domingo, 3 de maio de 2009

HOMILIA DOMINGO IV DO TEMPO PASCAL


Homilia Domingo IV do Tempo Pascal

Eu sou o Bom Pastor, conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me”.
Estas palavras de Jesus são o centro do Evangelho de São João que acabámos de escutar e são elas que dão razão e fundamentam o facto de chamarmos a este quarto domingo da Páscoa domingo do Bom Pastor.
São palavras que já ouvimos bastantes vezes, das quais até temos consciência da sua implicação na nossa vida, ainda que muitas vezes nos esqueçamos dessas implicações e de como elas são radicais, de como foram radicais para Jesus e são também para nós.
Ao dizer que são palavras radicais não quero dizer que são arriscadas, perigosas, e ainda que o sejam, não significam aqui isso, radicais conforme a própria palavra indica significa que têm raiz, que não são palavras para levar ao vento nem viver de ânimo leve.
Jesus viveu esta radicalidade das palavras nas consequências que elas lhe acarretaram, a condenação à morte, mas também na origem e fonte delas mesmas, a relação de intimidade e de vida com o Pai.
Quando Jesus diz “Eu sou” está a colocar-se numa realidade e a dar-se uma identidade que pertencia exclusivamente a Deus. Depois de Deus se ter revelado no deserto a Moisés como aquele que “Eu Sou”, quando lhe disse desde a sarça-ardente como se chamava, esta afirmação pessoal de identidade estava banida do dizer comum. Era um interdito, algo impronunciável, não só porque afinal era o nome de Deus mas também a essência da sua existência, do seu ser. Deus é Aquele que é.
Ao assumir estas palavras para si Jesus dá-se esta mesma identidade, assume-se como sendo também Deus, o mesmo Deus que se tinha revelado a Moisés. E pode fazê-lo porque como Ele próprio nos diz conhece o Pai e o Pai conhece-o, mas mais importante ainda, pode dizê-lo porque o Pai o ama e ele cumpre o mandamento do Pai entregando a sua vida.
A segunda parte da afirmação identificadora “O Bom Pastor” está também carregada de identidade radical, uma identidade que deriva das promessas proféticas de que Israel teria um dia um chefe que seria como um pastor, um bom pastor. Ao dizer que era o Bom Pastor Jesus assume-se como o Messias que tinha sido prometido pelos profetas e de modo especial pelo profeta Ezequiel. O pastor da promessa era alguém que cuidaria das ovelhas dando-lhes a sua própria vida, que cuidaria delas com toda a solicitude e diligência, que não seria como os mercenários ou os pastores contratados que se servem das ovelhas para se cuidarem a si próprios.
Muitos dos discípulos e seguidores de Jesus perceberam o alcance destas afirmações e por isso imediatamente a seguir abandonaram Jesus, dizendo que ele estava possuído pelo demónio. Fizeram-no não só pela carga teológica destas palavras, pelo que elas tinham de blasfemo face àquilo que acreditavam, mas também pelas consequências que lhes são inerentes e que Jesus explicita quando diz que conhece as ovelhas e as ovelhas que são suas o conhecem.
Estas palavras estão para nós, hoje, carregadas de consequências e de radicalidade, porque se a primeira parte da expressão se aplica a Jesus, esta segunda parte aplica-se totalmente a nós, e a nós que nos dizemos cristãos.
Aplicam-se a nós quando assumimos e temos consciência de que Deus nos conhece. E conhece-nos não só pela obra da criação, somos obras das suas mãos, e por isso sabe do que somos feitos, mas também pela obra da redenção, pelo mistério da incarnação. Quando o Filho de Deus cumpriu a vontade do Pai e se fez homem como nós, excepto no pecado, experimentou a totalidade da nossa condição, dos nossos limites e fragilidades e por isso tem um conhecimento cabal da nossa natureza e condição. Deus conhece-nos na nossa condição humana, mas conhece-nos também na nossa condição e relação pessoal, Ele trata-nos a cada um pelo seu próprio nome. Como na manhã de Páscoa chamou Maria Madalena pelo seu nome, “Maria”, em cada dia chama o nosso nome para que o conheçamos.
E aqui cabe perguntar se nós conhecemos o nosso Pastor, se nós como ovelhas ouvimos a sua voz e sabemos o que nos convida a fazer, se de facto vivemos as palavras do Salmo “o Senhor é meu pastor nada me falta, conduziu-me às fontes mais puras e lá restaurou as minhas forças”.
À luz destas palavras do Salmo e do que nos é dito pelo Evangelho que escutámos, a nossa condição de ovelhas é a que mais facilmente assumimos e se nos aplica. Contudo, não podemos esquecer que todos nós estamos também intimados a ser pastores, a cuidar das ovelhas que estão à nossa volta e ao nosso cuidado. Se na nossa identidade e relação com Deus somos ovelhas, na nossa identidade e relação fraterna estamos chamados a ser pastores, a cuidar e as conduzir os outros às fontes mais puras e a restaurar as suas forças.
Os sacerdotes foram pelo mandato apostólico dado a Pedro encarregues de uma forma especial desse cuidado de conduzir as ovelhas, os fiéis, e por essa razão neste domingo se celebra também o dia de oração pelas vocações sacerdotais e consagradas. Mas ao seu exemplo, cada um de nós está responsável da mesma tarefa, e por isso é até uma feliz coincidência que este domingo do Bom Pastor coincida com o dia da Mãe. Poderemos ter uma imagem mais real, mais concreta, da solicitude pastoral, do amor pelas suas ovelhas, que a imagem de uma mãe que cuida dos seus filhos?
Aqui em Portugal não conheço, mas já vi várias em Espanha, imagens e invocações da Virgem Maria como Boa Pastora. Não estamos todos nós chamados a ser bons pastores, a exercer o cuidado maternal de uns pelos outros?
A esposa amada do Cântico dos Cânticos pede quase no início desse belo poema bíblico que o seu amado lhe indique onde levar as ovelhas a pastar e a descansar para que ela possa ir também. O esposo amado responde-lhe que siga o caminho dos rebanhos, que para nós não são mais que os caminhos daqueles que nos precederam na fé e nos servem de exemplo de fidelidade, de solicitude e de amor pela Igreja de Cristo, pelo rebanho cristão.
Peçamos também ao Senhor como a esposa amada do Cântico dos Cânticos, não já que nos indique onde, porque o sabemos, mas como, de que modo nesta sociedade e nestes nossos tempos tão dispersos podemos ser ovelhas que escutam e pastores que anunciam.

Sem comentários:

Enviar um comentário