domingo, 20 de maio de 2012

Domingo da Ascensão do Senhor

Celebramos hoje a Solenidade da Ascensão de Jesus ao céu e se há em algum momento dos Evangelhos uma mensagem com uma dimensão ecológica implícita tal acontece no trecho que escutámos, neste episódio da Ascensão narrado por São Marcos.
Ao despedir-se dos doze, Jesus não só lhes deixa o mandato de irem por todo o mundo, mas também o de anunciarem o Evangelho a toda a criatura. Esta ordem, deixada aos doze, assume assim a unidade universal, a dimensão cósmica de toda a criação e da redenção alcançada por Jesus. Não foram apenas os homens que foram redimidos, nem é só a eles que se dirige a mensagem de salvação, a obra salvífica de Jesus, mas a toda a criatura e a toda a criação.
Esta ideia da universalidade da salvação e a sua dimensão ecológica está já patente no Evangelho de São Marcos no capítulo primeiro, quando depois das tentações do deserto nos é dito que Jesus permaneceu ainda ali vivendo com os animais selvagens e sendo servido pelos anjos. O Evangelista assume dessa forma a profecia de Isaías, na qual se diz que o lobo viverá com o cordeiro, e proclama a sua realização em Jesus e na sua obra.
Inevitavelmente esta mensagem e esta dimensão têm consequências na nossa vida e na forma como nos posicionamos face aos outros homens, à natureza, e aos recursos naturais que exploramos e somos convidados a partilhar e a salvaguardar. Há uma ligação íntima entre todos nós, uma ligação estabelecida por Deus na obra da criação e que Jesus veio evidenciar e convidar-nos a preservar.
Neste sentido, e como cristãos, é-nos exigida uma maior atenção no que diz respeito à salvaguarda dos recursos naturais, à sua utilização racional e sustentável, a todas as modalidades e formas que civilmente surjam de preservação e combate ao esbanjamento material. Somos chamados a levar uma mensagem de paz, uma mensagem de equilíbrio, uma mensagem de esperança.
Porque a esperança, como diz São Paulo na Carta aos Efésios, é a outra grande realidade, o grande tesouro que nos é deixado com a ascensão de Jesus ao céu. Somos herdeiros e participantes de um processo que foi iniciado em Jesus, mas no qual estamos já todos envolvidos e somos participantes, que é a ascensão da natureza humana ao divino.
Confiantes nesse processo e nessa elevação vivemos na esperança de um dia não só partilhar da glória divina, mas desde já vivermos essa mesma dignidade na medida da nossa adesão e compromisso com ela. Somos hoje os filhos de Deus e nessa medida o mundo, a natureza, os nossos irmãos, esperam de nós um sinal de vida, um gesto de justiça, um acto de amor com cada uma das realidades com que interagimos.
Elisabeth Leseur no seu “Diário” escreveu um dia que “a alma que se eleva com ela eleva o mundo”, expressão verdadeiramente paradigmática do mistério da ascensão de Jesus que hoje celebramos e somos convidados a viver, pois em cada situação e em cada realidade devemos elevar o mundo, redireccioná-lo à verdade da sua origem e à bondade que lhe esteve subjacente.
Tal missão não está isenta de fracassos, nem de desânimos, e até de equívocos na sua prossecução, razão pela qual Jesus deixou aos seus discípulos e a todos os que acreditassem nele a promessa da sua presença e da sua cooperação, a presença e a força do Espírito Santo.
E a possibilidade de equivocação está bem patente na narração que os Actos dos Apóstolos fazem do momento da ascensão, pois apesar de tudo e de todos os ensinamentos os discípulos ainda perguntaram se era naquele momento que Jesus ia restaurar o reino de Israel. Uma vez mais mostram que não estavam a perceber grande coisa, que o grau de incompreensão era bastante elevado e abrangente.
E perante esta situação, Jesus não responde mais nada, não revela mais nada, apenas deixa a promessa do Espírito Santo e a necessidade de testemunhar o que tinham vivido, a experiência que tinham feito com ele de passagem da morte à vida, a esperança que daí derivava face a todas as outras realidades e desafios.
Que o Espírito Santo, memória viva e actuante de Jesus e de tudo o que ele viveu e ensinou, nos fortaleça no nosso testemunho e na esperança que nos habita, para que possamos enfrentar todos os desafios e anunciar a todas as criaturas que um reino de paz e amor é possível, a unidade e a fraternidade universal, cósmica, nos foi oferecida a todos por Jesus Cristo.

Ilustração: “Ascensão de Jesus”, de Rembrandt, Alte Pinakothek, Munique.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia do Domingo da Ascensão do Senhor que teceu e partilha é profundo e a abordagem da Ascensão como uma mensagem universal, de esperança e com uma dimensão ecológica implícita que Jesus deixa aos doze e que também nos é dirigida, é muito interessante, da qual, se me permite vou respigar algumas passagens que me tocam.
    Como nos salienta, ...” Não foram apenas os homens que foram redimidos, nem é só a eles que se dirige a mensagem de salvação, a obra salvífica de Jesus, mas a toda a criatura e a toda a criação. (…)
    (…) Inevitavelmente esta mensagem e esta dimensão têm consequências na nossa vida e na forma como nos posicionamos face aos outros homens, à natureza, e aos recursos naturais que exploramos e somos convidados a partilhar e a salvaguardar. Há uma ligação íntima entre todos nós, uma ligação estabelecida por Deus na obra da criação e que Jesus veio evidenciar e convidar-nos a preservar.
    Neste sentido, e como cristãos, é-nos exigida uma maior atenção no que diz respeito à salvaguarda dos recursos naturais, à sua utilização racional e sustentável, a todas as modalidades e formas que civilmente surjam de preservação e combate ao esbanjamento material. Somos chamados a levar uma mensagem de paz, uma mensagem de equilíbrio, uma mensagem de esperança. (…)
    (…) Somos herdeiros e participantes de um processo que foi iniciado em Jesus, mas no qual estamos já todos envolvidos e somos participantes, que é a ascensão da natureza humana ao divino.
    Confiantes nesse processo e nessa elevação vivemos na esperança de um dia não só partilhar da glória divina, mas desde já vivermos essa mesma dignidade na medida da nossa adesão e compromisso com ela. Somos hoje os filhos de Deus e nessa medida o mundo, a natureza, os nossos irmãos, esperam de nós um sinal de vida, um gesto de justiça, um acto de amor com cada uma das realidades com que interagimos.(…)
    (…)Tal missão não está isenta de fracassos, nem de desânimos, e até de equívocos na sua prossecução, razão pela qual Jesus deixou aos seus discípulos e a todos os que acreditassem nele a promessa da sua presença e da sua cooperação, a presença e a força do Espírito Santo.”…
    Para continuarmos a realizar o projecto libertador de Deus para os homens e para o mundo, que o Espírito Santo nos ilumine e nos dê a sabedoria para que cada um de nós participe na construção de um mundo novo, de paz, mais fraterno, mais solidário e mais justo, fortalecendo-nos nos momentos de desânimo.
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, que nos atiram a atenção para a situação do homem no mundo, na sua relação espiritual e de amor com Deus, com os outros seres humanos e com tudo o que o envolve, por razões de sobrevivência, de distribuição equitativa, de equilíbrio.
    Que o Senhor o ilumine e o abençoe. Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva


    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP


    ascensão



    descemos cada dia do monte da Ascenção/encobertos pela Nuvem e pelo Nome/daquele que tinha de subir e ausentar-se//

    a cada dia nos cabe perscrutar/o invisível derramado sobre a face das coisas/aí está o canto da corrente/que nos faz pressentir
    a frescura do céu;/aí estão as flores que pertencem ao mundo do Aberto,/frágeis e eternas//

    é a luz coada dessa morte/que é preciso manter/é o instante do olhar ascensional/que a liturgia alumia/porque só a distância/mantém as coisas belas e ligadas//

    agora é o tempo da reparação/de recoser o tecido que se rasga//

    esta é a hora de que nasce a reconciliação/entre o visível e o invisível//

    que a torrente de misericórdia/nos lave os olhos/da incredulidade e do imanentismo/que nos cega//


    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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