O texto do Evangelho de São Lucas que escutámos neste domingo é um texto que se insere num género muito particular, e por isso difícil, a exigir muita cautela na sua leitura e interpretação, pois há realidades e sinais que são muito claros e outros que pelo contrário são muito ambíguos e passíveis de equivoco. O texto do Evangelho é um texto apocalíptico que com perspectivas diversas encontramos nos três Evangelhos sinópticos.
Jesus como profeta e à semelhança dos outros profetas bíblicos, como Malaquias que encontramos na primeira leitura, utilizou também esta linguagem, ainda que se perceba que a sua principal preocupação não era propriamente o fim do mundo, a actualidade do dia da vinda do Senhor, mas a preparação dos discípulos para esse momento e para o tempo de espera.
Jesus usa a imagem da destruição do templo para manifestar a evidência do fim dos tempos, ou pelo menos daquele tempo preciso. O evangelista não pode deixar de ter em conta essa realidade, não só como sinal de fim dos tempos, de um determinado tempo histórico, mas também como contra sinal, porque quando escreve o seu Evangelho Lucas sabe já que o templo de Jerusalém foi destruído, mas isso não significou nem o fim do povo nem o fim do mundo.
Assim os sinais de finitude, as próprias realidades que os manifestam como as perseguições, as doenças, os cataclismos devem levar o cristão e discípulo de Jesus Cristo a perceber a missão a que Deus o chama nessa realidade, o que de facto está em causa, e a rever e a renovar a visão da sua vida. As imagens de fim do mundo com tudo o que elas encerram de incompreensível devem conduzir-nos e exortar-nos à paciência e à perseverança, é isso que Jesus quer dos seus discípulos e Deus espera de nós.
Neste texto do Evangelho, bem como na Carta de São Paulo aos Tessalonicenses percebemos igualmente os ecos da vida das primeiras comunidades e como essa dimensão apocalíptica estava presente, impedindo muitas vezes que as pessoas realizassem a sua missão como cristãos. É contra ela que Paulo luta, quando manda que todos devem trabalhar e não viver na ociosidade dessa expectativa do fim dos tempos, e contra a qual luta também São Lucas quando coloca na boca de Jesus a ordem de não seguir aqueles que digam ou possam dizer que o fim do mundo está já ali eminente.
E isto porque Deus habita de facto na história, na história que os homens vão construindo mais ou menos fielmente, mais ou menos libertadora e dignificante da condição humana; mas para além de habitar nela, Deus dá-lhe também um sentido, um projecto de transfiguração para que possa ser mais humana e nesse sentido mais divina, mais presencial do Reino de Deus.
O desafio que se coloca assim aos cristãos não é o de saber o momento do fim do mundo, dos sinais da sua proximidade, mas o de animados pela fé, pela esperança e pela caridade passar por esses momentos com um outro olhar, com uma outra sensibilidade, percebendo que são momentos de dor e transformação porque são momentos de parto, de dar à luz um mundo novo, um mundo a vir e que se espera com confiança.
E retomando São Paulo, nesta visão e neste estar no mundo expectantes de um mundo futuro, não ficamos eximidos da nossa responsabilidade construtora, da nossa paternidade desse mundo, mas bem pelo contrário somos chamados a uma maior responsabilidade.
No coração das nossas vidas cruzam-se afinal o mundo presente e o mundo futuro, este mundo presente e passageiro em que vivemos com tudo o que tem de limitado, caducidade e fragilidade, e aquele mundo futuro construído sobre a eternidade e a certeza de uma herança que nem a traça rói nem a ferrugem corrói.
Destes dois mundos somos cidadãos e o desafio que se nos coloca como cristãos é o de vivermos o mundo presente, o momento actual, com os olhos colocados no mundo futuro, olhando de frente a esperança que nos anima, a fé que nos fortalece e a caridade com que vamos dando um toque diferente a tudo o que fazemos ou podemos fazer para que o mundo seja mais justo, mais digno, mais humano e portanto visivelmente mais divino.
Na oração que Jesus dirigiu ao Pai, momentos antes da prisão no jardim das oliveiras, pedia pelos seus discípulos que estavam no mundo, mas não eram do mundo, como também Ele não era, que os livrasse do maligno. Hoje devemos nós fazer a mesma oração, com essa consciência de que não somos do mundo, estamos apenas no mundo, de passagem, e como fracos e frágeis que somos necessitamos que o Senhor nos proteja e nos livre do maligno, afinal dessa tentação de olhar apenas os pés assentes na terra e no momento presente esquecidos que o nosso olhar se deve voltar para o alto e o futuro.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarA Homília do XXXIII Domingo do Tempo Comum que connosco partilha enquadrando-o nas Leituras e no texto do Evangelho de São Lucas, salienta-nos a atenção para o cuidado a ter na interpretação do mesmo (veja-se o uso abusivo que tantas vezes tem sido feito das várias interpretações das palavras de Jesus), é um texto profundo, belo e que ilustrou com grande propriedade e de forma tão sensível.
...” a principal preocupação de Jesus não era propriamente o fim do mundo, a actualidade do dia da vinda do Senhor, mas a preparação dos discípulos para esse momento e para o tempo de espera.” E esta deve ser a nossa atitude como cristãos. A nossa preocupação é a forma como “vivemos o momento presente com os olhos postos no futuro” como sempre nos recorda Frei José Carlos. Permita-me que respigue alguns excertos dos muitos que traduzem a exortação que nos faz e que me tocaram particularmente.
…”O desafio que se coloca assim aos cristãos não é o de saber o momento do fim do mundo, dos sinais da sua proximidade, mas o de animados pela fé, pela esperança e pela caridade passar por esses momentos com um outro olhar, com uma outra sensibilidade, percebendo que são momentos de dor e transformação porque são momentos de parto, de dar à luz um mundo novo, um mundo a vir e que se espera com confiança”. …
...” No coração das nossas vidas cruzam-se afinal o mundo presente e o mundo futuro, este mundo presente e passageiro em que vivemos com tudo o que tem de limitado, caducidade e fragilidade, e aquele mundo futuro construído sobre a eternidade e a certeza de uma herança que nem a traça rói nem a ferrugem corrói”.
Permita-me ainda que rezemos com o Frei José Carlos a “oração que Jesus dirigiu ao Pai, momentos antes de ser preso no jardim das oliveiras (…), com essa consciência de que não somos do mundo, estamos apenas no mundo, de passagem, e como fracos e frágeis que somos necessitamos que o Senhor nos proteja e nos livre do maligno, afinal dessa tentação de olhar apenas os pés assentes na terra e no momento presente esquecidos que o nosso olhar se deve voltar para o alto e o futuro.”
Obrigada Frei José Carlos por esta bela partilha. Bem haja.
Desejo-lhe uma boa semana. Um abraço fraterno
Maria José Silva