domingo, 6 de maio de 2012

Homilia do V Domingo do Tempo Pascal

O trecho do Evangelho de São João que escutamos neste domingo apresenta-nos o coração do discurso de Jesus durante a última ceia, um coração cuja função existencial é mostrar-nos que a permanência em Jesus, a união relacional com ele, é fundamental para a vida do discípulo, daquele que se propõe segui-lo. Não estranha por isso que em tão poucos versículos a palavra permanecer seja repetida sete vezes.
Para falar desta necessidade fundamental Jesus serve-se da metáfora da vinha e das vides que dão fruto, serve-se de uma realidade que para os seus ouvintes era perfeitamente identificável, não só pela existência de vinhas na Palestina e consequente produção de vinho e cuidados necessários, mas sobretudo porque era um tema caro aos profetas para falarem da Aliança de Deus com o povo de Israel.
Já os profetas Oseias e Isaías tinham usado a mesma metáfora para falarem de Israel, do povo que Deus tinha libertado e cuidava, do povo com quem tinha estabelecido uma aliança. Isaías diz mesmo que o Senhor plantou uma vinha, construiu-lhe um muro, uma torre e um lagar, cuidou dela, e quando esperava frutos em abundância, a vinha só deu ramos e folhas. Razão mais que suficiente para o Senhor se interessar por outras vinhas.
O discurso de Jesus apresenta no entanto uma novidade, uma concepção que se afasta e de algum modo se contrapõe à imagem tradicional, pois Jesus apresenta-se e identifica-se como a vinha verdadeira, ou seja, como o verdadeiro povo, o povo novo da nova Aliança. Jesus é a vinha, a verdadeira videira, plantada pelo Pai e que dá os verdadeiros frutos, aqueles que o Pai e vinhateiro sempre esperou. E todos os que estão unidos a ele, que permanecem nele são capazes de produzir os mesmos frutos.
Jesus apresenta-se assim numa individualidade e comunidade que são inseparáveis, apresenta-se como vinha e videira na sua pessoa e ao mesmo tempo na unidade daqueles que se ligarem a ele na comunidade dos discípulos. Ele é a videira que o Pai plantou entre os homens e todos os que permanecerem unidos a ele como ramos enxertados vivificam-se da vida que ele mesmo possui.
Esta imagem da vinha e do seu cuidado possibilita várias relações e Jesus no seu discurso não deixou de as explorar, de as manifestar na sua diversidade, como seja a necessidade da poda para que a videira e a vide possam dar frutos.
Neste sentido é bom que se tenha um pouco de conhecimento de agricultura, do cultivo das vinhas, pois só dessa forma poderemos perceber porque Jesus fala de dois tipos de poda.
Se para o comum de nós a tarefa da poda é algo que acontece no inverno, já depois das vindimas e do cair da folha e antes do borbulhar dos novos talos, não podemos deixar de ter presente que quando a videira tem já a sua rama e apresenta os primeiros sinais de fruto se procede a uma outra poda, a um desbaste, a um corte dos ramos sem fruto para que aqueles que têm fruto possam crescer com mais vigor.
Jesus fala desta poda primaveril ao dizer-nos que o Pai agricultor corta os ramos que não dão fruto, ou seja, elimina aquelas realidades que de facto podem impedir o verdadeiro crescimento e frutificação, que podem distrair da frutificação que é possível e desejável. Por outro lado, naquela que poderemos considerar a poda de inverno, o Pai elimina nos ramos tudo aquilo que já está morto, que já não serve, para que o ramo possa produzir novamente a seu tempo.
Estamos assim perante um processo de purificação, de condução para a verdadeira e frutífera produção, um processo que se desenrola sem nenhuma intervenção da vide, e que podemos aplicar à nossa vida enquanto vides que devem produzir fruto.
Um processo, que como Jesus realça, não é conduzido por mais ninguém senão pelo Pai, pelo agricultor, que verdadeiramente busca o crescimento da vinha e a sua produção, e nesse sentido vai podando onde e quando é necessário. É o vinhateiro que pelo seu conhecimento e a sua experiência toma a decisão de onde e como cortar, quais os ramos que devem ser rejeitados, aqueles que já estão mortos ou serão incapazes de produzir fruto.
Contudo, para que os ramos mortos não existam ou sejam mínimos, necessitamos permanecer ligados à videira, ao tronco que com a sua seiva nos alimenta e nos fortalece, pois como Jesus diz, só nessa ligação, só nessa permanência poderemos fazer alguma coisa, poderemos produzir algum fruto. Por outro lado, também só nessa permanência seremos capazes de perceber e aceitar os ramos que necessitam ser cortados, poderemos aceitar o sacrifício da limpeza para a verdadeira produção.
Sacrifício que não tem outra razão senão ligar-nos ainda mais ao tronco e à seiva, à vida divina oferecida em Jesus Cristo. Sacrifício cuja aceitação nos possibilita e abre a porta da cooperação, pois já não é só o vinhateiro que trabalha em nós, mas somos nós que nos dispomos ao trabalho do vinhateiro, que aceitamos colaborar com o trabalho dele em nós.
Se, à Luz das palavras de Jesus, a poda dos ramos não depende de nós, a decidida permanência na videira e a aceitação do que necessitamos purificar-nos são já fruto da nossa liberdade e decisão. Permaneçamos pois unidos à videira para acolher o dom de Deus, a seiva que nos vivifica e a poda que nos fortalece para a frutificação.

Ilustração: Videira à beira do Caminho de Santiago à entrada de Logroño. 6 de Maio de 2010.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    O trecho do Evangelho que escutámos no V Domingo do tempo Pascal e a Homilia que teceu e partilha remete-nos para alguns dos aspectos do diagnóstico da vida que vivemos nas últimas décadas, particularmente na última, da sociedade que criámos, em que as pessoas não interessam, ou melhor, não interessam por aquilo que são, para o não sentido da vida, do vazio que se instalou. Aliás, no primeiro parágrafo da Homilia encontramos as três palavras–chave: a noção de relação com Jesus, a qualidade da mesma, a permanência em Jesus, a continuidade e o compromisso de cada um de nós, a aceitação e a vivência do projecto de Deus.
    Como nos salienta, ...” O trecho do Evangelho de São João que escutamos neste domingo apresenta-nos o coração do discurso de Jesus durante a última ceia, um coração cuja função existencial é mostrar-nos que a permanência em Jesus, a união relacional com ele, é fundamental para a vida do discípulo, daquele que se propõe segui-lo”, tendo-se Jesus servido da bela alegoria da vinha e dos ramos, num discurso poético e simultaneamente exigente, dito com firmeza. (…)
    (…) “O discurso de Jesus apresenta no entanto uma novidade, uma concepção que se afasta e de algum modo se contrapõe à imagem tradicional, pois Jesus apresenta-se e identifica-se como a vinha verdadeira, ou seja, como o verdadeiro povo, o povo novo da nova Aliança. Jesus é a vinha, a verdadeira videira, plantada pelo Pai e que dá os verdadeiros frutos, aqueles que o Pai e vinhateiro sempre esperou. E todos os que estão unidos a ele, que permanecem nele são capazes de produzir os mesmos frutos. (…)
    (...) Se, à Luz das palavras de Jesus, a poda dos ramos não depende de nós, a decidida permanência na videira e a aceitação do que necessitamos purificar-nos são já fruto da nossa liberdade e decisão.”
    Que o Senhor nos dê a humildade, a sabedoria para viver este processo duplo de comunhão com Jesus e com os irmãos, vivendo a Palavra de forma coerente, com autenticidade.
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos, e “Permaneçamos pois unidos à videira para acolher o dom de Deus, a seiva que nos vivifica e a poda que nos fortalece para a frutificação.”
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, bela, com uma ilustração que nos recorda o Caminho de Santiago que fez em Maio de 2010 e que pudémos viver espiritual e fraternamente com Frei José Carlos, através do blog. Que o Senhor o ilumine e o guarde.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Muito grata,pela maravilhosa e bela Homilia que partilhou connosco,as suas belas palavras são imprescindíveis,muito gratificantes,neste momento tão precioso da nossa caminhada,na aceitação e vivência do projecto de Deus.Como nos diz o Frei José Carlos,"Permaneçamos pois unidos à videira para acolher o dom de Deus,a seiva que nos vivifica e a poda que nos fortalece para a frutificação".Obrigada,Frei José Carlos,pela bela ilustração e por todos os textos partilhados que muito gostei.Que o Senhor o abençõe e o proteja.Desejo-lhe,continuação de uma boa semana.Bem-haja,Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno.
    AD

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