sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Lembrai-vos da mulher de Lot (Lc 17,32)

Jesus prossegue nesta passagem do capítulo dezassete do Evangelho de São Lucas a preparar os discípulos para a vida e o seguimento após a sua partida para junto do Pai. Depois de lhes ter falado do Reino e da sua invisibilidade hoje fala-lhes do espírito que deve habitar no discípulo face a essa invisibilidade e ao desconhecimento do momento em que definitivamente se manifestará o Reino dos céus.
Assim, fazendo memória das figuras de Noé e de Lot, Jesus coloca a realidade quotidiana como inevitável, como uma constante da vida humana à qual não podemos fugir. Estamos no mundo, fazemos parte de uma história, e por isso trabalhamos e comemos, plantamos e construímos, casamo-nos e constituímos famílias, vivemos a vida. É assim e deve ser assim, embora possa ser diferente e haja quem opte por ser diferente e viver de modo diferente.
Mas ao ser assim, ao viver de acordo com os parâmetros mais comuns e reconhecidos, e tendo presente a invisibilidade da presença do reino em tudo o que fazemos ou podemos fazer, Jesus recorda-nos através da mulher de Lot uma realidade que não podemos deixar de ter no horizonte, o futuro, o que se nos depara pela frente.
Os mensageiros que são enviados a Lot e o obrigam a retirar-se de Sodoma, como nos conta o livro dos Génesis, recomendam-lhe que no caminho da fuga não olhe para trás. A mulher de Lot não foi capaz de obedecer à recomendação e olhou para trás transformando-se dessa forma numa estátua de sal.
Ao pedir que nos lembremos da mulher de Lot, face ao nosso quotidiano e à vida que levamos, e à possibilidade do seguimento fiel, Jesus coloca como condição esse espírito de quem tem os olhos postos no que o espera, no futuro e não no passado. É uma imagem de outras palavras, de quando Jesus disse que quem deitava as mão ao arado e olhava para trás não era digno do Reino dos céus.
É este espírito que nos deve habitar, esse espírito que não olha para trás, que se recusa a ter saudades do passado, do vivido, a viver continuamente num tempo que já foi, porque se há que ter saudades é do tempo futuro. É o espírito que vive o tempo presente com entrega e amor, procurando o melhor e o mais perfeito, mas sabendo que tudo é provisório e só ganha a sua verdadeira dimensão e sentido à luz de uma eternidade que nos está prometida pelo amor de Deus.
Assim, quem quiser salvar a sua vida nesta história perdê-la-á, porque procura a salvação no que é provisório, caduco e finito e portanto perecível, mas quem perder a sua vida nesta história há-de salvá-la porque a perda está fundada numa esperança que é já vitória alcançada.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Li e reli o texto que connosco partilhou e fiquei a reflectir nele, pelas três dimensões de que fala (passado, presente e futuro) e, particularmente pelo papel de relevo dado ao presente e ao futuro com o qual concordo, mas creio que não é possível fazer “tábua rasa do passado”. Também não interessa ficar a “remoer” no mesmo. Porém, creio que em todos nós, se não há uma linha de continuidade, não conseguimos deixar de ver o “reflexo” desse passado, de senti-lo, dado que no “todo” que somos, não é fácil, “deixar de olhar para o passado”. Talvez eu não esteja a interpretar correctamente. Será, Frei José Carlos?
    Não tenho dúvidas do que nos propõe, o importante é o “espírito de quem tem os olhos postos no que o espera, no futuro e não no passado”. (…) É o espírito que vive o tempo presente com entrega e amor, procurando o melhor e o mais perfeito, mas sabendo que tudo é provisório e só ganha a sua verdadeira dimensão e sentido à luz de uma eternidade que nos está prometida pelo amor de Deus”.

    Que o nosso compromisso no presente e no futuro seja de partilha, de amor, de entrega, de misericórdia, com o nosso próximo, e de esperança na “eternidade que nos está prometida pelo amor de Deus”.

    Obrigada pela partilha que como sempre nos questiona, nos interpela directa ou indirectamente. Bem haja.

    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

    ResponderEliminar
  2. Olá Maria José
    ao ler o seu comentário, e a questão que coloca, dou-me conta que a expressão "olhar para o passado" não foi a mais feliz, é como verificou propensa a equivocos, porque como também e tão bem diz não podemos fazer tábua rasa do pasado. Não podemos e não devemos. Contudo essa tendência de olhar para o passado pode impedir-nos de olhar para o futuro, irremediavelmente, e mais, presos a alguns erros e a algumas falhas pode impedir-nos de viver à luz da graça de Deus, de aceitar o seu perdão misericordioso. Devemos olhar o passado, aprender com o que nele fizemos e vivemos, mas manter o espirito sempre aberto e atento à novidade que Deus no promete no futuro.
    Um abrazo fraterno
    José Carlos

    ResponderEliminar
  3. Boa tarde Frei José Carlos,

    Obrigada pela disponibilidade e compreensão que manifesta quando alguma dúvida nos surge.
    A clarificação que faz é muito importante e completa tudo o que escreveu e tem escrito. Bem haja.

    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

    ResponderEliminar