domingo, 28 de novembro de 2010

Homilia do I Domingo do Advento

Iniciamos um novo ano litúrgico e o tempo do Advento, este tempo de preparação para vivermos e fazermos memória do mistério da Encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo nosso Senhor. E ao iniciarmos este novo tempo e ano, a liturgia da Palavra nas suas leituras deixa-nos um convite, a caminhar, a despertar do sono, a andar dignamente, a vigiar e a estar preparados. Um conjunto de atitudes que nos devem marcar, e nos devem marcar de tal forma, que permita que os outros reconheçam em nós homens e mulheres que sabem que estão neste mundo mas não são deste mundo, que sabem que um dia serão arrebatados dele independentemente do que estejam a fazer.
A leitura da profecia de Isaías deixa-nos esse convite de caminharmos à luz do Senhor, ou seja de que não tenhamos uma atitude passiva na nossa fé e na nossa integração no mundo e sociedade que nos rodeia; um convite que nos solicita também a um despojamento e a uma libertação das cargas que transportamos para mais facilmente caminharmos.
Quantas vezes damos por nós instalados, poderíamos até dizer preguiçosamente instalados, não aceitando que necessitamos uma certa disciplina de vida, um despojamento de muitas coisas que consideramos necessárias, mas que de facto não nos servem de muito e, mais frequentemente do que assumimos, impedem-nos de sermos mais livres, mais nós próprios, mais abertos e disponíveis para os outros.
Quantas vezes, por uma certa ideia de não pactuar com as coisas do mundo, não nos refugiamos na nossa fé e comunidade e fugimos das urgências desse mesmo mundo que nos solicita e tão frequentemente exige um testemunho mais convicto e coerente. Quantas vezes para ter a consciência mais tranquila quanto às nossas obrigações, mais descansada na fé e no que aprendemos na catequese, não nos aventuramos nem nos responsabilizamos numa formação mais profunda e num conhecimento mais sério da Palavra de Deus.
E isto porque o convite de Isaías a caminhar é um convite a caminhar à luz do Senhor, ou seja conhecedores e conscientes de quem o Senhor é, e do que nos pede. E é importante este caminhar consciente e responsável, porque só sabendo de onde vimos, para onde vamos e quem somos poderemos de facto e em verdade caminhar para o nosso verdadeiro fim, contemplar a face de Deus cara a cara. Neste sentido é necessário não só conhecer a Palavra de Deus, no que ela nos revela do próprio Deus, no que nos está prometido e no que nos é pedido como vida comprometida com esse fim, mas também o que somos na nossa condição humana, nesta corporeidade que nos marca e tantas vezes consideramos como impedimento para a caminhada fiel, esquecendo-nos que não há outra via possível e o mistério da Encarnação que celebramos nos Natal nos confirma isso mesmo.
São Paulo na Epístola aos Romanos corrobora o mesmo convite de Isaías alertando-nos para a necessidade de nos levantarmos, de andarmos dignamente como em pleno dia, pois a salvação está mais perto de nós. E para o podermos fazer devemos revestir-nos do próprio Senhor Jesus Cristo.
E, verdade seja dita, muitas vezes vivemos como se estivéssemos adormecidos, deixando-nos embrenhar e envolver de tal modo pelas solicitações do dia a dia, pelas necessidades mais urgentes, que somos incapazes de ver a relatividade de muitas delas e a necessidade que temos de temperar tudo isso com a justiça, a verdade e o amor de Deus. Muitas vezes vivemos de tal modo encarcerados num desejo de salvação pelas nossas forças e conquistas que nos esquecemos, como diz São Paulo, que a salvação está perto de nós, está mesmo à nossa mão, e que como Adão no paraíso apenas temos que estender a mão e colhê-la. Como fruto foi-nos já oferecido por Aquele que aceitou entregar a sua vida na cruz para nos resgatar da condição da morte e do pecado.
Aceitando e colhendo este fruto a nossa vida torna-se luz e podemos dizer que caminhamos em pleno dia à luz do Senhor. Aceitando e colhendo este fruto assumimos que a nossa vida tem uma outra dimensão, foi transfigurada pela encarnação do Filho de Deus e pelo baptismo fomos mergulhados no oceano dessa transfiguração, que espera e deseja a plena realização.
Contudo, e como nos diz Jesus no Evangelho é necessário uma vigilância, um olhar constante sobre o que fazemos, de modo a dar dignidade a tudo isso e sobretudo essa dimensão divina que todas as coisas estão chamadas a assumir e que nós estamos corresponsabilizados a outorgar. Se o fizermos, quando chegar o momento do arrebatamento de que fala Jesus, estaremos tranquilos e confiantes, pois quer no campo ou quer agarrados à mó, onde quer que estejamos e o que quer que façamos, estaremos inevitavelmente já em Deus, participando e partilhando da sua vida divina, da sua graça transfigurante e divinizante.
Peçamos assim ao Senhor que veio até nós, que vem e virá sempre que nos disponibilizarmos para O acolher e fazer vida em nós, que não deixe de bater à nossa porta e de insistir para que a abramos. Que o tempo frio destes dias de Inverno, propícios aos recolhimento, nos ajude a estar mais atentos aos sinais da sua vinda e à sua presença tantas vezes silenciosa na nossa vida tão cheia de ruído e de outras luzes ofuscantes da sua luz e da sua voz.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,
    Li e meditei várias vezes na Homília do I Domingo do Advento que connosco partilha. É um texto abrangente, profundo e ilustrado com uma paisagem gelada, sempre com a presença humana, a lembrar que o Inverno chegou ou chegará próximo, tempo propício ao recolhimento, à introspecção, à oração. É um texto que nos leva a um exame de consciência, a não deixar-nos acomodar, a despertar hoje e sempre ...” de preparação para vivermos e fazermos memória do mistério da Encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo nosso Senhor”.
    Nunca é demais lembrar-nos o significado do convite a caminhar consciente, digno e responsável “andarmos dignamente como em pleno dia” .
    … “caminharmos à luz do Senhor, ou seja de que não tenhamos uma atitude passiva na nossa fé e na nossa integração no mundo e sociedade que nos rodeia; um convite que nos solicita também a um despojamento e a uma libertação das cargas que transportamos para mais facilmente caminharmos.”
    Ou as teias em que nos enredámos e que “impedem-nos de sermos mais livres, mais nós próprios, mais abertos e disponíveis para os outros”.
    E …”Quantas vezes, por uma certa ideia de não pactuar com as coisas do mundo, não nos refugiamos na nossa fé e comunidade e fugimos das urgências desse mesmo mundo que nos solicita e tão frequentemente exige um testemunho mais convicto e coerente. Quantas vezes para ter a consciência mais tranquila quanto às nossas obrigações, mais descansada na fé e no que aprendemos na catequese, não nos aventuramos nem nos responsabilizamos numa formação mais profunda e num conhecimento mais sério da Palavra de Deus.”
    Oremos com o Frei José Carlos, “Peçamos assim ao Senhor que veio até nós, que vem e virá sempre que nos disponibilizarmos para O acolher e fazer vida em nós, que não deixe de bater à nossa porta e de insistir para que a abramos.”
    Obrigada Frei José Carlos por esta importante partilha que nos desinstala mas que nos conforta ao recordar-nos que está ao nosso alcance “participar e partilhar da vida divina, da sua graça transfigurante e divinizante.” Bem haja.
    Uma boa semana. Um abraço fraterno.
    Maria José Silva

    P.S. O que escreveu Frei José Carlos, levou a interrogar-me com algo que me preocupa, desde há muito, e que sinto como dever, diria mesmo obrigação, como cristã, o de ser capaz de levar o meu próximo, a “modificar o caminho” sem ter os meios ao meu alcance para poder fazê-lo. Sabendo que em casa, quase sempre não fazemos “milagres” ( com a secreta esperança que um dia seja diferente), são os amigos, os colegas de trabalho com quem temos mais afinidades, conhecidos que nos dizem , eu admiro quem tem fé e tenta ser coerente no quotidiano, mas “eu não tenho nada em que acredite e reconheço que é importante”, ou “eu tenho medo da morte, não é o sofrimento” e subentende-se “o que está para além da morte fisíca”. A questão que coloco, se me permite, o que fazemos para dar testemunho da palavra de Deus, o que posso e como para que possamos que o nosso próximo, o nosso semelhente que decidiu seguir caminhos diferentes, possa ser um seguidor de Cristo, “caminhar à luz do Senhor”. MJS

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