domingo, 17 de junho de 2012

Homilia do XI Domingo do Tempo Comum

O Evangelho de São Marcos que escutámos termina dizendo que Jesus pregava a palavra de Deus com muitas parábolas, conforme eram capazes de entender, e que não lhes falava de outro modo, mas em particular tudo explicava aos discípulos, que muitas vezes pouco conseguiam entender e por isso a necessidade de uma explicação.
Este desajuste da pregação de Jesus e da sua compreensão não pode deixar de nos interrogar, pois confrontamo-nos com um processo que parece contradizer-se nos seus elementos. Como é possível anunciar a palavra, transmitir uma mensagem, usando um método que depois não permite a cabal compreensão da mensagem, da palavra?
Antes de mais, temos que ter presente que as parábolas não eram um monopólio de Jesus, que era um método comum no mundo semita e que já em outros momentos da história do povo de Israel tinha sido utilizado e com bastante poder comunicativo.
Um dos exemplos mais perfeitos deste passado histórico e poder comunicativo encontra-se na história do rei David, pois o profeta Natan serve-se de uma pequena história de uma ovelha de um pobre para fazer tomar consciência ao rei do pecado que tinha cometido quando habilmente fez desaparecer Urias para tomar Betsabé como esposa. O profeta não ataca directamente o rei, nem o acusa do seu crime, mas através de uma história coloca-o face a face com a consciência e o crime e pecado cometidos.
A parábola é assim um processo pedagógico, uma narração construída sobre elementos concretos e conhecidos, e no caso do texto do Evangelho de hoje em elementos do mundo da agricultura, portanto familiares aos ouvintes, para veicular a esses mesmos ouvintes uma mensagem, que obrigatoriamente necessita uma interpretação, uma descodificação.
O objectivo comum de todas as parábolas é convidar-nos a uma mudança de olhar e de comportamento, a um outro posicionamento face às realidades que a própria história evoca. Para compreender a parábola torna-se assim necessário colocar-se em causa, aceitar deixar-se interpelar pela história contada.
De aspecto simples, quase banal, as parábolas encerram uma lição exigente, um gérmen de revolução, e por isso quando Jesus é condenado pelos tribunais de Jerusalém não é só uma questão de filiação divina que está em causa, é também um conjunto de histórias, um conjunto de parábolas, que ainda que agradáveis e simpáticas colocavam em causa verdades instituídas.
Para além da dificuldade de compreensão, inerente às parábolas enquanto interpelação e alteração de olhares, as parábolas de Jesus sofreram ainda de uma dificuldade acrescida, pois ele serve-se das parábolas para falar de um objecto, de uma realidade, que não é descritível, que escapa à demonstração, como é o reino de Deus.
A linguagem metafórica, com o que comporta de comparação e de representação, é a única linguagem possível para tentar dizer um dinamismo que escapa à descrição, que só se pode enunciar por outras palavras, porque o reino de Deus é e não é, está a ser mas ainda não é.
Neste sentido, devemos perguntar se depois de lermos as parábolas do reino podemos dizer concretamente o que é o reino de Deus. E a bem da verdade, temos que responder que não, porque as parábolas não nos impõem uma conclusão, uma determinação sintética, mas abrem-nos para outra realidade, para um mistério.
As parábolas, e nomeadamente as parábolas do reino que Jesus conta, querem colocar-nos em caminho, em direcção a um desconhecido que se vislumbra, querem elevar-nos da realidade e da materialidade para outra coisa mais.
E neste sentido as parábolas que hoje o Evangelho nos apresenta são paradigmáticas, pois tanto a parábola da semente que cresce sem qualquer intervenção do homem, como a parábola do grão de mostarda que tem uma força geradora tão grande, querem manifestar uma fragilidade e um poder que são inerentes ao reino e ao seu dinamismo, uma acção que é anterior e exterior ao homem.
Assim, e tendo presente a parábola da semente que cresce sem qualquer intervenção do homem, percebemos que o reino de Deus é uma vida, um acontecer, um dinamismo que parte de si mesmo, do seu poder e força internas. É Deus, na palavra que é semente, que vai agindo, que vai fazendo crescer e ao homem compete-lhe apenas ser boa terra, predispor-se a ser boa terra para acolher a semente como nos é dito em outra parábola.
Não podemos por isso dizer que o reino de Deus é isto ou aquilo, é esta realidade ou aquela. Apenas podemos identificar elementos do desenvolvimento desse reino, um germinar, uma planta, um fruto que parece despontar nas acções do homem que coopera.
A oração, a fraternidade, os méritos do nosso trabalho, a justiça que praticamos e tantas outras realidades, enquanto manifestações do reino, não são acções nossas mas daquele que vai agindo, que vamos permitindo que actue em nós e por intermédio de nós.
Por outro lado, a parábola da semente de mostarda mostra como da fragilidade pode nascer a força e a transformação, como uma pequena semente, a mais pequena das sementes, encerra em si um potencial tão grande de realização.
Assim, somos convidados a não nos deixarmos vencer, nem a desanimar, face àquilo que nos parece irrisório, frágil, minúsculo, porque não sabemos verdadeiramente o seu poder transformante, multiplicador, o seu potencial.
A mais pequena palavra de solidariedade, a mais breve oração, um qualquer gesto de caridade pode de facto transformar-se, pode tornar-se numa grande obra à sombra da qual outras se podem acolher, com a qual outros homens e mulheres podem colaborar.
Face às parábolas que escutámos no Evangelho de hoje deixemo-nos pois interpelar por elas, observemos com atenção o que elas nos apontam, nos desvelam da mensagem de Deus e do reino a viver entre nós, conscientes que caminhamos na fé e sem uma visão clara, como diz São Paulo aos Coríntios, mas ainda assim, confiantes que a acção de Deus, a sua força germinal, é inerente a este mesmo caminhar.

Ilustração: “A umbrela vermelha”, de Franz von Lenbach, Kunsthalle Hamburgo.
(À sombra da umbrela, no meio de campos maduros, uma vida que se desenvolve)

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia do XI Domingo do Tempo Comum que teceu e partilha é profundo e belo. Como nos salienta ... “O objectivo comum de todas as parábolas é convidar-nos a uma mudança de olhar e de comportamento, a um outro posicionamento face às realidades que a própria história evoca. Para compreender a parábola torna-se assim necessário colocar-se em causa, aceitar deixar-se interpelar pela história contada. (…)
    (…) A linguagem metafórica, com o que comporta de comparação e de representação, é a única linguagem possível para tentar dizer um dinamismo que escapa à descrição, que só se pode enunciar por outras palavras, porque o reino de Deus é e não é, está a ser mas ainda não é.
    Neste sentido, devemos perguntar se depois de lermos as parábolas do reino podemos dizer concretamente o que é o reino de Deus. E a bem da verdade, temos que responder que não, porque as parábolas não nos impõem uma conclusão, uma determinação sintética, mas abrem-nos para outra realidade, para um mistério.
    As parábolas, e nomeadamente as parábolas do reino que Jesus conta, querem colocar-nos em caminho, em direcção a um desconhecido que se vislumbra, querem elevar-nos da realidade e da materialidade para outra coisa mais.”…
    Permita-me que continue a respigar algumas passagens do texto que me tocam particularmente .
    (...) a parábola da semente (…)É Deus, na palavra que é semente, que vai agindo, que vai fazendo crescer e ao homem compete-lhe apenas ser boa terra, predispor-se a ser boa terra para acolher a semente como nos é dito em outra parábola. (…)
    (...) Não podemos por isso dizer que o reino de Deus é isto ou aquilo, é esta realidade ou aquela. Apenas podemos identificar elementos do desenvolvimento desse reino, um germinar, uma planta, um fruto que parece despontar nas acções do homem que coopera.
    A oração, a fraternidade, os méritos do nosso trabalho, a justiça que praticamos e tantas outras realidades, enquanto manifestações do reino, não são acções nossas mas daquele que vai agindo, que vamos permitindo que actue em nós e por intermédio de nós.
    Por outro lado, a parábola da semente de mostarda mostra como da fragilidade pode nascer a força e a transformação, como uma pequena semente, a mais pequena das sementes, encerra em si um potencial tão grande de realização. (…)
    Bem-haja por nos exortar …” Face às parábolas que escutámos no Evangelho de hoje deixemo-nos pois interpelar por elas, observemos com atenção o que elas nos apontam, nos desvelam da mensagem de Deus e do reino a viver entre nós, conscientes que caminhamos na fé e sem uma visão clara, como diz São Paulo aos Coríntios, mas ainda assim, confiantes que a acção de Deus, a sua força germinal, é inerente a este mesmo caminhar.”
    Grata, pelas palavras partilhadas, pela profundidade do texto, pela força que nos transmite, por clarificar o sentido das mesmas, por ir mais além, por nos recordar que precisamos estar abertos, disponíveis para que a Palavra de Deus opere a sua transformação, com fé, confiança e humildade.
    Que o Senhor o ilumine e o guarde. Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que volte a partilhar um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    Deus que vens de Deus


    Deus que vens de Deus,/horizonte da nossa linguagem e do nosso desejo;//

    Deus que anunciamos/na espessura do que em nós é riso/e choro, ao mesmo tempo infiguráveis;//

    Deus, instante fugaz/da sede e da fome saciadas, diferidas;//

    que descubramos no corpo dos outros/os traços do bem que procuramos e perdermos,//

    que a nossa vida te reconheça/pela maneira como por ti se vê reconhecida/na teia do que passa e permanece,//

    tu que és aquele que há-de vir,/
    E Deus connosco//

    (dizer DEUS ao (des)abrigo do Nome, Difusora Bíblica,1991)

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