Homilia do XXVII Domingo do Tempo Comum

Nos últimos domingos temos vindo a escutar na leitura do Evangelho as parábolas de Jesus sobre a vinha e o seu cuidado. A primeira sobre os diversos trabalhadores que o senhor da vinha foi contratando ao longo do dia, a segunda sobre o convite aos dois filhos para irem trabalhar na vinha e esta última sobre os trabalhadores que assassinam os enviados e o filho do proprietário da vinha.

Estas duas últimas parábolas, a da semana passada e a de hoje, situam-se historicamente já depois da entrada de Jesus em Jerusalém e do incidente de Jesus com os vendedores do templo, expulsos violentamente. Perante tal acto os anciãos do povo e os príncipes dos sacerdotes encontram-se com Jesus para o questionar sobre a sua autoridade para tal. Afinal quem é que lhe deu poder para agir de tal maneira?

Podemos presumir que para além da interrogação sobre este acto bastante ousado, subjaz no questionamento uma procura de explicação para tudo o que sabiam de Jesus e tinham escutado sobre ele, os milagres realizados, as curas, as palavras críticas dirigidas aos membros do governo religioso. Quem era ele para fazer o que fazia?

Respondendo a esta questão e a tudo o que lhe está subjacente Jesus apresenta-lhes numa parábola a profecia de Isaías, o canto de Isaías à vinha do amigo, um texto que eles conheciam como chefes religiosos e lhes mostrava claramente a resposta que buscavam.

Eles eram a vinha do Senhor, uma vinha transplantada do Egipto, murada e cuidada pelo Senhor e da qual se esperava que desse frutos, cumprisse o designo patente na Aliança de levar todos os povos ao conhecimento de Deus. Mas o povo e nomeadamente Jerusalém não só não tinha dado os frutos esperados e possíveis como tinha tratado mal ao longo da sua história aqueles que o mesmo proprietário da vinha tinha enviado para recolher os frutos devidos.

Jesus insere-se assim na longa linha dos profetas enviados por Deus e que tinham sido recusados e aniquilados por Jerusalém e portanto pelo povo liberto do Egipto. E para que a compreensão fosse completa não deixa de fazer apelo a João Baptista e à forma como tinha sido tratado ainda há tão pouco tempo.

Inserindo-se nesta linha profética Jesus assume não só o passado mas anuncia também o futuro e por isso o filho do senhor da vinha vai ser assassinado fora dos muros da vinha, num gesto de recusa total da última oferta do proprietário da vinha. É o Evangelho de São Lucas que frisa esta mesma exteriorização do crime quando nos diz que Jesus foi crucificado fora dos muros da cidade de Jerusalém. Cumpre-se assim a parábola.

Mas se a parábola se cumpre na realidade da morte do filho cumpre-se também nas suas consequências, ou seja no resgate da vinha das mãos dos vinhateiros assassinos para ser entregue a outros que cuidem dela e entreguem os frutos no devido tempo. A vinha do Senhor com a sua correspondente Aliança foi retirada ao povo judaico e entregue aos outros povos que acolheram e acreditaram na palavra do filho enviado.

Como cristãos, homens e mulheres que acreditam em Jesus Cristo, derivam desta transferência consequências para a nossa vida, realidades que não podemos descuidar para que possamos dar fruto e não nos seja retirada também a vinha entregue.

Uma dessas realidades está bem patente na parábola e no cuidado que o Senhor da vinha teve com a mesma vinha antes de a entregar aos vinhateiros, àqueles que são chamados a cuidar dela e a alcançar os frutos. Assim, é-nos dito que o Senhor plantou a vinha, mas também a murou, também lhe construiu um lagar e também lhe edificou uma torre.

O senhor entrega a vinha como uma verdadeira herança constituída em património, uma jóia, o que exige da nossa parte como vinhateiros essa consciência de que nos foi feita uma oferta, e uma grande oferta. É um dom e são os dons.

Neste sentido é evidente que o Senhor toma a iniciativa, que Deus vem ao nosso encontro e nos apresenta e oferece uma vinha já bastante cuidada e constituída. Podemos dizer que o grande trabalho foi feito por Deus e portanto a nós cabe-nos apenas cuidar dessa obra, dessa vinha herdada e entregue com amor. Somos os filhos que devemos trabalhar na vinha porque afinal é nossa na medida em que a cuidarmos e nos entregarmos ao seu cuidado.

Uma consequência que deriva da vinha entregue ao nosso cuidado é a necessidade de frutos, a necessidade de apresentar os frutos que o Senhor espera de nós e da capacidade de cada um. E aqui podemos ter uma grande tentação, uma tentação que nos pode levar a desistir de procurar os frutos, a cruzar os braços, e que é a tentação da perfeição.

É verdade que Jesus nos recomenda que sejamos perfeitos como o Pai celeste é perfeito, mas não podemos conceber nem querer esta perfeição como algo alcançável neste mundo e nesta nossa circunstância humana. Somo demasiado frágeis e limitados para tal e por isso temos que perceber esta perfeição como um processo, como uma tendência no sentido da qual nos desenvolvemos, uma aspiração que se desenha no nosso horizonte.

Para combater esta tentação e produzir os frutos que nos são devidos na nossa fragilidade e limitação temos os conselhos que são Paulo envia aos Filipenses e que são aplicáveis em qualquer idade, em qualquer condição e em qualquer situação que nos encontremos. Não há realidade nenhuma, desde a intimidade matrimonial às relações laborais e profissionais que não possam ser objecto de justiça e pureza, de amabilidade e reputação, de verdade e nobreza, de virtude e louvor.
Na medida em que formos capazes de fazer as nossas coisas do dia a dia de uma forma justa e pura, com verdade e nobreza, de forma amável e gerando boa reputação e louvor, afinal com virtude, estaremos as produzir os frutos que o Senhor espera da vinha e de cada um de nós.

O Senhor entregou-nos a vinha mas também os meios para cuidarmos dela e produzirmos frutos, meios que estão bem ao alcance da nossa condição e da nossa humanidade, temos apenas que estar atentos e conscientes deles, e fazer uso com diligência e sabedoria. Para tal pedimos ao Senhor a luz e a força do Espírito Santo e a protecção dos Santos Anjos da guarda.