domingo, 31 de maio de 2009

Homilia Domingo de Pentecostes

A Igreja celebra hoje, passados cinquenta dias sobre a Páscoa, o domingo de Pentecostes. Ao falarmos de Pentecostes imediatamente nos vem à memória a narração que escutávamos na primeira leitura do Livro dos Actos dos Apóstolos.
É essa a primeira imagem do Pentecostes, do grupo dos discípulos reunidos no cenáculo, com a Virgem Maria presente, e sobre os quais bailam as línguas de fogo do Espírito Santo. É esta também a imagem mais comum na arte, na pintura e na escultura.
Contudo, a liturgia da Palavra deste domingo apresenta-nos um outro relato do Pentecostes, o relato do Evangelho de São João, e que difere bastante do relato feito pelo evangelista Lucas no livro dos Actos dos Apóstolos. No Evangelho de São João a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos acontece durante uma aparição de Jesus após a sua ressurreição.
Para compreendermos esta diferença narrativa temos que ter presente alguns dados exteriores às leituras que escutámos. Assim, a narração dos Actos dos Apóstolos é a consequência da Ascensão de Jesus ao céu e que Lucas narra no final do seu Evangelho. É também a consequência, ou melhor, o cumprimento da promessa de Jesus, pois Jesus tinha prometido aos seus discípulos que depois de subir para o Pai lhes enviaria o Espírito Santo para os fortalecer na missão de testemunharem a sua Boa Nova.
No Evangelho de São João a Ascensão de Jesus ao céu é inerente à ressurreição, não é um acontecimento independente e isolado e por isso na manhã de Páscoa quando Jesus se encontra com Maria Madalena diz-lhe deixa-me porque ainda não subi para o meu e vosso Pai. A aparição de Jesus aos discípulos narrada por São João é assim uma aparição de Jesus ascendido ao céu.
Habitualmente lemos esta aparição no contexto da ressurreição, no contexto das manifestações de Jesus como ressuscitado. Ao apresentar-se hoje como leitura do acontecimento do Pentecostes não podemos deixar de a meditar na sua riqueza e no que ela nos pode ajudar a compreender e a viver o dom do Espírito Santo.
Neste sentido temos que olhar para as palavras de Jesus, para essa saudação de Jesus para que a paz esteja com os discípulos. Sendo a paz um dom do Espírito Santo como vemos na leitura da Carta de São Paulo aos Gálatas é surpreendente que Jesus apele à paz ao apresentar-se. Mas a verdade é que é necessário que o homem tenha o seu coração em paz para que o Espírito Santo possa vir habitar nele.
Há uma necessidade de paz humana, de uma paz que resulta da vitória do bem sobre o mal, ou como diz São Paulo aos Gálatas, sobre as tendências da carne, para que o Espírito Santo venha e outorgue a verdadeira paz que vem do Espírito Santo. Há necessidade de uma paz limitada, frágil, possível às nossas limitações humanas para que a paz total e verdadeira de Deus aconteça.
A vinda do Espírito Santo não acontece no entanto sem a dimensão do sacrifico, da crucifixão, de que também São Paulo fala. Ao mostrar aos discípulos o seu lado aberto e as feridas dos cravos que o prenderam à cruz, Jesus mostra esse caminho de sofrimento pelo qual o Espírito Santo nos chega. Se Jesus não se tivesse entregue, se não tivesse cumprido a vontade do Pai, não existiria a possibilidade da vinda do Espírito Santo. Como Ele próprio diz no Evangelho de São João, é necessário que sofra e morra às mãos dos infiéis para que o Espírito possa vir.
Esta dimensão sacrificial não pode ser esquecida, nem ao fazer-se memória de Jesus Cristo, nem ao querer-se ser fiel aos seus mandamentos. Há uma dimensão de morte inerente à vinda do Espírito, a morte de todas as obras da carne, do mal, que impedem essa vinda. E não podemos escamotear a questão não falando da morte, desse sofrimento que é inerente a qualquer nascimento e vitória. Não é fácil vencermos as nossas tendências mais carnais e possessivas, mas é necessário para que o Espírito venha.
E ao vir, como nos diz São João, vem como um sopro, como uma nova vida que se inicia. Este pormenor de Jesus soprar sobre os Apóstolos o Espírito Santo evoca a criação do homem no princípio do mundo, quando Deus pegando no homem que tinha formado do pó da terra lhe insuflou a vida pelas narinas. A vinda do Espírito Santo é assim uma nova criação, faz dos homens carnais e condenados ao pó da terra, seres espirituais e elevados à glória do céu. A partir daqui a vida é outra, é a vida do Espírito que não pode deixar de se traduzir em comportamentos e atitudes diferentes quer face à vida, quer face à morte, quer face à alegria quer face ao sofrimento, quer face ao bem quer face ao mal.
Cabe-nos hoje na vida, perante as suas múltiplas realidades fazer a experiência da descida do Espírito Santo. Pode acontecer que suceda num momento especial, como o relatado pelos Actos dos Apóstolos, mas o mais certo é que vá acontecendo e ocorrendo no nosso dia a dia e no nosso fazer quotidiano, e se revista das dimensões com que se revestiu na aparição aos discípulos de que São João dá testemunho. Para viver essa vinda temos que estar atentos e perceber que em momentos como aqueles em que perdoamos, que em momentos em que fazemos alguma coisa gratuitamente, que em momentos em que procuramos construir o bem e a felicidade, o Espírito Santo se faz presente e desce sobre nós e sobre aqueles que estão connosco.
Vinde Espírito Santo, enchei o coração dos vossos fiéis e renovaremos a face da terra.

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