Uma vez mais o Evangelho de domingo apresenta-nos um confronto entre Jesus e os fariseus, realidade quase constante em todo o capítulo vinte e dois do Evangelho de São Mateus.
Depois da entrada triunfante em Jerusalém e do episódio da expulsão dos cambistas e vendilhões do templo, os fariseus apresentaram-se a Jesus para o interrogar sobre o pagamento do tributo a César. Foi o momento da abertura das hostilidades na cidade santa.
Vencidos na resposta de Jesus, cederam o lugar e a frente da hostilidade aos saduceus, ao grupo a que eles mesmos se opunham em questões fundamentais. Coube a estes, por questões ideológicas perguntar sobre a ressurreição, afinal a quem pertenceria a mulher que tinha casado com seis irmãos.
Vencidos também na resposta de Jesus, os saduceus cedem novamente o lugar aos fariseus, que retomam o ataque, embora desta feita com mais prudência, de uma forma mais subtil, pois não enfrentam Jesus em grupo mas enviam um doutor da lei, alguém habituado aos debates teológicos e a essa prática ancestral de traduzir os mandamentos da Lei para o momento presente.
É assim que nos encontramos hoje com um doutor da Lei que pergunta a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, ou seja, face às realidades presentes, àquilo que tinha dito, ensinado e feito, qual era o mandamento sobre o qual se alicerçava e fundamentava tudo o que fazia.
É uma questão difícil, porque reduzir ou sintetizar toda a Lei e o conjunto dos seus preceitos a um único mandamento exigia um profundo conhecimento dessa mesma Lei e um poder de síntese que não estava a alcance de qualquer um. Era uma armadilha quase que sem resposta, ou pelo menos de grande exigência.
Contudo, Jesus não fica calado, não se deixa intimidar pela questão e responde ao doutor da Lei fazendo referência e citando duas passagens da Escritura que escapavam ao Decálogo, a primeira relativa a Deus do Livro do Deuteronómio (6,5) e a segunda relativa ao amor dos irmãos do Livro do Levítico (19,18). É uma resposta embaraçante que apanha o doutor da Lei na sua própria armadilha.
Ao reconhecer a verdade da resposta de Jesus, que de facto aqueles eram o maior mandamento, o doutor da Lei tinha que reconhecer também a falsidade da sua atitude, a falta absoluta de caridade, a inveja que o consumia e os ciúmes em que estava enredado (Cf. S. João Crisóstomo, Homilia Mateus 71,1).
Ao não responder directamente à questão do doutor da Lei e ao apresentar estas duas citações de textos sagrados, Jesus ultrapassa os próprios mandamentos na sua materialidade, no seu preceituado e regulamento, para fazer incidir a luz sobre o que verdadeiramente importa no conjunto dos mandamentos e preceitos.
Assim, tanto uma citação como outra partem do princípio do amor, “amarás”, e o verbo apresenta-se no futuro para mostrar que é uma tarefa sempre a desenvolver, um mandamento nunca cumprido mas sempre a cumprir. Há uma dimensão de intemporalidade e abrangência no mandamento do amor, que não se vive apenas hoje, mas se viveu no passado e se viverá no futuro, que não se reserva para apenas uma realidade ou dimensão mas para todas as que comportam a vida do homem.
E porque se dirige a todas as realidades e dimensões do homem o objecto do amor é apresentado por Jesus numa dupla manifestação, realização. Antes de mais o amor devido a Deus de todo o coração e com todo o espírito, e de forma semelhante o amor devido aos irmãos como a si mesmo. Esta semelhança do primeiro mandamento com o primeiro resulta da simples verdade que o segundo prepara o caminho ao primeiro e este por sua vez é confirmado pelo segundo (Cf. São João Crisóstomo, Homilia 71,1).
A leitura do Livro do Êxodo mostra-nos explicitamente essa opção de Deus pelos mais fracos, pelos órfãos, pelas viúvas, pelos estrangeiros e espoliados, como faz junto dessas realidades gritantes a sua morada e presença. A sua compaixão por essas mesmas realidades culminou no mistério da Encarnação, nessa participação da nossa fragilidade, para que não esquecêssemos nunca que ali nos encontraremos sempre com Ele.
E portanto o amor aos irmãos é sempre uma oportunidade de encontro, de vivência do mandamento, é sempre um caminho a trilhar para nos encontrarmos com essa outra face da realidade do mandamento do amor que é o amor devido a Deus. Amor que Jesus apresenta como prioritário, em primeiro lugar, sem qualquer pretensão de espiritualismo balofo ou misticismo vazio, mas porque só na medida do nosso descentrar em Deus, do nosso sair de nós próprios para nos encontrarmos em Deus, poderemos também sair de verdade para ir ao encontro do outro.
De facto, só na medida em que nos descentrarmos e nos encontrarmos naquele que é a fonte e o fim da nossa vida poderemos amar os outros em espírito e verdade, com um amor casto que não possui o outro como objecto ou propriedade mas salvaguarda a liberdade e a doação que lhe é devida.
Neste domingo em que nos é solicitado pela Igreja que ajudemos as missões através das nossas ofertas e das nossas orações, cabe a cada um de nós assumir como essa tarefa da missão está à nossa porta. Como nos diz São Paulo na Carta aos Tessalonicenses, o testemunho com alegria no meio das tribulações, o acolhimento do outro que necessita e a conversão dos nossos ídolos ao Deus vivo, pode ser a maior divulgação da fé e da esperança no amor que nos salva, a realização da missão a que Jesus nos convida.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarNo texto da Homilia do XXX Domingo do Tempo Comum que partilha connosco na qual aborda principalmente a resposta dada por Jesus aos fariseus à questão religiosa colocada por um doutor da Lei sobre qual era o maior mandamento da Lei, é sobre o mandamento do amor que nos fala e dos quesitos para vivê-lo com sinceridade, de verdade. Jesus não terá surpreendido na primeira citação mas certamente surpreendeu ao juntar ao primeiro mandamento o segundo “Amarás o próximo como a ti mesmo.
E, como, o Frei José Carlos salienta no texto e que passo a citar ...” Assim, tanto uma citação como outra partem do princípio do amor, “amarás”, e o verbo apresenta-se no futuro para mostrar que é uma tarefa sempre a desenvolver, um mandamento nunca cumprido mas sempre a cumprir. Há uma dimensão de intemporalidade e abrangência no mandamento do amor, que não se vive apenas hoje, mas se viveu no passado e se viverá no futuro, que não se reserva para apenas uma realidade ou dimensão mas para todas as que comportam a vida do homem.
E porque se dirige a todas as realidades e dimensões do homem o objecto do amor é apresentado por Jesus numa dupla manifestação, realização. Antes de mais o amor devido a Deus de todo o coração e com todo o espírito, e de forma semelhante o amor devido aos irmãos como a si mesmo. (…)
E portanto o amor aos irmãos é sempre uma oportunidade de encontro, de vivência do mandamento, é sempre um caminho a trilhar para nos encontrarmos com essa outra face da realidade do mandamento do amor que é o amor devido a Deus”.
Só a fé e o amor nos permitem procurar Deus, transformar-nos, estar disponíveis para ir ao encontro do próximo, ser solidário nos bons e nos maus momentos. Deixarmo-nos amar por Jesus e viver na prática, a Palavra, amando-nos uns aos outros.
E se sempre foi necessário ser solidário para com o nosso próximo, os tempos que vivemos, colocam-nos à prova, para de forma discreta, partilharmos o que temos não apenas bens materiais, mas disponibilidade também de tempo, muitas vezes tanto ou mais necessário como a partilha material. Afinal, ser missionário ao pé de casa.
Permita que façamos nossas as palavras do Frei José Carlos …”De facto, só na medida em que nos descentrarmos e nos encontrarmos naquele que é a fonte e o fim da nossa vida poderemos amar os outros em espírito e verdade, com um amor casto que não possui o outro como objecto ou propriedade mas salvaguarda a liberdade e a doação que lhe é devida.”…
Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda Homilia que nos desinstala e nos ajuda a repensar os nossos comportamentos e provavelmente a modificá-los, tarefa nem sempre fácil, num mundo em que o amor a Deus e ao próximo não é a primeira prioridade. Bem-haja.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva