domingo, 17 de maio de 2009

Homilia VI Domingo do Tempo Pascal

“O que vos mando é que vos ameis uns aos outros.”
É este o mandamento de Jesus para os seus discípulos, para aqueles que acreditam nele como Filho de Deus, como revelação do amor de Deus. Contudo, quando olhamos para a nossa vida pessoal de crentes e para a nossa vida de comunidade deparamos com uma falta quase constante no cumprimento deste mandamento. O que é que se passa afinal com este mandamento de Jesus para que seja tão difícil de viver? Como é que falhamos numa coisa que deveria ser tão simples, que é tão simples.
Se Jesus nos tivesse ordenado sacrifícios insuportáveis, regras fora da nossa possibilidade humana, era natural que falhássemos no cumprimento desses mandamentos. Se nos tivessem sido impostas regras de pureza, como por exemplo os judeus ainda hoje possuem, não era estranho que falhássemos e portanto não nos pudéssemos aproximar de Deus e do seu altar.
Contudo, com Jesus nada disso nos foi imposto, o seu mandamento é que nos amemos uns aos outros. Como é então tão difícil viver o mandamento do amor?
Uma das primeiras razões e justificações para esta nossa dificuldade radica na forma superficial como vivemos o amor, até como falamos do amor e o concebemos. O mais normal é que falemos do amor como um sentimento, como mais uma paixão da alma. No entanto, e como bem diz o Papa Bento XVI na sua encíclica “Deus é amor”, esse sentimento a que chamamos amor é apenas uma imagem pálida do verdadeiro e total amor. Podemos dizer que é um indício, uma prova do verdadeiro amor, mas não é o verdadeiro amor.
E não é o verdadeiro amor, e aqui está a outra razão da dificuldade em vivermos o mandamento de Jesus, porque é um amor apropiante, um sentimento possuidor. Todas as nossas provas de amor, as nossas relações de amor, são de alguma forma de possessão, queremos que o outro seja nosso. E por isso até dizemos é o meu amor, é o meu namorado, são os meus filhos. As nossas relações humanas estão assim inquinadas com esta necessidade de possuir, esta dimensão que não nos deixa livres nem liberta os outros.
A outra realidade do nosso amor superficial, e que não permite que o vivamos em verdade e totalidade, é que ele está marcado também por uma forte tendência narcisista. Olhamos e amamos o outro a partir da imagem de nós próprios, e mais frequentemente julgamos os outros a partir da nossa imagem e da insatisfação que obtemos pela falta de resultados nos nossos objectivos apossessantes.
Estas três realidades, paixão da alma, necessidade possessiva e narcisismo são as realidades ou dimensões que dificultam a nossa vivência do mandamento de Jesus de nos amarmos uns aos outros. Mas se nos dificultam a vivência, a verdade é que não a impedem, e está na nossa mão procurarmos a solução, a forma de o vivermos.
Antes de mais e face ao amor temos que ter presente que ele é um dom, é uma oferta de Deus e por isso não o podemos chamar nosso. O amor verdadeiro nasce no nosso coração e na nossa vida como dom de Deus, como sinal do amor de Deus por nós, por aqueles que vivem connosco e partilham a nossa vida, como sinal pela humanidade inteira. Como nos dizia São João na leitura da sua Primeira Carta, o amor vem de Deus, é sempre dom de Deus, e portanto quase que poderíamos dizer que é algo estranho a nós. O exemplo mais flagrante desta realidade é quando gostamos de alguém quando não vemos razões para isso e até quando toda a gente nos fala mal desse outro. Porque temos esse sentimento, que racionalmente não é justificável? Não será um sinal do amor dom de Deus?
Outra realidade a ter presente para a vivência do verdadeiro amor, e ainda nesta dimensão de dom, é que ele deve ser sempre oferta. É algo que oferecemos ao outro, aos outros, e não alguma coisa que queremos do outro. Infelizmente as nossas carências afectivas levam-nos mais a querer o amor do outro que a oferecer o nosso amor. É como se tivéssemos medo de nos perdermos, de ficarmos desprotegidos por oferecermos o amor de Deus que há em nós.
Um terceiro elemento a considerar é que o verdadeiro amor é liberdade e libertador, não nos aferra a nada nem a ninguém, nem quer possuir nada nem ninguém, bem pelo contrário quer que o outro seja livremente o que Deus deseja que ele seja.
Dizer isto não equivale a dizer que é fácil, porque não é. A verdade é que é bem difícil e por isso o exemplo mais cabal que temos da vivência do amor verdadeiro, como dom divino, como oferta voluntária e libertadora é um homem suspenso numa cruz. Jesus crucificado é o testemunho do verdadeiro amor, é o exemplo, mas para nós deve ser a fonte de onde procuramos ou devemos procurar beber e viver o verdadeiro amor.
Hoje em dia, a espiritualidade e até as devoções particulares, erradicaram do seu horizonte o Jesus crucificado. Em muitas igrejas o crucifixo desapareceu, a nossa igreja é disso um exemplo, e em muitos oratórios pessoais e particulares é mais habitual encontrarmos um ícone ortodoxo que um crucifixo. O que fizemos do crucificado? Incomoda-nos?
Verdade seja dita, que é bem possível que sim, que nos incomode, e até bastante, porque naquela cruz e naquele corpo está a expressão total do dom livre do amor. E como nos custa tanto isso, como é um aguilhão ao nosso amor-próprio, ao nosso narcisismo, ao nosso egoísmo.
Mas se virmos as vidas dos santos, e até as suas representações iconográficas, sejam eles místicos de clausura ou grandes missionários no mundo, como Santa Catarina de Sena, São João da Cruz, São Francisco Xavier, encontramos em todos uma grande devoção e contemplação de Jesus crucificado. Era nesse símbolo, mas sobretudo nessa realidade que encontravam a força para os desafios que tinham na vida e a fonte para o amor que tinham pela Igreja e pela salvação dos homens. A cruz era a fonte do seu amor.
Peçamos ao Senhor que nos conceda a graça de o contemplarmos na maior expressão do amor e de nos conformarmos cada vez mais a essa expressão, porque aí saberemos que conhecemos a Deus e nascemos para Deus.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    É bem difícil a vivência do amor verdadeiro e esta sua homilia interpela-nos e ajuda-nos.
    GM

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  2. É verdade, mas como nos diz Santa Catarina de Sena depois de o experimentarmos já nada nos satisfaz e já não sabemos viver sem ele.

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  3. E enchem-nos de esperança as palavras de Santa Teresa de Jesus "(...)quem a Deus tem nada falta, só Deus basta."

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