terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dai o que está dentro e tudo ficará limpo (Lc 11,41)

Em resposta ao apelo de conversão proclamado diante da multidão, e que meditávamos no dia ontem, um fariseu convida Jesus para sua casa, para uma refeição na sua intimidade. Acreditamos que o fez com a melhor das intenções, sentindo-se interpelado pelas palavras de Jesus, não desejando certamente ser julgado por qualquer ninivita.
Mas um pequeno incidente, uma questão de higiene, porque Jesus não praticou as abluções rituais prescritas, revela o quanto aquele homem necessitava ainda de conversão, de quando necessitava ainda descobrir o que havia no seu interior que carecia de ser limpo, purificado.
Perante a admiração e o escândalo daquele anfitrião que o tinha convidado para sua casa e para a sua intimidade, Jesus não finge, não se retrai de respeitos humanos, mas responde directamente, de forma bastante dura e reveladora do coração daquele que o tinha convidado. O escândalo do fariseu era uma pura hipocrisia e por isso Jesus não responde à susceptibilidade ferida mas ataca a fonte desse escândalo e dessa hipocrisia.
Afinal o que importa não é a limpeza ou falta dela, não são os ritos de ablução, mas o que está no coração do homem e se mantém escondido sob as aparências do que é necessário mostrar. Aquele fariseu, com aquele escândalo, apenas tinha revelado a duplicidade da sua vida, a contradição tremenda entre o que exigia exteriormente, tanto para si como para os outros, e o que no interior do seu coração possuía. Havia um abismo entre o que se mostrava e o que se era.
Este abismo está também presente nas nossas vidas, umas vezes mais declarado outras vezes mais subtil, mas sempre ou quase sempre presente. E por isso as palavras de Jesus são interpeladoras, não nos podem deixar indiferentes, devem provocar algum desejo de mudança, pelo menos.
E neste abismo, não podemos deixar de ter presente que na nossa vida social há convenções, há regras, há respeitos que nos são exigidos e não podemos prescindir deles. Há depois também a liberdade da nossa intimidade, da nossa vida privada, e da qual também não podemos abdicar. Uma e outra dimensão do nosso viver em grupo e em sociedade são fundamentais e necessários.
Contudo, e ainda que haja estes dois mundos, nos quais nos assumimos de forma diferente, tanto num como noutro há um supra mundo, se assim o pudemos dizer, uma teia ou rede, um núcleo, que deve produzir uma unidade, uma coerência, um equilíbrio saudável entre o interior e o exterior.
Há uma verdade interior que nos deve marcar enquanto estamos com os outros e construímos a sociedade e quando estamos sozinhos e nos encontramos connosco próprios e com Deus. É essa verdade, esse fundo nuclear, que nos dá unidade e que não deve ser vivido de forma diversa em função da diversidade da situação em que nos encontramos. Para além da hipocrisia podemos cair na esquizofrenia.
E porque Jesus Cristo era um bom psicólogo não se limitou a diagnosticar o problema do fariseu nem a condená-lo. Tal seria contradizer a missão de vida entregue pelo Pai, porque não veio para condenar mas para salvar.
Assim, ao mesmo tempo que denúncia a hipocrisia do fariseu, Jesus aponta o remédio para ela, a esmola, a doação do que está dentro, porque essa esmola purificará. É interessante ver como Jesus frisa essa dimensão interior, não basta um gesto exterior de partilhar o que possuímos, é fundamental partilhar o que somos.
E este é um processo verdadeiramente purificador porque ao partilhar o que possuímos interiormente nos confrontamos e descobrimos na nossa fragilidade, na nossa miséria, no quanto ainda temos que aprofundar na fidelidade ao amor de Deus em que acreditamos. A doação interior impedirá inevitavelmente uma imagem falsa, uma duplicidade entre o que se é e o que se mostra e os outros vêem, essa vaidade orgulhosa de nos vermos melhores que os outros.
Jesus deixa-nos o desafio e por isso cabe-nos a nós procurar viver essa esmola, essa doação do que verdadeiramente somos para não cairmos na hipocrisia e nessa esquizofrenia espiritual de nos sabermos pobres pecadores mas nos mostrarmos impecavelmente perfeitos. Que a graça do Senhor e a força do Espírito Santo nos humanize para então podermos em verdade ser santos.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Recorda-nos que “é fundamental partilhar o que somos”. Leio e fico a reflectir no texto da Meditação que partilha connosco. Pergunto-me se todos temos um pouco de fariseu, num mundo em que construímos uma sociedade de aparências em todos os meios, incluindo a forma como vivemos o ser cristão, como é possível, Frei José Carlos, viver ou até sobreviver, quando se tenta assumir outra forma de estar?
    Como nos diz ...“ as palavras de Jesus são interpeladoras, não nos podem deixar indiferentes, devem provocar algum desejo de mudança, pelo menos”.(…)
    E como nos salienta ...” Há uma verdade interior que nos deve marcar enquanto estamos com os outros e construímos a sociedade e quando estamos sozinhos e nos encontramos connosco próprios e com Deus. É essa verdade, esse fundo nuclear, que nos dá unidade e que não deve ser vivido de forma diversa em função da diversidade da situação em que nos encontramos.”…
    Mas Jesus ao denunciar a hipocrisia do fariseu apontou uma forma de ultrapassá-la como nos refere …”Assim, ao mesmo tempo que denúncia a hipocrisia do fariseu, Jesus aponta o remédio para ela, a esmola, a doação do que está dentro, porque essa esmola purificará. É interessante ver como Jesus frisa essa dimensão interior, não basta um gesto exterior de partilhar o que possuímos, é fundamental partilhar o que somos.”…
    Peçamos a Deus que nos ajude na reflexão sobre a análise de quem somos, do que podemos partilhar, como seres de um só rosto, unos fisica e espiritualmente, aceitando o desafio de Jesus e a exortação que nos faz para que a pureza seja uma atitude interior …”E este é um processo verdadeiramente purificador porque ao partilhar o que possuímos interiormente nos confrontamos e descobrimos na nossa fragilidade, na nossa miséria, no quanto ainda temos que aprofundar na fidelidade ao amor de Deus em que acreditamos. A doação interior impedirá inevitavelmente uma imagem falsa, uma duplicidade entre o que se é e o que se mostra e os outros vêem, essa vaidade orgulhosa de nos vermos melhores que os outros.”…
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda e maravilhosa meditação. Dá-nos força para não termos receio de nos olharmos nas duas faces do espelho. Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar