por este poder e esta confiança Jesus pode prometer aos discípulos que na missão permanecerá com eles até ao fim dos tempos. Jesus cumpre assim a referência profética do seu nome Emanuel, “Deus connosco”. Porque verdadeiramente é Deus connosco Jesus permanecerá todos os dias até ao fim dos tempos.
Em consequência disto, a missão de ensinar e baptizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo não é mais que mergulhar cada homem e cada mulher nesta permanência de Deus connosco. Neste sentido, não podemos deixar de ter presente que na Bíblia o nome é a pessoa na sua totalidade e radicalidade, pelo que o baptismo que Jesus entrega aos discípulos significa literalmente ser mergulhado na Trindade, no Pai, no Filho e no Espírito Santo.
Mistério que me ultrapassa, que nos ultrapassa, mas que se revela sem qualquer preocupação de calculo ou lógica, sem qualquer preocupação racional. O Evangelho não define o que é a Trindade, mas pelo contrário revela-a, convidando-nos de seguida a deixarmo-nos captar por ela, a aceitarmos fazer parte dela.
No mistério da Trindade que nos é revelado pela Sagrada Escritura descobrimos que há necessidade de uma relação, que nos reconhecemos e identificamos pelo reconhecimento e identificação do outro. Descobrimos que há necessidade do outro para que haja amor, uma vez que amar o vazio, o nada, é impossível pois é contra a nossa própria natureza.
A celebração do mistério da Santíssima Trindade à luz da missão entregue por Jesus aos discípulos abre-nos assim ao outro, ao totalmente outro que é Deus e ao outro que é nosso irmão. Somos convidados a mergulhar na relação de Deus que se nos revela, e na relação com os outros que são imagem e semelhança de Deus, somos afinal também convidados a constituir a Trindade.
Na nossa debilidade e limitação arriscamos esta constituição, este mergulho no Pai e no Filho e no Espírito Santo, porque acreditamos que Deus está verdadeiramente connosco, e porque todo o poder foi dado a Jesus, poder esse que não é mais que o poder do amor, o poder de amar.
A Santíssima Trindade é o amor dado e recebido e nós somos convidados a existir e a realizarmo-nos da mesma forma, dando e recebendo o amor que nos constitui, unifica e diferencia.

Ilustração: “Santíssima Trindade”, de Szymon Czechowicz, Museu de Arte Lituana, Vilnius.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homília da Solenidade da Santíssima Trindade que teceu é profundo e belo. Como nos salienta, (...)” No mistério da Trindade que nos é revelado pela Sagrada Escritura descobrimos que há necessidade de uma relação, que nos reconhecemos e identificamos pelo reconhecimento e identificação do outro. Descobrimos que há necessidade do outro para que haja amor, uma vez que amar o vazio, o nada, é impossível pois é contra a nossa própria natureza.
    A celebração do mistério da Santíssima Trindade à luz da missão entregue por Jesus aos discípulos abre-nos assim ao outro, ao totalmente outro que é Deus e ao outro que é nosso irmão. Somos convidados a mergulhar na relação de Deus que se nos revela, e na relação com os outros que são imagem e semelhança de Deus, somos afinal também convidados a constituir a Trindade.” (…)
    Grata, Frei José Carlos, pela forma como abordou um tema complexo. Como nos diz um “grande mistério da nossa fé”, (…) “Mistério que me ultrapassa, que nos ultrapassa, mas que se revela sem qualquer preocupação de calculo ou lógica, sem qualquer preocupação racional”.
    Bem-haja pelo convite que nos deixa ao afirmar-nos que “A Santíssima Trindade é o amor dado e recebido e nós somos convidados a existir e a realizarmo-nos da mesma forma, dando e recebendo o amor que nos constitui, unifica e diferencia.”
    Que o Senhor ilumine e abençõe o Frei José Carlos.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva


    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.


    Oração à Santíssima Trindade

    Ó Trindade sobrenatural
    Divina e Amável como ninguém
    protetora da divina sapiência dos cristãos.

    Conduz-nos para lá da luz, sim
    mas também para lá da nossa ignorância
    até ao mais alto cimo
    das místicas Escrituras,

    lá onde os mistérios simples,
    absolutos e incorruptíveis da teologia,
    se revelam na sombra
    mais que luminosa
    do silêncio.

    No silêncio se aprendem os segredos desta sombra
    da qual bem pouco é dizer que brilha
    qual luz deslumbrante
    no seio da extrema obscuridade.

    Mesmo se permanece
    intocável nessa perfeição que não vemos
    enche dos esplendores mais belos da beleza
    as inteligências que sabem fechar os olhos.

    Esta é a minha oração.

    Dionísio, o Areopagita (atrib.)

    (Extraído da mensagem da Pastoral da Cultura, datada de 03/06/2012)

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