quarta-feira, 3 de novembro de 2010

São Martinho de Lima, Dominicano

Eram outros tempos, eram outras as leis, eram outras as formas como tudo se arquitectava social e religiosamente. Martinho de Porres e Velásquez, São Martinho de Lima, foi um fruto desses tempos e dessas circunstâncias que lhe couberam viver.
Martinho nasceu em Lima, cidade do peru, em 1579, era o primeiro filho da relação de Dom Juan de Porres, Cavaleiro da Ordem Militar de Alcântara, com Ana Velásquez, uma jovem negra, livre e baptizada, que dá à luz apenas com vinte anos. Passados três anos será a vez de Joana vir a este mundo, a única irmã de Martinho, fruto também da relação que D. Juan vivia com Ana.
Apesar das viagens entre as várias cidades do império, o pai fez sempre questão de ter o filho por perto e quando já mais tarde o deixa junto de sua mãe exige que tenha uma educação cristã, que aprenda a ler e se inicie numa profissão. Martinho aprendeu a ser barbeiro, uma profissão que andava associada também à da enfermagem e dos cuidados de saúde.
Com quinze anos, a idade permitida pelas Constituições dos dominicanos, Martinho entra para o Convento de Nossa Senhora do Rosário de Lima. Fica como “donato” um leigo servidor da comunidade, pois a sua cor de pele não lhe permite outras aspirações, nem mesmo qualquer tipo de profissão dentro de Ordem dos mendicantes. Podemos falar de elitismo, de racismo, mas eram os medos que governavam as relações como ainda hoje governam as nossas exclusões e marginalizações.
Com o regresso de seu pai à cidade de Lima em 1596, dois anos depois de Martinho ter ingressado no convento, a situação vai sofrer uma pequena alteração. Pelo seu estatuto social, pela pressão exercida junto dos frades, D. Juan de Porres vai conseguir que o seu filho, legítimo e reconhecido, faça em 1603 a profissão como irmão converso. É o máximo que as leis dominicanas e o prestígio do pai lhe concedem, mas como os planos e as leis dos homens não são sempre os planos e as leis de Deus, há uma glória reservada para Martinho, há um prestigio que nenhuma lei humana nem nenhuma diferença de cor da pele lhe podem tirar.
Desde bem cedo, e exercendo as funções de barbeiros, enfermeiro, porteiro, Martinho foi-se deixando moldar pela caridade, pelo desejo de ajudar todos aqueles que lhe batiam à porta e o procuravam aflitos. A contemplação e a oração, a vida de pobreza e trabalho, a própria consciência da sua condição de pobre excluído levaram-no a ser um apóstolo da caridade, a exercê-la de tal modo que por toda a cidade era conhecido como o “Martinho da caridade”.
Poderia Martinho aspirar a maior título, a maior prestígio? Deus tinha-o recompensado, não por qualquer falha humana ou legislativa, não em compensação da marginalização e exclusão de que tinha sido objecto, mas porque nessas mesmas realidades tinha sabido viver o mandamento do amor, a caridade fraterna, apesar de tudo e de todos.
Martinho de Porres, foi canonizado a 6 de Maio de 1962 pelo Papa João XXIII, e se hoje fazemos memória da sua vida, se festejamos, é porque se nos apresenta como um modelo de caridade fraterna, de serviço aos outros, mas também de capacidade de discernimento nas circunstâncias da vida das diversas possibilidades de realização do mandamento do amor de Deus. Martinho mostra-nos que não precisamos ser muito importantes, ter uma actividade significativa, importa sim viver de forma atenta e significativamente a caridade que devemos uns aos outros.

2 comentários:

  1. Boa noite Frei José Carlos,
    Que o exemplo de S. Martinho de Lima nos faça viver a caridade fraterna debaixo dos nossos tectos e onde quer que nos movamos.Que interceda por nós, quando caímos, ao ignorar as necessidades dos que nos rodeiam.
    Tenha uma santa noite,
    GVA

    ResponderEliminar
  2. Frei José Carlos,

    A partilha da Memória de São Martinho de Lima, Dominicano, leva-nos a reflectir naqueles (as) que nas circunstâncias mais adversas souberam (sabem) viver o “mandamento do amor, a caridade fraterna, apesar de tudo e de todos”.
    E se ontem a Igreja e os Dominicanos festejaram a Memória de São Martinho de Lima é como o Frei José Carlos nos relata, Martinho de Porres revela-se ao longo da sua vida ...” como um modelo de caridade fraterna, de serviço aos outros, mas também de capacidade de discernimento nas circunstâncias da vida das diversas possibilidades de realização do mandamento do amor de Deus. Martinho mostra-nos que não precisamos ser muito importantes, ter uma actividade significativa, importa sim viver de forma atenta e significativamente a caridade que devemos uns aos outros”.
    Que a humildade de São Martinho de Lima, a caridade fraterna que sempre demonstrou nos guiem no nosso quotidiano para que nomeadamente os “medos, a ignorância, a prepotência disfarçada, o racismo não assumido” que ainda hoje “governam as nossas exclusões e marginalizações” sejam eliminados dos nossos corações, das nossas relações, para que a construção de um Mundo melhor possa ser uma realidade assumida por todos nós.
    Obrigada Frei José Carlos pela informação que connosco partilha e por recordar-nos que decorridos muitos séculos ainda que o contexto histórico, económico, social, cultural e religioso sejam diversos, continuamos a viver e/ou a pactuar com situações muito semelhantes.
    Bem haja Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno.
    MJS

    ResponderEliminar