segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Tende cuidado! (Lc 17,3)

Tende cuidado, são palavras que surgem no meio de dois avisos, duas chamadas de atenção significativas, que Jesus faz aos seus discípulos.
O primeiro desses avisos prende-se com o escândalo, e à sua luz o cuidado que devemos ter para não os provocar, não os criar. Imediatamente, e tendo presente a comunicação social e os escândalos que procura na Igreja e nomeadamente os escândalos sexuais que envolvem os sacerdotes, podemos pensar que Jesus se está a referir a eles.
É pensarmos de uma forma muito curta, limitada, distante do alcance de todas as palavras de Jesus, porque ao referir-se a escândalos Jesus usa a expressão na sua dimensão mais estrita, ou seja fala do tropeço, da armadilha, de uma pedra que podemos colocar no caminho dos nossos irmãos e os faz cair.
Para Jesus escândalo é aquilo que não só falta à caridade que devemos ao próximo mas também que afasta e destrói no outro a confiança e a fé em Deus. Pelo que as possibilidades de provocarmos escândalo está muito mais à nossa mão, muito mais perto de nós e factível, que certamente até a possibilidade de provocarmos escândalos sexuais.
Assim, é inevitável que tenhamos cuidado, que exerçamos sobre nós uma vigilância atenta para não escandalizar os nossos irmãos, e sobretudo aqueles que são os mais pequenos, que podem não só ser as crianças mas também aqueles que têm uma fé mais incipiente, mais débil e até menos esclarecida.
O segundo aviso de Jesus acerca do cuidado que devemos ter vai de encontro ao perdão, ao processo que devemos desenvolver para viver verdadeiramente o perdão. Jesus parte da realidade da ofensa, afinal dessa capacidade que todos nós temos de atingir o outro, de o magoar, de o escandalizar na confiança que colocou em nós.
Neste sentido Jesus apresenta-nos o que é conveniente e o que é conveniente é que chamemos a atenção do outro para a falta cometida. Jesus fala mesmo de repreensão, desse exercício ingrato, difícil, em que não podemos evitar de lidar com a humilhação. Contudo, não podemos deixar de ousar falar, ainda que antes nos entreguemos à oração, peçamos a iluminação do Senhor, esperemos o momento mais adequado, demos tempo ao outro para que reconheça e se encontre com o seu juízo e consciência. É necessário falar para que possa nascer o arrependimento.
E perante o arrependimento não podemos fechar o coração, porque se o sábio que é sábio peca sete vezes ao dia, quantas mais vezes pecaremos nós que não somos sábios? Temos que nos abrir ao perdão, porque recusar o perdão, por muitas vezes que ele nos seja exigido, é recusarmos a misericórdia de Deus, é colocarmo-nos como juízes e donos da lei, pela qual também seremos julgados, privando-nos do julgamento misericordioso que desejamos de Deus.
Perante estas palavras, os apóstolos perceberam como é difícil, como é até impossível ao homem perdoar se ficar fechado apenas nas suas forças, na sua lei e juízo, confiado apenas nas suas capacidades. Por isso pediram ao Senhor que aumentasse a sua fé porque só com a fé em Deus e no seu perdão poderemos levar a bom termo este processo.
Jesus respondeu-lhes que se eles tivessem fé, ainda que pequena, ordenariam a uma árvore e ela iria colocar-se no local que lhe fosse mandado. Não é uma crítica à pouca fé dos discípulos e à nossa, mas um axioma da força da fé, da realização por parte de Deus do perdão que nós não somos capazes de viver. Portanto, o que nos possa parecer impossível aos nossos olhos e capacidades será sempre possível a Deus, mesmo o perdão sete vezes ao dia.
Peçamos ao Senhor que aumente a nossa fé e vigilância sobre o perdão que nos merecemos reciprocamente na misericórdia de Deus.

2 comentários:

  1. Boa noite Frei José Carlos,
    É muito elucidativa a sua explicação sobre o escândalo e o perdão.
    Assim o Senhor aumente a nossa fé cientes de que à Sua imitação estaremos prontos a perdoar sete vezes ao dia, apoiados na oração para, ela Sua misericórdia, merecer igualmente o Seu perdão.
    Tenha uma santa noite,
    GVA

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  2. Frei José Carlos,

    Como sabe, etimologicamente “escândalo” significa armadilha, cilada, tropeço, qualquer impedimento colocado no caminho e que faz alguém tropeçar ou cair. E o Frei José Carlos refere que quando Jesus faz o primeiro aviso aos seus discípulos usa a palavra “escândalos” com este significado, exemplificando que para Jesus ...” escândalo é aquilo que não só falta à caridade que devemos ao próximo mas também que afasta e destrói no outro a confiança e a fé em Deus. Pelo que as possibilidades de provocarmos escândalo está muito mais à nossa mão, muito mais perto de nós e factível, que certamente até a possibilidade de provocarmos escândalos sexuais.”
    Os escândalos são intemporais, de todos nós, o que não nos desresponsabiliza, mas ao contrário e como afirma, deve levar-nos a evitá-los, a não provocá-los, a não escandalizar os que em nós criaram expectativas.
    Mas fala-nos de um segundo aviso de Jesus o …”processo que devemos desenvolver para viver verdadeiramente o perdão”... Como nos diz, este processo, por vezes, é longo, interactivo, ter um “coração aberto”, implica estar disponível para estender a mão ao nosso próximo, tantas vezes quantas as necessárias, como Jesus faz connosco.
    Oremos com o Frei José Carlos, “Peçamos ao Senhor que aumente a nossa fé e vigilância sobre o perdão que nos merecemos reciprocamente na misericórdia de Deus“.
    Obrigada por esta profunda e bela Meditação que connosco partilhou. Bem haja.
    Um abraço fraterno
    MJS

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