segunda-feira, 18 de junho de 2012

Olho por olho e dente por dente? (Mt 5,38)

O capítulo quinto do Evangelho de São Mateus, na sua dimensão programática da vida da comunidade dos discípulos não podia deixar de fora a lei de talião e por isso a vemos abordada por Jesus no discurso da montanha.
A lei de talião, enunciada no livro do Deuteronómio, é já em si mesma uma regulamentação da violência, um combate à violência desproporcionada, que o livro do Génesis nos apresenta quando Lamec jura vingança. “Se Caim foi vingado sete vezes, Lamec será vingado setenta vezes sete.”
Ao trazer o tema para o seu discurso, Jesus não procura dar-lhe uma nova regulamentação, reformar a lei no seu enunciado, mas apelando à sua origem, ao que lhe estava subjacente, a própria violência desmesurada, aponta aos discípulos qual deve ser a sua atitude.
Assim, à lei do dente por dente, do olho por olho, ao equilibro justo, Jesus opõe a violência do amor, o despropósito e a desproporção da não-violência e da caridade. Não basta agir justamente face à violência, a qualquer violência, é necessário inverter o mecanismo, é necessário contrapor a liberalidade e a boa vontade, é necessário inviabilizar qualquer possibilidade, mesmo que seja mínima.
E por isso a oferta da outra face, a oferta do manto face ao pedido da túnica, o outro quilómetro para além do já andado, o dom livre e generoso que desarma e potencia a paz e a partilha.
Não é fácil, e todos vamos fazendo essa experiência todos os dias, pois custa-nos menos o equilibro da justiça e mesmo a violência da resposta, mas necessitamos aceitar o desafio de Jesus e procurar viver essa liberdade do dom, a desproporção da oferta que desarma.
Que o Senhor nos liberte do medo e nos conceda a graça da liberalidade e da paz.

Ilustração: “Luta de camponeses”, de Adriaen Brouwer, Alte Pinakothek Munique.

3 comentários:

  1. Se o homem visar esta justiça de talião, dente por dente, golpe por golpe, nunca sairá da injustiça. Enquanto estiver encandeado em devolver golpes, em responder a ataques, será cada vez mais injusto porque a paixão (mesmo a paixão por vingança) ultrapassa necessariamente a medida. Além disto, a justiça é o respeito da pessoa humana todas as vezes em que é ameaçada seja de que maneira for e qualquer que seja o risco que nos expõe a sua defesa. Só que para se ser assim justo, é necessária toda a energia do amor. De que outro modo seremos capazes de correr um risco para defender um irmão acusado injustamente? Defender alguém, arriscar zombaria e desprezo, para isso é preciso amar muito. Portanto, é preciso uma força superior para se superar a lei de talião. E a mesma força será necessária para oferecer a outra face. A virtude da mansidão. Cito uma frase engraçada de um padre jesuíta: " é preciso oferecer a face esquerda quando o pé já partiu em direcção ao traseiro do tipo". Voltar a colocar o pé ao lado do outro implica uma força maior.

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  2. Frei José Carlos,

    Nesta passagem do Evangelho de S.Mateus em que Jesus recorda aos discípulos a lei de talião: “Olho por olho e dente por dente” como nos afirma ...” Jesus não procura dar-lhe uma nova regulamentação, reformar a lei no seu enunciado, mas apelando à sua origem, ao que lhe estava subjacente, a própria violência desmesurada, aponta aos discípulos qual deve ser a sua atitude,” (…) Jesus opõe a violência do amor, o despropósito e a desproporção da não-violência e da caridade.
    O Reino de Deus só pode ser construído com a não-violência, com uma forma de estar e de actuar relativamente ao mal que nos é feito, por acções ou palavras, com uma outra resposta, sem vingança, mas com amor, compreensão, justiça, caridade, paz e humildade.
    Mas sabendo que esta é a forma correcta de actuar, sejamos ou não cristãos, que difícil é actuar, responder com a lógica do amor, do perdão, em tantas cirscunstâncias da nossa vida, refreando um sentimento de vingança, não alimentando um sentimento de vingança, com a oferta do que podemos partilhar, que pode passar pelo não ressentimento, pelo perdão, por um sorriso sincero que desarma o nosso semelhante. Proceder assim pressupõe um longo processo de transformação e a intervenção de algo que nos supera, que está para além de nós e nos ajuda neste processo de libertação.
    A partilha do texto da Meditação é muito importante, Frei José Carlos. Ao ler e reflectir nela é a essência das nossas vidas que está espelhada, transversal às diferentes formas de estar na vida de cada um de nós, às relações que somos capazes de establecer com o nosso irmão, os alicerces do mundo novo que desejamos construir e viver.
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos …” Que o Senhor nos liberte do medo e nos conceda a graça da liberalidade e da paz.”
    Que o Senhor o ilumine e o abençõe.
    Um abraço fraternp,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me que volte a partilhar um poema para rezar.


    A SABEDORIA
    DA PAZ


    Dá, Senhor, à nossa vida a sabedoria da paz. Que o nosso coração não naufrague na lógica
    de tanta violência disseminada em nosso redor. Que os sentimentos de dor ou de despeito
    não sufoquem a necessidade dos gestos de reconciliação, a urgência de uma palavra amável
    que rompa as paredes do silêncio, o reencontro dos olhares que se desviam. Dá-nos a força de
    insinuar no inverno gelado que, por vezes vivemos o ramo verde, a inesperada flor, a claridade
    que é esta irreprimível e pascal vontade de recomeçar.

    (In, “Um Deus que Dança”, Itinerários para a oração, José Tolentino Mendonça)

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  3. Frei José Carlos,

    Ao ler o texto do Evangelho de S. Mateus que propôs para Meditação,tão profundo,que nos ajudou a reflectir com mais profundidade e muito importante para as nossas vidas.Como nos diz o Frei José Carlos,não é fácil..."Que o Senhor nos liberte do medo e nos conceda a graça da liberalidade e da paz."Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza de Meditação que partilhou connosco.Desejo-lhe uma boa semana.Que o Senhor o ilumine e o proteja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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