quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Carta desde Coimbra

Há mais ou menos dois séculos alguém escrevia assim desde Coimbra. É uma carta do Prior Provincial para o Prior do Convento de São Domingos de Lisboa. Por ela e por outras que se encontram à guarda do Arquivo da Torre do Tombo podemos acompanhar a visita canónica do Prior Provincial aos conventos, as questões de governo, e não só, que o preocupavam, e as dificuldades de quem viajava pelo país por esses tempos.

Ao Reverendíssimo Padre Mestre Frei Cristóvão de Santa Catarina de Sena,
Guarde Deus Prior do nosso Convento de São Domingos de Lisboa
Do Prior Provincial
Reverendíssimo Padre Mestre Prior e meu particular amigo, com efeito na segunda-feira parti de Abrantes, na quarta cheguei a Coimbra, mas com que calor? Mas quanto me abrasou? Nem de dia nem de noite tenho feito mais do que suar, com tudo não tenho tido coisa de maior, porque de Abrantes até Punhete vim embarcado, dali até Tomar a cavalo, e de Tomar a Condeixa de caleche e dali a Coimbra outra vez a cavalo: em fim, estou aqui menos mal do que esperava; descanso até à semana e se o tempo refrescar irei então até Aveiro.
Recebi as suas cartas aqui e em Abrantes no mesmo dia em que sai a sua e a que esperava de Santa Joana, que me deu a certeza de se não perder a minha. A que me remeteu de Roma, nada mais contém do que o recibo do livro e a nota da morte do Procurador-Geral da Ordem o Padre Mestre Chieza.
Aqui todos padecem, mas não de maior e todos se recomendam; eu o faço também a todos dentro e fora; e lhe peço, queira mandar entregar a inclusa; e tratar da sua saúde, que muito cordialmente lhe desejo por quem sou.
De Vossa Reverendíssima
Amigo muito Verdadeiro e Servo Venerador
Frei Francisco Joaquim de Santa Ana
26 de Junho de 1818

1 comentário:

  1. Bom dia Frei José Carlos,

    No quadro de temas diversificados e importantes que aborda, é sempre com interesse que leio o que partilha connosco, por várias razões. Pelo interesse em conhecer mais e melhor os Dominicanos, e particularmente porque tenho aprendido imenso, levando-me sempre que tenho oportunidade a outras leituras e reflexões.
    É interessante a publicação da “Carta desde Coimbra” na sequência da Jornada Dominicana por Coimbra que fez e que tão gratificante deve ter sido para o Frei José Carlos e para todas (os) que puderam usufruir do convívio que proporcionou.
    A publicação da carta de hoje ilustrada com um bonita fotografia de Coimbra (com um Mondego que foi obrigado a deixar de ser um rio “preguiçoso”), com uma forma epistolar cuidada, para além das questões que o Prior Provincial trata, ilustra a situação do país relativamente ao desenvolvimento dos meios de transporte. Viajar era uma “aventura”. Hoje que existem os meios (em excesso, na faixa litoral), a aventura é de outra ordem. É o espelho do comportamento de cada um de nós, revelador da sociedade que construímos.
    Obrigada pela partilha. Bem haja.
    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

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