domingo, 30 de outubro de 2011

Homilia do XXXI Domingo do Tempo Comum

As leituras deste domingo parecem dirigidas particularmente àqueles que ocupam lugares de ensino e pregação da Palavra de Deus. A condenação que a profecia de Malaquias apresenta relativamente aos serviços dos sacerdotes do templo de Jerusalém, o testemunho de São Paulo relativamente à sua missão junto dos Tessalonicenses e a chamada de atenção de Jesus face à duplicidade de critérios e atitudes dos fariseus e escribas, colocam na ribalta da nossa atenção os sacerdotes e todos aqueles que trabalham e dirigem a Igreja.
Contudo, não podemos apenas centrar-nos nessas pessoas e nesses lugares, porque se num primeiro momento a denúncia de Jesus se dirige aos que se sentaram na cadeira de Moisés, portanto àqueles que têm poder de ensino e governo religioso, essa denúncia visa no seu fim último colocar os discípulos de sobreaviso relativamente à qualidade das relações e vida que deve existir entre eles.
Neste sentido, não podemos esquecer que ao construir a sua crítica aos fariseus e escribas Jesus não coloca em questão a autoridade do ensino em si mesmo, Jesus não contesta a função que os escribas e fariseus exercem. Bem pelo contrário exorta mesmo os seus ouvintes a cumprirem o que os escribas recomendam e mandam, e se não é pelo exemplo de vida, que parece que não existe, que seja pela autoridade que deriva da própria função que exercem, da própria lei que servem e ensinam. Jesus exorta assim à obediência em virtude do que os fariseus e escribas ensinam, do que lhes é prévio, que é a Lei de Deus.
Não podemos esquecer também que nesta crítica que Jesus tece ao comportamento dos fariseus sobre o dizer e o fazer está patente uma condenação que se reparte e agrava por três âmbitos; ou seja, os fariseus e escribas são condenáveis antes de mais por infringirem a lei, depois por não a ensinarem correctamente aos outros, uma vez que a infringem e portanto testemunham erradamente, e por fim porque neste testemunho o seu mau exemplo ganha mais força corruptiva, na medida em que são tidos como mestres e como exemplo.
Mas, como se isto não fosse suficiente, Jesus desmascara ainda um outro comportamento também condenável, que é o sobrecarregar os outros com duros e pesados preceitos, exigências que não se está disposto a assumir, face às quais se permite a liberdade de as não cumprir mas que liminarmente se recusa aos outros.
Jesus coloca assim diante daquela multidão que o ouvia, dos discípulos e de cada um de nós uma oposição entre o que se diz e o que se faz. Contudo, necessitamos ultrapassar esse primeiro nível da evidência e perceber que de facto não existe oposição nenhuma, uma vez que aquilo que os fariseus e escribas não fazem não cria oposição. Não se trata de incoerência, que seria fazer o contrário, mas bem pelo contrário é uma dissociação entre o fazer e o dizer, uma fachada desabitada, um espectáculo vazio.
E para mostrar esta dissociação, este espectáculo, porque não se trata de outra coisa, Jesus apresenta os exemplos das borlas e das filactérias. Criadas pela lei da Aliança para recordarem ao homem a sua relação com Deus, acabaram por se tornar um mero adorno e um meio de manifestação de vaidade. A filactéria diante dos olhos e atada à mão (Dt 6,8) recordariam ao homem que a lei do Senhor deveria guiar as suas acções e deveria ser meditada todos os momentos da vida. As borlas do manto (Nm 15,37-41) tinham também a mesma função recordatória de povo eleito, povo chamado à santidade, e portanto com comportamentos e atitudes únicas.
Como diz São Jerónimo no seu comentário a esta passagem do Evangelho de São Mateus estes objectos tornaram-se “como armários cheios de livros mas sem qualquer conhecimento de Deus” (321). Ou pior ainda, transformaram-se em sinais e meios para buscar apenas a vã glória dos homens, de que os primeiros lugares nos banquetes e nas sinagogas é mais uma manifestação. Os homens passaram a viver em função da aparência, tendo como referência e ponto de consciência apenas o que os outros possam dizer. A alegria que gozam advém-lhes assim apenas da idealização da sua própria imagem.
Perante este desastre e o perigo que os discípulos podiam correr, e que nós também podemos correr, Jesus não se limita à mera condenação do comportamento dos fariseus, da falsidade da sua vida, mas apresenta o caminho para a salvaguarda de tamanha tentação, ou seja apresenta aos discípulos a humildade como forma de vencer essa dissociação entre o que se diz e o que se faz.
Humildade que passa por não permitir um qualquer tratamento de superioridade ou exclusividade, que passa como nos diz Jesus e São Paulo na Carta aos Tessalonicenses por se fazer o mais pequeno de todos, o último de todos. E não porque somos uns pequeninos, uns miseráveis, porque aceitamos viver em sindroma de inferioridade, pelo contrário, porque na nossa força, na nossa grandeza assumimos o amor maternal que nos faz colocar os outros primeiros, assumimos a humilhação do Filho de Deus que se fez homem para exaltar todos os homens à direita do Pai.
A humildade que Jesus nos convida a viver e nos propõe como remédio para essa duplicidade de vida, para a máscara que criamos tantas vezes, é a possibilidade de uma vida de qualidade, de uma vida em que as relações se estabelecem e constroem fundadas nessa certeza de que todos somos iguais porque filhos de Deus e irmãos em Jesus Cristo.
Saibamos nós querer, que é outra falta que Jesus aponta igualmente aos fariseus e escribas, que não querem mover nenhum fardo daqueles que impõem aos outros nem com um dedo. Saibamos nós querer e apliquemos todas as nossas forças e disponibilidade, porque na medida em que o fizermos Deus virá ao nosso encontro com o dom da fortaleza que nos faz enfrentar todos os desafios com esperança e confiança.
E que a Virgem Santa Maria, mulher que tudo fez para apenas ser vista pelo Senhor, interceda por nós.











1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    A liturgia deste Domingo e a Homilia que partilha connosco leva-nos a que façamos um exame de consciência, a começar por cada um de nós, hoje e sempre. Como nos recorda ... “Jesus coloca assim diante daquela multidão que o ouvia, dos discípulos e de cada um de nós uma oposição entre o que se diz e o que se faz. Contudo, necessitamos ultrapassar esse primeiro nível da evidência e perceber que de facto não existe oposição nenhuma, uma vez que aquilo que os fariseus e escribas não fazem não cria oposição. Não se trata de incoerência, que seria fazer o contrário, mas bem pelo contrário é uma dissociação entre o fazer e o dizer, uma fachada desabitada, um espectáculo vazio.”… (…)
    …” Os homens passaram a viver em função da aparência, tendo como referência e ponto de consciência apenas o que os outros possam dizer. A alegria que gozam advém-lhes assim apenas da idealização da sua própria imagem.”…
    E como nos salienta ...” Jesus não se limita à mera condenação do comportamento dos fariseus, da falsidade da sua vida, mas apresenta o caminho para a salvaguarda de tamanha tentação, ou seja apresenta aos discípulos a humildade como forma de vencer essa dissociação entre o que se diz e o que se faz.”…
    Ao reflectirmos, há somente um caminho para seguir o que Jesus nos ensinou: ser humilde e ser irmão, ainda que saibamos que é necessário um longo processo de transformação e crescimento, e a vontade interior para estarmos disponíveis a essa transformação.
    Como nos exorta, Frei José Carlos, ... “Saibamos nós querer e apliquemos todas as nossas forças e disponibilidade, porque na medida em que o fizermos Deus virá ao nosso encontro com o dom da fortaleza que nos faz enfrentar todos os desafios com esperança e confiança.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta importante e profunda Homilia. Que o Senhor o abençoe e proteja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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