Concluímos a resenha apresentada no Encontro da Família Dominicana na Ribeira de Santarém sobre a vida e obra de frei Domingos Maria Frutuoso.
No dia da revolução, a 5 de Outubro de 1910, frei Domingos Maria Frutuoso encontrava-se em Lisboa, pois tinha marcado estar às quintas-feiras e domingos a pregar no Sacramento.
Para nos situarmos um pouco no contexto e perceber a decisão de frei Domingos Frutuoso de sair de Portugal e a dificuldade em regressar, temos que ter presente que de um dia para o outro a situação dos religiosos e da Igreja em Portugal mudou radicalmente.
No dia 5 de Outubro o Colégio de Campolide, dos Padres Jesuítas foi assaltado. Foram assassinados o padre Alfredo Fragues, Superior do Colégio de São Vicente de Paulo e o padre Barros Gomes, dos sacerdotes lazaristas. São atacadas várias igrejas e o antigo Patriarca de Lisboa D. José Sebastião Neto é preso e conduzido até junto de Afonso Costa para um interrogatório.
No dia seguinte, a 6 de Outubro, são invadidos os Conventos do Quelhas e das Trinas em Lisboa e a 8 de Outubro foi ordenada a prisão de vários padres e a expulsão de todos os religiosos para evitar abusos.
Várias leis decretadas pelo governo, contra a Igreja e a sua autonomia e património, levam a que a 24 de Dezembro de 1910 os bispos portugueses assinem uma Carta Pastoral Colectiva que teve como consequência a expulsão dos bispos signatários das respectivas dioceses.
Perante os acontecimentos dos dias 5 e 6 de Outubro não podemos estranhar que frei Domingos Frutuoso tenha sido cauteloso, e não só se tenha refugiado na Casa do Embaixador do Brasil como tenha obtido o livre trânsito que o levou para fora de Portugal e para junto de um conjunto de conhecidos que igualmente se tinham refugiado no estrangeiro.
Tal decisão acarretou inevitavelmente a suspensão do processo de restauração da Província e a perda da casa de Viana do Castelo, casa que frei Domingos Frutuoso viria a recuperar depois de um longo processo judicial que chegou ao Supremo Tribunal de Lisboa em 1918.
Com o encerramento das casas religiosas, para além do frei Domingos Frutuoso, saíram também de Portugal os dois dominicanos espanhóis que se encontravam a ajudá-lo e os dois irmãos cooperadores, frei António e frei José Maria.
Num primeiro momento frei Domingos encontra-se no sul de França, Marselha, juntamente com outros refugiados, mas a 11 de Dezembro está já em Roma, onde se refugiará e poderá assumir o papel de Secretário do Mestre da Ordem até Março de 1911.
Entre Março e Setembro de 1911 frei Domingos Frutuoso faz um circuito europeu, passando pela Suíça, Alemanha, Paris, Bélgica, Holanda, aproveitando em cada lugar para aprender algo novo, para se encontrar com os seus conhecidos, quer exilados portugueses quer antigos colegas do tempo de noviciado em Saint Maximin ou de estudo em Toulouse.
É um tempo de formação, pois aproveita para ler e para tirar notas para as suas futuras pregações. Ainda que um pouco estranho, em Paris encontramos o frei Domingos Frutuoso a assistir a aulas de anatomia.
“Na segunda-feira visitei uma sala de autópsias onde estavam dezanove cadáveres, e em volta de cada, dois ou três médicos, alguns conhecidos meus. Vi fazer a operação da apendicite e outras coisas ainda. Com que sem cerimónia estes senhores médicos espatifam os restos da pobre humanidade que lhes cai nas mãos. Mais parecia um talho humano do que uma aula de anatomia. Ainda nisto que diferença se compararmos com o respeito da Santa Igreja com os restos mortais dos seus filhos.”
À medida que o tempo vai passando frei Domingos Frutuoso vai-se aproximando da fronteira de Portugal, pois sente não só as saudades dos seus, mas sobretudo a saudade do seu ministério. Encontramo-lo assim em 1912 em Salamanca com uma grande expectativa sobre o dia do seu regresso a Lisboa, onde os amigos lhe vão preparando as condições para se alojar e exercer o seu ministério.
Há contudo dificuldades, pois não só lhe falta a autorização do Mestre da Ordem, que chega apenas no final do 1912, como também são muitas as opiniões contrárias ao seu regresso. Uma vez mais está em causa a sua segurança.
Este impasse e permanência em Salamanca vai-lhe permitir ajudar as Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena a instalar-se na cidade, pois quando as irmãs chegam em Agosto de 1912 é frei Domingos que as ajuda, juntamente com o Prior de San Esteban, o Padre Cuervo, a procurar casa. Enquanto permanece em Salamanca vai ser junto das irmãs que desenvolverá o seu ministério e encontrará algum conforto para o tempo de espera que se vai dilatando.
Frei Domingos Frutuoso regressa a Lisboa no dia 16 de Fevereiro de 1913, e instala-se numa casa no Dafundo que ocupará apenas por um mês, mudando-se em seguida para a Rua dos Remédios à Lapa.
Face à agitação política e social que o país atravessa, que se reflecte por exemplo nas greves dos correios e transportes públicos, não podemos deixar de assumir que frei Domingos Frutuoso foi de uma coragem tremenda. Posteriormente e uma vez mais por questões de segurança passará as noites no Corpo Santo, para que não lhe aconteça nada.
Ainda que com uma boa rede de relações sociais não podemos deixar de assumir que foram tempos difíceis para frei Domingos Frutuoso, e que foram o trabalho no Colégio do Bom Sucesso e na igreja do Corpo Santo que o ajudaram a não passar mais fome da que se queixa que passou quando escreve a frei Tomás Maria Videira em 1943.
Face às leis que proibiam a vida comum, a permanência de dois padres na mesma casa, quando regressam da sua formação frei Bernardo Lopes e frei José Lourenço em 1915 e 1916, respectivamente, frei Domingos Frutuoso instala-os no Porto enquanto que ele se situa em Lisboa.
Em Setembro de 1917, o irmão frei José Maria Faria vai para o Porto para tratar da viagem de mais dois rapazes, aqueles que frei Domingos Frutuoso trata carinhosamente por netos, pois eram já o fruto do trabalho dos dois padres que o tinham seguido na restauração da Província.
Para fazer face às despesas frei Domingos Frutuoso não se poupa a esforços em pregação e uma vez mais o vemos a pregar por todo o país e aceitando de bom grado todas as esmolas que lhe chegavam por parte dos amigos.
Durante este período uma das suas tarefas regulares, quase mensais, era a vinda ao Seminário Patriarcal de Santarém.
Em 1920 é preconizado Bispo de Portalegre, sendo ordenado na Basílica da Estrela a 27 de Dezembro de 1920. Termina assim o seu trabalho directo na restauração da Província, embora não a sua missão, pois em 1923, quando o Mestre da Ordem Theissling decide a dispersão do grupo português, frei Domingos Frutuos escreve uma carta veemente e contestatária da decisão do Mestre da Ordem. Foi graças a essa carta que os jovens estudantes portugueses enviados para Espanha e França puderam continuar a estudar em ordem à restauração da Província Portuguesa.
Mas a ajuda e o interesse de D. Domingos Maria Frutuoso pela Província não se ficou por aqui, pois neste contexto de dificuldades oferece e acolhe no seu seminário, e enquanto não se abrisse a Escola Apostólica, os sobrinhos do irmão frei José Maria Faria, que mais tarde viriam a desempenhar papeis importantes na história da restauração da Província.
D. frei Domingos Maria Frutuoso morreu a 6 de Julho de 1949 e da noticia publicada no jornal “Novidades” do dia seguinte não podemos deixar de destacar:
“Morre com 82 anos o ilustre prelado, após uma vida cheia de benemerente apostolado, grande parte da qual se desenvolveu na pregação. Frei Domingos Frutuoso, que assim era tratado antes de lhe cingir a cabeça a mitra episcopal, o conhecido dominicano, foi um Pregador de grande renome, não só em Lisboa mas em todo o país. A sua eloquência simples, comunicativa, atingia as almas humildes das gentes das aldeias como as dos mais cultos das cidades, numa forma oratória despreocupada que empolgava e ia fundo aos corações.”
Foi de facto um grande pregador para a sua época, um fogo que abrasava como ele gostava de chamar à pregação, sempre um fogo que incendeia e queima.
Ilustrações
1 – Fotografia dos revoltosos na rotunda no dia 5 de Outubro de 1910.
2 – “Lição de Anatomia”, de Rembrandt.
3 – Fotografia da fachada do Convento de San Esteban em Salamanca.
4 – Fotografia de D. Domingos Maria Frutuoso realizada pela casa J.M.Lazarus, Lisboa.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLi com interesse o texto que elaborou e intitulou “Frei Domingos Maria Frutuoso – Entre a República e a nomeação episcopal para Portalegre”. Ficamos a conhecer uma súmula da vida de um dominicano cujo apostolado desenvolveu-se particularmente na pregação, num contexto histórico, por vezes, de grande agitação que dificultou igualmente a restauração da Provincia.
Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha. Bem-haja, pelo empenho. Que o Senhor o abençõe e o guarde.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva