domingo, 27 de maio de 2012

Homilia da Solenidade do Pentecostes

Celebramos hoje, passados cinquenta dias sobre a Páscoa da Ressurreição do Senhor, a Solenidade do Pentecostes, e os textos que a Liturgia da Palavra nos oferece, nomeadamente a leitura do Livro dos Actos dos Apóstolos e o Evangelho de João, apresentam duas versões do mesmo acontecimento.
Assim, enquanto que o Livro dos Actos dos Apóstolos nos diz que o Pentecostes ocorreu passados cinquenta dias depois da Páscoa, e por isso esta solenidade, o Evangelho de São João coloca o acontecimento do Pentecostes no mesmo dia da ressurreição de Jesus, na tarde desse dia de Páscoa em que pela manhã Jesus se encontra com Maria Madalena e lhe diz que não o toque porque ainda não tinha subido para o Pai.
Não são narrações que se opõem, ou entram em contradição, mas pelo contrário perspectivam o acontecimento de ópticas diferentes. E assim, enquanto que no Evangelho de São João o envio do Espírito Santo e o Pentecostes derivam imediatamente do próprio mistério e acontecimento da ressurreição de Jesus, é a unidade com Jesus que está em causa, nos Actos dos Apóstolos estamos já perante uma narração cuja preocupação fundamental é fundamentar a compreensão da boa nova de Jesus por todos os povos. Era o Espírito que permitia que medos e persas, judeus e gregos, romanos e árabes compreendessem nas suas línguas a mensagem de salvação de Jesus.
O acontecimento do dia de Páscoa e o envio dos discípulos, narrado pelo Evangelho de São João, é de alguma forma confirmado pelos Actos dos Apóstolos, quando narra que após o envio do Espírito Santo todos são capazes de os compreender nas suas línguas. O mandamento do anúncio deixado por Jesus aos discípulos no dia de Páscoa está a acontecer e a dar os seus primeiros frutos.
Mas, se as narrações do acontecimento do Pentecostes divergem na sua situação temporal, encontramos numa e noutra elementos que as unificam, que as justificam como narração do mesmo acontecimento transformante dos discípulos. São esses elementos o vento, o fogo e a comunidade reunida.
O fogo é certamente o elemento que temos mais presente, que mais recordamos pelas línguas de fogo que pairam sobre os discípulos. Contudo, se tal acontece é porque já em outros momentos da história da salvação o fogo tinha estado presente e tinha sido usado como elemento da manifestação da presença de Deus e de uma nova realidade para o homem.
O momento mais significativo é certamente o da manifestação de Deus a Moisés através da sarça-ardente. Deus apresenta-se como um fogo que não se consome, que não se extingue, um fogo que apela e revela. Também no monte Sinai e no momento da Aliança Deus se apresenta como um fogo que cobre toda a montanha e intimida o povo liberto da escravidão do Egipto.
No Antigo Testamento podemos encontrar ainda o episódio em que o profeta Elias é elevado ao céu num carro de fogo, um acontecimento que mostra a possibilidade de transformação radical operada pelo fogo, uma transformação radical da própria natureza da pessoa que é elevada.
Por outro lado o vento é também manifestação da presença de Deus e por isso o mesmo profeta Elias é capaz de reconhecer a presença de Deus na brisa suave, depois de não a ter descoberto em fenómenos mais extraordinários e estrondosos.
Jesus fez também referência a esta relação do Espírito com o vento, dizendo aos discípulos que cada um era capaz de o identificar mas não poderia dizer para onde ia nem de onde vinha. Tal como o vento, o Espírito tem essa natureza de mistério, que se sente mas que não revela para onde leva aquele que envolve nem de onde vem.
Por último os dois relatos do momento do Pentecostes têm por base a comunidade reunida, a comunidade que junta recorda e faz memória do acontecimento de Jesus. É na comunidade que o Espírito se revela presente e transformante daqueles que a compõem.
Neste sentido e como cristãos que receberam o Espírito Santo pelo baptismo não podemos deixar de assumir a sua dimensão transformadora e purificadora. Como nos diz São Paulo, o Espírito vai agindo em nós, moldando-nos e purificando-nos, vai agindo em nós como num processo de gestação para a perfeição na plenitude.
E se há momentos em que essa acção é mais lenta e menos visível é porque da nossa parte falha a cooperação, a conformidade a essa acção que muitas vezes se traduz num simples gemer, numa brisa suave que requer atenção para ser reconhecida e pressentida.
Por outro lado não podemos deixar de assumir também a dimensão comunitária, a realidade da imagem dos membros vivos do mesmo corpo, das pedras vivas da mesma construção. O Espírito coloca-nos em relação uns com os outros, numa interdependência que nos fortifica mas igualmente nos responsabiliza pelo crescimento pessoal e comunitário na diferença de dons e ministérios que cada um pode realizar.
Que o Espírito Santo venha sobre cada um de nós, nos ilumine e nos fortaleça, nos conceda a paz, para em unidade e fraternidade sabermos e podermos cumprir a principal missão a que nos impele, testemunhar que Jesus é o Salvador da Humanidade.

Ilustração: “Pentecostes”, de Grão Vasco. Retábulo da antiga capela da portaria do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Ao celebrarmos a Solenidade de Pentecostes, figurativamente o círculo não se fechou. É a renovação como Filhos de Deus que permanece. É o sopro, é o vento, é a brisa que nos desperta para o invisível e que faz parte do mistério divino. É o ânimo, a força de um Deus de amor que nos fortalece e acompanha no nosso peregrinar. É Deus connosco que pressentimos, sentimos e que nos compromete.
    Permita-me que cite alguns dos excertos da Homilia que me tocam.
    ...” Mas, se as narrações do acontecimento do Pentecostes divergem na sua situação temporal, encontramos numa e noutra elementos que as unificam, que as justificam como narração do mesmo acontecimento transformante dos discípulos. São esses elementos o vento, o fogo e a comunidade reunida.(…)
    (...) Jesus fez também referência a esta relação do Espírito com o vento, dizendo aos discípulos que cada um era capaz de o identificar mas não poderia dizer para onde ia nem de onde vinha. Tal como o vento, o Espírito tem essa natureza de mistério, que se sente mas que não revela para onde leva aquele que envolve nem de onde vem. (…)
    (…) Neste sentido e como cristãos que receberam o Espírito Santo pelo baptismo não podemos deixar de assumir a sua dimensão transformadora e purificadora. Como nos diz São Paulo, o Espírito vai agindo em nós, moldando-nos e purificando-nos, vai agindo em nós como num processo de gestação para a perfeição na plenitude. (…)
    (…) Por outro lado não podemos deixar de assumir também a dimensão comunitária, a realidade da imagem dos membros vivos do mesmo corpo, das pedras vivas da mesma construção. O Espírito coloca-nos em relação uns com os outros, numa interdependência que nos fortifica mas igualmente nos responsabiliza pelo crescimento pessoal e comunitário na diferença de dons e ministérios que cada um pode realizar.”
    Façamos nossa as palavras de Frei José Carlos e oremos para “Que o Espírito Santo venha sobre cada um de nós, nos ilumine e nos fortaleça, nos conceda a paz, para em unidade e fraternidade sabermos e podermos cumprir a principal missão a que nos impele, testemunhar que Jesus é o Salvador da Humanidade”.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, que nos ajuda a reflectir sobre um tema que par alguns de nós não é evidente, por nos recordar a dimensão transformadora e purificadora do Espírito Santo e que … “se há momentos em que essa acção é mais lenta e menos visível é porque da nossa parte falha a cooperação, a conformidade a essa acção que muitas vezes se traduz num simples gemer, numa brisa suave que requer atenção para ser reconhecida e pressentida.”
    Que o Senhor o ilumine e o guarde. Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva


    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP


    pentecostes



    fechemos o círculo/façamos deste lugar um templo de louvor/porque este é o tempo de adorar/em espírito e verdade//

    tornemo-nos presentes ao presente/o fogo é o presente que arde e brilha/é o presente que reza//

    cantemos glória na língua de fogo,/evidente e claro para todos os homens e mulheres da terra//

    sopre sobre nós o Espírito/para que a nossa oração suba em chama/e o nosso coração de lenha morta/
    e de espinhos/sirva para alimentar um pouco/a glória de Deus/e o nosso rosto//


    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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  2. Frei José Carlos,

    Ao ler este maravilhoso e belo texto da Homilia da Solenidade do Pentecostes,fiquei maravilhada, com a beleza desta Meditação.As suas palavras são muito reconfortantes,que nos ajudam a reflectir com mais profundidade.Como nos diz o Frei José Carlos...Que o Espírito Santo venha sobre cada um de nós,nos ilumine e nos fortaleça,nos conceda a paz,para em unidade e fraternidade sabermos e podermos cumprir a principal missão a que nos impele,testemunhar que Jesus é o Salvador da humanidade.Obrigada,Frei José Carlos,por esta excelente Meditação que partilhou connosco,que muito gostei.Que o Espírito Santo ilumine todo o povo de Deus!Grata,pela maravilhosa e bela ilustração com que ilustrou este magnífico texto.Desejo-lhe uma boa semana.Que o Senhor o ilumine e proteja o Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno.
    AD

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