terça-feira, 22 de maio de 2012

É esta a vida eterna (Jo 17,3)

No mundo em que vivemos e na sociedade e cultura em que estamos inseridos é justo e desejável perguntar sobre quem acredita na vida eterna. Acreditamos ainda na vida eterna?
Tal pergunta tem todo o cabimento na medida em que funcionamos e construímos num sentido em que parece que não acreditamos. Se não vejamos como quase tudo é feito para não durar, para ser consumido e reposto ou substituído.
Até as nossas casas, que antigamente eram construídas para durarem uma vida, hoje são construídas para serem substituídas. A reflexão intelectual, na sua produção material, passou hoje para uma dimensão em que nos podemos interrogar sobre o legado que deixaremos às gerações futuras.
A própria dimensão ética e moral da pessoa, do homem enquanto ser vivo e reflexivo, caiu numa relativização que denota essa mesma falta de perspectiva eterna ou divina que definem e formam o homem enquanto homem.
É um facto incontestável que a pegada humana no planeta é já bastante acentuada e necessitamos aliviá-la, mas não será que estamos a tornar tudo demasiado provisório, descartável? Até nós próprios?
Jesus recorda-nos que há uma vida eterna, que a morte e o fim não tem a última palavra sobre nós e a nossas realidades. E recorda-nos que a vida eterna é o conhecimento do Deus verdadeiro e daquele que foi enviado a dar a conhecê-lo.
Estamos portanto inseridos numa cadeia, mergulhados numa realidade que é o mesmo Deus e que nos desafia na coerência e consentaneidade com essa mesma realidade. Por essa razão Jesus diz que o que for feito a um dos seus irmãos mais pequeninos é a ele que é feito. Cada gesto, de bem ou de ódio, tem repercussões na realidade, destrói ou constrói o corpo de que todos somos membros.
Neste sentido a vida eterna não é um futuro distante, uma eternidade cósmica, mas é o momento presente, é o aqui e agora em que conhecemos Deus e o fazemos conhecido. E portanto cada palavra, cada gesto de revelação, cada resposta fiel é eternidade vivida.
Que o Senhor nos ilumine o coração e a inteligência para no provisório de cada instante descobrimos a presença de Deus e o desafio da eternidade a fazer-se vida.

Ilustração: “Arco-Íris em Hornillos del Caminho”. Caminho de Santiago. 14 de Maio de 2010.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Reflicto no longo diálogo de Jesus com os discípulos, na última ceia, na oração da unidade dirigida por Jesus ao Pai, no texto que elaborou e intitulou “É esta a vida eterna (Jo 17,3)” e no desafio que nos faz sobre a crença de cada um de nós na vida eterna.
    E a resposta encontramo-la no próprio texto ...” Jesus recorda-nos que há uma vida eterna, que a morte e o fim não tem a última palavra sobre nós e a nossas realidades. E recorda-nos que a vida eterna é o conhecimento do Deus verdadeiro e daquele que foi enviado a dar a conhecê-lo. (…)
    (...)Por essa razão Jesus diz que o que for feito a um dos seus irmãos mais pequeninos é a ele que é feito. Cada gesto, de bem ou de ódio, tem repercussões na realidade, destrói ou constrói o corpo de que todos somos membros.
    Neste sentido a vida eterna não é um futuro distante, uma eternidade cósmica, mas é o momento presente, é o aqui e agora em que conhecemos Deus e o fazemos conhecido. E portanto cada palavra, cada gesto de revelação, cada resposta fiel é eternidade vivida.” …
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação profunda, bela, que nos esclarece e conforta. Que o Senhor o ilumine e abençõe.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva


    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP


    a areia dos dias


    nas tuas mãos a areia destes dias/e o vento que os dispersa//

    (de esperança e de perdão as cores do deserto)//

    e cada grão nos lembra a seara/e toda a pedra a água//

    ilumina as nossas viagens/da duna inumerável à margem de verdura/
    do silêncio equívoco, dobrado,/ao curso do teu Nome//

    afeiçoe a tua mão o nosso ouvido/a diferidos sons, inseguras formas/
    do que não tem forma//

    pensa as nossas chagas,/o desatino das questões que um nó aperta//

    e que o teu Espírito habite a alegria/de invocar-te nesta hora quase imóvel por que passas,/
    visitação silenciosa e criadora//


    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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  2. Descobrir de Verdade DEUS em nossas vidas é como
    que estar viajando por caminhos tenebrosos e de repente aparecer «algo» que nos faz mudar de rumo
    e pensar: que estou fazendo de minha vida?! e se ela nos foi dada por ELE com vários Dons para ser vivida, estarei eu a aproveitar esses mesmos Dons.....como O da Sabedoria, do Entendimento, do Conselho, da Fortaleza,da Ciencia, da Piedade e do Temor a DEUS?! Será bom parar e...pensar bem!. Chegou a hora de tirar a mão do bolso e.... pensar também que ao nosso lado vai um.... irmão que não podemos e não devemos ignorar!!!

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  3. O Frei José Carlos sabe que este é um tema delicado, que não chega a muita gente com um estalo de dedos. O sentido da existência terrena é a eterna interrogação do Homem e é bem verdade que existe no coração de muitos (sem mesmo que se apercebam), um sentimento de ausência de algo, talvez até ausência de significado. A Fé não é nenhuma filosofia, se bem que ambas se questionem constantemente, mas é triste se alguém, por falta de conhecimento ou de qualquer outra coisa, nunca se questione em nada e simplesmente acredite que o Homem foi posto no mundo biológico como um peão de passagem e consoante as escolhas que fizer ganhará a eternidade ou a solidão. É um pensamento brutal. Mas existe!
    Foi dado ao Homem, em comparação com os outros seres, o uso da liberdade. Não é um atributo qualquer, mas não é a razão de ser da existência do Homem. Há pessoas que vivem de modo superficial, sem contudo praticarem nenhum mal, vivem dos sentidos provisórios, do amor, da amizade, da ciência, da politica, da cultura e as suas raízes de “não crentes”, também são honestas, talvez mais honestas do que muitos “crentes”, porque para acreditar também se deve fazê-lo em consciência, tal como toda a acção humana tem de ser justificada. São Tomás de Aquino dissera-o: “Cada um deve obedecer à sua consciência mesmo que seja errónea”. Claro que o erro não pode nem deve ser voluntário, a não ser por negligência. Ora um crente que se diz com Fé corre um grande risco se não o disser com a consciência, porque há sempre quem interprete mal os Evangelhos acabando por praticar uma adoração a Deus camuflada por uma fé ingénua. Faço questão de referir que não estou a julgar ninguém, a fé dos outros e a intimidade de cada um só Deus a conhece mas se há algo em que acredito é que ninguém consegue ficar indiferente à busca de um sentido para a vida ou à existência de uma vida superior, tal como também não duvido que muitos não conseguem sair nunca deste estado de interrogação constante. Nem toda a gente (no passado e no presente) consegue ter acesso a leituras, aos meios de comunicação ou outros veículos que nos podem inspirar. É aqui que a Igreja teria o papel mais importante. Infelizmente, houve muitos erros, ainda há e como consequência há quem permaneça sem capacidade para distinguir a Fé daquilo que é essencial nela de tal maneira que quando um não crente pergunta a um crente “em que acreditas?” não está numa posição diferente do crente que lhe pergunta “em que não acreditas?” se ele próprio, o crente, não souber o essencial da sua fé. Mas se ele perguntar ao não crente “em que te recusas acreditar por medo do compromisso?”, penso que esse crente entende que a resposta do Homem sobre o sentido da vida se encontra na fé e a fé cristã transforma o homem no inimigo do “sem-sentido” e do absurdo. Acreditar na vida eterna é a resposta que Deus dá à questão sobre o sentido da vida mas também é também perceber que tal exige um compromisso que é por em prática a Palavra e não apenas ouvi-la. É um caminho para escolhas que significam mais do que um simples dever da moral, é consagrar-se a amar, é consagrar-se à justiça sem excluir Deus e tendo o cuidado de aplicar a inteligência em saber as condições em que praticamos acções de forma autêntica isto é, agindo por amor ao próximo e não para ficarmos bem vistos perante Deus. É este o ponto de partida.
    Eu acredito, na minha perspectiva cristã, que Deus quer o Homem para a vida eterna, quer o Homem para si e quer qualquer um sem excepção, mas respeita a sua liberdade. Está escrito com todas as letras numa citação em latim “Deus homo factos est ut homo fierest Deus”. O essencial da fé é saber acolher este dom, este projecto que pende sobre o Homem e dele depende a sua aceitação ao desafio.

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