A ORAÇÃO DOMINICANA – ORAÇÃO EM COMUM
Entre as várias fontes documentais que existem sobre a vida de São Domingos, temos um pequeno opúsculo, um pequeno tratado, que se chama Os Nove Modos de Orar de São Domingos. É um trabalho do século XIV, bastante rico em ilustrações, e através do qual podemos visualizar os modos como São Domingos rezava, ora de joelhos, ora de pé, com os braços elevados para o céu, em forma de cruz, ou até sentado a estudar.
Se hoje as técnicas orientais de meditação nos chamam a atenção para a importância do corpo na oração, da postura corporal, temos que ter presente e não esquecer que a grande tradição orante e espiritual cristã não esqueceu o corpo. Este pequeno tratado medieval é disso um exemplo, bem como o são os tratados sobre as lágrimas e os suspiros. Na idade média todo o corpo rezava acompanhando o espírito.
Estes gestos e a forma como São Domingos rezava não deixaram de impressionar os seus companheiros, que de noite e às escondidas o iam espreitar. Os testemunhos do seu processo de canonização dizem mesmo que raramente se deitava, que passava grande parte da noite em oração e por essa razão era frequente vê-lo adormecer à hora das refeições. Esta oração nocturna de final de jornada, e podemos dizer de alguma forma privada, era um complemento da oração comum que todos celebravam e São Domingos animava quando algum irmão menos fervoroso se deixava dormir ou não cantava como devia cantar.
A oração para São Domingos, simultaneamente terna e dura, era uma realidade constante, e por isso se plasmava também numa dimensão física, manifestando a sua robustez humana e espiritual.
Nos Modos de Orar de São Domingos o nono e último modo de orar é o modo da oração do caminho, a oração das andanças. Não nos deve chocar este elemento, não só porque São Domingos calcorreou os caminhos da Europa, fez a experiência do andar imenso, mas também porque qualquer medieval não tinha nenhum problema em fazer cinquenta quilómetros por dia para chegar a um local seguro e descansar. Caminhar era uma experiência comum e simultaneamente espiritual. Para quem já fez o Caminho de Santiago sabe como o caminho se pode fazer oração, se faz oração a cada passo dado.
Contudo, o caminho só se faz oração em certas condições, condições essas que são as mesmas que se requerem para que a vida se faça também oração. A vida activa do nosso quotidiano transforma-se em oração quando ela é rezada, tal como no caminho. Toda a realidade é susceptível de ser santificada, se para tal for oferecida a Deus, se rezarmos por ela.
Mas se a nossa vida cristã e religiosa tem vocação para uma oração contínua, tal só acontece aos poucos, e muito concretamente na medida em que se vive uma vida de oração propriamente dita. Uma vida em oração é o trabalho de uma vida de oração.
É por esta razão que a vida religiosa dá tanta importância ao exercício diário da oração, a esse respirar da alma, pautado por uma distribuição diária com horas e ritmos próprios. Para alguns pode ser um peso, um fardo, mas na verdade é uma libertação, um privilégio dado apenas a alguns, facto que nos devia obrigar a cuidar um pouco mais o nosso Oficio da Liturgia das Horas, essa acção diária de santificar as horas do dia através da recitação ou do canto das Laudes, Vésperas e Completas.
Os dominicanos conservam o essencial do que era, e ainda hoje é, considerado como a oração monástica, embora esta oração mais que monástica seja a oração de todo o povo cristão, de todas as comunidades, que a exemplo das comunidades primitivas se reúnem para louvar o Senhor pela manhã e agradecer ao final do dia tudo o vivido. Neste sentido o Oficio Divino da Liturgia das Horas é um tesouro da Igreja que é proposto a todos.
É portanto normal, deveria ser normal, ainda que às vezes assim não aconteça, que os dominicanos se encontrem em comunidade para celebrar com alegria, beleza e solenidade a Liturgia das Horas. Este exercício celebra os mistérios de Cristo e os Santos da Igreja, e ao fazê-lo procura e vive a mesma objectividade que procuram e vivem o estudo e a vida comum. Tudo está em relação e apoiando-se mutuamente.
Desde o princípio e por vontade de São Domingos que a liturgia dominicana se caracteriza pela brevidade e rapidez. Mas se tal foi a vontade de São Domingos era para que os frades se pudessem dedicar ao estudo e à pregação, à salvação das almas, e não certamente para que se deixassem ficar na cama preguiçosamente ou para que faltassem pelas razões mais banais. Esta brevidade e rapidez deram origem por vezes a uma celebração monocórdica, insípida, ou então a um aligeiramento tão grande que a oração já não parecia nada do que devia ser.
A análise histórica diz-nos que o desejo de São Domingos tinha fundamento no Oficio monástico ao estilo de Cluny, carregado de tal conjunto de floreados que impedia qualquer outro tipo de actividade. Contrariamente a esse estilo São Domingos queria um Oficio breve, simples, livre de ornatos musicais gregorianos que impedissem o trabalho apostólico. Esta simplicidade não significava no entanto ausência, ou desleixo, cortes conducentes a uma mediocridade; a tradição litúrgica da Ordem confirma-nos o contrário, como o simples foi bastante bem cuidado e vivido e por isso se constituiu uma liturgia própria rica de textos e melodias.
Hoje em pleno século vinte e um devemos interrogar-nos, face às solicitudes pastorais, se podemos dar-nos ao luxo de gastar algum tempo do dia a celebrar a Liturgia das Horas em comum, procurando a beleza, o bom gosto, o cuidado na simplicidade e brevidade que sempre nos caracterizou.
Verdade seja dita, e com todas as letras, se não nos dermos a esse luxo, se não disponibilizarmos tempo do nosso dia, dos nossos afazeres para rezarmos em comum, simples e belamente, a nossa pregação não será a mesma, ressentir-se-á dessa falta. Seguindo o pensamento de São Tomás é necessário contemplar para transmitir, e a contemplação dos irmãos em oração comum pode fundamentar de uma outra forma muito do que podemos dizer e transmitir.
Entre as várias fontes documentais que existem sobre a vida de São Domingos, temos um pequeno opúsculo, um pequeno tratado, que se chama Os Nove Modos de Orar de São Domingos. É um trabalho do século XIV, bastante rico em ilustrações, e através do qual podemos visualizar os modos como São Domingos rezava, ora de joelhos, ora de pé, com os braços elevados para o céu, em forma de cruz, ou até sentado a estudar.
Se hoje as técnicas orientais de meditação nos chamam a atenção para a importância do corpo na oração, da postura corporal, temos que ter presente e não esquecer que a grande tradição orante e espiritual cristã não esqueceu o corpo. Este pequeno tratado medieval é disso um exemplo, bem como o são os tratados sobre as lágrimas e os suspiros. Na idade média todo o corpo rezava acompanhando o espírito.
Estes gestos e a forma como São Domingos rezava não deixaram de impressionar os seus companheiros, que de noite e às escondidas o iam espreitar. Os testemunhos do seu processo de canonização dizem mesmo que raramente se deitava, que passava grande parte da noite em oração e por essa razão era frequente vê-lo adormecer à hora das refeições. Esta oração nocturna de final de jornada, e podemos dizer de alguma forma privada, era um complemento da oração comum que todos celebravam e São Domingos animava quando algum irmão menos fervoroso se deixava dormir ou não cantava como devia cantar.
A oração para São Domingos, simultaneamente terna e dura, era uma realidade constante, e por isso se plasmava também numa dimensão física, manifestando a sua robustez humana e espiritual.
Nos Modos de Orar de São Domingos o nono e último modo de orar é o modo da oração do caminho, a oração das andanças. Não nos deve chocar este elemento, não só porque São Domingos calcorreou os caminhos da Europa, fez a experiência do andar imenso, mas também porque qualquer medieval não tinha nenhum problema em fazer cinquenta quilómetros por dia para chegar a um local seguro e descansar. Caminhar era uma experiência comum e simultaneamente espiritual. Para quem já fez o Caminho de Santiago sabe como o caminho se pode fazer oração, se faz oração a cada passo dado.
Contudo, o caminho só se faz oração em certas condições, condições essas que são as mesmas que se requerem para que a vida se faça também oração. A vida activa do nosso quotidiano transforma-se em oração quando ela é rezada, tal como no caminho. Toda a realidade é susceptível de ser santificada, se para tal for oferecida a Deus, se rezarmos por ela.
Mas se a nossa vida cristã e religiosa tem vocação para uma oração contínua, tal só acontece aos poucos, e muito concretamente na medida em que se vive uma vida de oração propriamente dita. Uma vida em oração é o trabalho de uma vida de oração.
É por esta razão que a vida religiosa dá tanta importância ao exercício diário da oração, a esse respirar da alma, pautado por uma distribuição diária com horas e ritmos próprios. Para alguns pode ser um peso, um fardo, mas na verdade é uma libertação, um privilégio dado apenas a alguns, facto que nos devia obrigar a cuidar um pouco mais o nosso Oficio da Liturgia das Horas, essa acção diária de santificar as horas do dia através da recitação ou do canto das Laudes, Vésperas e Completas.
Os dominicanos conservam o essencial do que era, e ainda hoje é, considerado como a oração monástica, embora esta oração mais que monástica seja a oração de todo o povo cristão, de todas as comunidades, que a exemplo das comunidades primitivas se reúnem para louvar o Senhor pela manhã e agradecer ao final do dia tudo o vivido. Neste sentido o Oficio Divino da Liturgia das Horas é um tesouro da Igreja que é proposto a todos.
É portanto normal, deveria ser normal, ainda que às vezes assim não aconteça, que os dominicanos se encontrem em comunidade para celebrar com alegria, beleza e solenidade a Liturgia das Horas. Este exercício celebra os mistérios de Cristo e os Santos da Igreja, e ao fazê-lo procura e vive a mesma objectividade que procuram e vivem o estudo e a vida comum. Tudo está em relação e apoiando-se mutuamente.
Desde o princípio e por vontade de São Domingos que a liturgia dominicana se caracteriza pela brevidade e rapidez. Mas se tal foi a vontade de São Domingos era para que os frades se pudessem dedicar ao estudo e à pregação, à salvação das almas, e não certamente para que se deixassem ficar na cama preguiçosamente ou para que faltassem pelas razões mais banais. Esta brevidade e rapidez deram origem por vezes a uma celebração monocórdica, insípida, ou então a um aligeiramento tão grande que a oração já não parecia nada do que devia ser.
A análise histórica diz-nos que o desejo de São Domingos tinha fundamento no Oficio monástico ao estilo de Cluny, carregado de tal conjunto de floreados que impedia qualquer outro tipo de actividade. Contrariamente a esse estilo São Domingos queria um Oficio breve, simples, livre de ornatos musicais gregorianos que impedissem o trabalho apostólico. Esta simplicidade não significava no entanto ausência, ou desleixo, cortes conducentes a uma mediocridade; a tradição litúrgica da Ordem confirma-nos o contrário, como o simples foi bastante bem cuidado e vivido e por isso se constituiu uma liturgia própria rica de textos e melodias.
Hoje em pleno século vinte e um devemos interrogar-nos, face às solicitudes pastorais, se podemos dar-nos ao luxo de gastar algum tempo do dia a celebrar a Liturgia das Horas em comum, procurando a beleza, o bom gosto, o cuidado na simplicidade e brevidade que sempre nos caracterizou.
Verdade seja dita, e com todas as letras, se não nos dermos a esse luxo, se não disponibilizarmos tempo do nosso dia, dos nossos afazeres para rezarmos em comum, simples e belamente, a nossa pregação não será a mesma, ressentir-se-á dessa falta. Seguindo o pensamento de São Tomás é necessário contemplar para transmitir, e a contemplação dos irmãos em oração comum pode fundamentar de uma outra forma muito do que podemos dizer e transmitir.
Sem comentários:
Enviar um comentário