Ao celebramos a memória de Santa Joana Princesa, apresentamos mais um excerto da biografia elaborada por frei Manuel de Lima para o “Agiológio Dominico”, publicado em 1710. Desta feita o capítulo no qual é relatada a sua entrada no Mosteiro de Jesus de Aveiro e a profissão religiosa.
Resoluta com a licença a recolher-se em Aveiro, escreveu El Rei à Fundadora, que era juntamente Prelada, aparelhasse o melhor que pudesse, um quarto, para a Princesa sua filha, que intentava viver em sua companhia. Chegou à sobredita Vila a 30 de Julho do mesmo ano [1472], e não quis entrar logo no Mosteiro, reservando-o para os 4 de Agosto, em que celebramos a festa de Nosso Pai São Domingos. Depois de ouvir Missa, e beijar a mão do pai, despedindo-se dele, e do Príncipe com ânimo varonil, entrou no Mosteiro: onde foi recebida com o gosto, e contentamento, que se deve supor.
Mostrou o Senhor com especial milagre o quanto lhe agradava a vinda desta sua Esposa, e o muito que havia de ilustrar o Convento com a sua virtude: porque alguns meses antes aparecia sobre o Mosteiro um grande cometa, que de alguma sorte designava o lugar, em que se havia de fazer a cela para a princesa, sem que o nublado, e tenebroso das noites pudesse ocultar a sua claridade.
Trazia esta novidade confusas as santas Religiosas: porque não sabiam ainda a boa fortuna, que se lhes prognosticava. Porem no mesmo dia, em que entrou Dona Joana, vieram em conhecimento do prodígio: porque como o astro tinha satisfeito à sua obrigação, e completa a sua embaixada, na mesma noite desapareceu, e não foi mais visto.
Deu-lhe El Rei para seus sustento a Vila de Aveiro, e grande parte das terras à roda, com uma boa renda para as suas necessidades, e do Mosteiro; e depois de tratar com ela alguns negócios importantíssimos ao Reino, voltou para Lisboa.
Não recebeu logo o hábito tanto que entrou na Clausura, por estar impedida pelos Grandes do Reino: esperou ocasião, para poder declarar-se com mais segurança. No entanto não faltava nos exercícios da Comunidade, acudindo a todos com grande prontidão; especialmente a todas as horas do Coro, e Matinas à meia-noite. Para este fim mandou fabricar a sua Cela junto a este lugar, comprando uma vinha; cuja maior parte é hoje a horta do Convento.
Passados três anos, enfadando-se já de ser ver em trajes de secular, entre as Esposas de Cristo, sem mais licença, nem conselho, buscou um dia a Prioresa, e lhe disse, que estava resoluta a vestir o hábito, e entrar no Noviciado. Recebeu esta nova Sor Brites Leitoa, com grande contentamento, vendo a honra, que adquiria, não só o Mosteiro, mas a Religião. Mandou concertar o Capítulo com a maior riqueza, que pôde, para fazer esta nobre função.
Dia da Conversão de São Paulo, depois de Matinas, apareceu neste lugar a Princesa com um vestido pouco custoso, e muito chão, acompanhada da Mestra de Noviças, e prostrou-se por terra com todo o corpo aos pés da Prioresa. Perguntou-lhe esta, que pedia? E respondeu, conforme o costume da Ordem: A misericórdia de Deus, e a vossa. Fez-lhe a prelada uma devota prática, representando-lhe a grande misericórdia, que o Senhor lhe fazia, tirando-a do turbulento mar do século (onde são tanto maiores perigos, quanto superiores os lugares) para o seguro porto da Religião; declarando-a por Esposa, não do Rei de um Reino limitado, mas sua, que é Rei Supremo.
Principiaram as Religiosas a cantar com mais lágrimas, que com vozes, o Hino: “Veni creator Spiritus”, e a Prioresa cortando os formosos, e dourados cabelos da Princesa, e tendo-a ajoelhada a seus pés, lhe vestiu o sagrado hábito.
Quais fossem neste acto os afectos, ternura, e devoção na Santa infante, não pode cabalmente explicar humana escritura. Bastará dizer que vendo-se vestida com a cândida gala de seu venerado Patriarca São Domingos, foi tal a sua alegria, e contentamento, que prostrada diante do Altar maior, como fora de si mesma, porque estava já toda entregue a Deus, perseverou em larga oração até a hora de Prima, oferecendo-se em holocausto ao Divino Esposo. [1]
[1] LIMA, Frei Manuel de – Agiológio Dominico, Tomo II. Lisboa, Oficina de António Pedrozo Galram, 1710, 320-321.
Ilustração: "Santa Joana Princesa de Portugal", de Palomino e "Lembrança da Peregrinação da cidade de Aveiro ao Glorioso Sepulcro da Santa Joana Princesa no dia 15 de Janeiro de 1939".
Frei José Carlos,
ResponderEliminarBem-haja por partilhar connosco mais um excerto da biografia de Santa Joana Princesa no dia em que a igreja e particularmente a Ordem dos Pregadores celebra a sua memória. Exemplo de determinação e humildade. Que nos sirva de inspiração e exemplo a todos.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha que nos enriquece não somente do ponto de vista histórico mas particularmente no presente e no futuro, que nos leva a reflectir no conjunto de exigências que reivindicamos no quotidiano que julgamos que nos são devidas em todas as circunstâncias, pelo superflúo que tomamos como essencial, num mundo tão desigual, pelo abandono ou esquecimento da importância da vida espiritual.
Que o Senhor o abençõe e o proteja.
Votos de um bom domingo.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Peço desculpa , Frei José Carlos, pelo comentário de ontem ter ficado incompleto no final. Não posso dizer que a culpa é da informática, faço o “mea culpa”. Ao ter de eliminar uma parte do que escrevera para poder submeter, com alguma dificuldade, não me apercebi que as três últimas frases tinham sido também eliminadas. MJS