quinta-feira, 17 de maio de 2012

Não sabemos o que está a dizer (Jo 16,18)

As palavras de Jesus nem sempre foram claras para os discípulos, bem pelo contrário, muitas vezes deixaram-nos à beira do desespero da incompreensão, e quando Jesus fala do mistério da sua morte e ressurreição, do seu regresso ao Pai e do envio do Espírito Santo, esse desespero e incompreensão são ainda mais evidentes.
A última ceia e o discurso da despedida de Jesus é por demais o acontecimento em que as palavras de Jesus adquirem uma dimensão misteriosa inexplicável. Ainda que num contexto de ceia e celebração tudo aponta para outras realidades, e algumas delas muito dolorosas, como a paixão e a morte, enquanto que outras são completamente desconhecidas, como o Espírito Santo.
À questão e murmuração dos discípulos sobre a incompreensão face ao proferido, Jesus responde revelando a necessidade de ultrapassar a prova que se apresenta imediata e quase visível, a paixão e o sofrimento da morte. Só a passagem pelas lágrimas e pelo lamento permitirá o encontro verdadeiro com a alegria da Ressurreição.
Será necessário perder Jesus, perder a forma como estão relacionados com ele nas expectativas que criaram, para se encontrarem verdadeiramente com ele, para se encontrarem com aquele que vive eternamente e por isso é ressuscitado, e com o seu espírito que vivifica.
Será necessário passar o mar do absurdo e da incompreensão do sofrimento e da morte daquele de quem tudo esperam para se encontrarem com aquele que afinal dá sentido a tudo, para se encontrarem com aquele que nesse mar é a barca que nos leva e portanto nos protege e guarda.
Também nós na nossa vida muitas vezes nos encontramos com a incompreensão daquilo que Deus nos está a dizer e a pedir. Custa-nos aceitar perder, dar o que afinal não é nosso, sair do nosso mundo e da nossa protecção e enfrentar o mar da confiança e da fé no qual não se vislumbra a margem ou a barca.
Nesses momentos temos que acolher as palavras de Jesus “não se perturbe o vosso coração”, “tende fé”, porque eu venci o mundo. Aumenta Senhor a minha fé, para avançar no mar e na noite, e gozar da alegria da vida após a passagem e a batalha.

Ilustração: Subida para o Alto de Erro. Caminho de Santiago. 1 de Maio de 2010.

2 comentários:

  1. A incompreensão dos apóstolos é a incompreensão humana, se bem que numa dimensão diferente. Antes do Pentecostes, nenhum apóstolo percebera que Jesus era Deus. E depois do abalo com a morte do seu Messias, desanimam a pensar que Deus permitiria que fosse condenado um justo? Numa terceira fase, não ficam esclarecidos com a visão do Ressuscitado, mas perturbados, afinal já tinham perdido a fé e a esperança como bem descreve S.Lucas “nós esperávamos mas já não esperávamos”. Isto é, penso, a visão exacta que se deve ter este capítulo do Evangelho: que os apóstolos nunca puderam realmente reconhecer através dos sentidos naturais, alguém que ultrapassou a existência de uma forma totalmente nova. Se os apóstolos tivessem logo reconhecido Jesus, é como se Ele tivesse voltado à condição de mortal, um cadáver reanimado como Lázaro. É mais uma vez através da explicação de Jesus sobre as Escrituras, onde os profetas anunciaram um Messias que tinha de sofrer e morrer, que se iluminou e cresceu a fé dos apóstolos e a compreensão da necessidade do sofrimento e da morte de Cristo. Uma fé renascida, de compreensão total. Tenho de admitir pois que a Ressureição é um prodígio que não pode ser evidente exigindo um acto de fé mas por sua vez, a fé não pode constranger uma pessoa (tenho fé porque ela é genuína ou porque vi algo que o comprove?), não pode depender de sinais exteriores (como um túmulo vazio), estando liberta de provas físicas comprovadas pelos sentidos. Mas os apóstolos testemunharam por mim e não creio que fosse uma alucinação colectiva “Tocai e vede: um espírito não tem carne e ossos como podeis ver que eu tenho” (Lucas 24.39).
    Quando leio algo, imagino-me sempre dentro do espirito da época e se estivesse sentada a descansar algures debaixo de uma oliveira na estrada de Emaús e visse alguém passar, de certeza que não reconheceria o Crucificado. Sabia que O tinham pregado à cruz e colocado num sepulcro mas para O reconhecer, aquela aparição tinha de ser puramente interior, só assim compreenderia que o sepulcro vazio não representa um fenómeno de matéria física que simplesmente se volatizou no ar mas uma transfiguração do físico no próprio Deus. Para acreditar nisto é preciso uma estalada descomunal? Penso que não, que é apenas preciso ler correctamente o Evangelho, quer se seja crente ou não. Um acto de fé. Pedi-la, porque afinal só mesmo a fé é que abre o sentido. O sentido que se diz ser tão simples: o triunfo do Amor sobre a morte, que consiste em ver que há um mesmo corpo que foi tornado noutro mas que não anda por aí à vista para que eu creia n’Ele.

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  2. Frei José Carlos,

    À semelhança dos primeiros discípulos, alguns de nós, mesmo crentes, sentem, por vezes, alguma dificuldade na compreensão da transformação de Jesus. A fé, que é um dom de Deus, não afasta sempre as nossas inquietações, manifestadas na busca permanente de Deus que não é visível ao nosso sentir mas à percepção. A Sua presença é perceptível, nas formas e nos momentos mais inesperados, que se torna compreensível, por vezes, “a posteriori”, que se manifesta para além da nossa relação de intimidade com Jesus e quando somos capazes de sair de nós próprios, dos nossos pequenos confortos e egoísmos, e no nosso dia-a-dia, vamos ao encontro do nosso próximo, dando testemunho de Jesus em palavras e actos, ainda que em gestos simples mas verdadeiros. Entendo-o como um longo processo de transformação, que a ilustração do texto de Frei José Carlos, fala por si, tortuoso, rugoso, tropeçando muitas vezes, em que nos vamos libertando do superflúo .
    Como nos afirma ...” Também nós na nossa vida muitas vezes nos encontramos com a incompreensão daquilo que Deus nos está a dizer e a pedir. Custa-nos aceitar perder, dar o que afinal não é nosso, sair do nosso mundo e da nossa protecção e enfrentar o mar da confiança e da fé no qual não se vislumbra a margem ou a barca.”…
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos, e peçamos ao Senhor que “Aumente a nossa fé, para avançar no mar e na noite, e gozar da alegria da vida após a passagem e a batalha”.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda, bela, que nos encoraja, que nos exorta a “acolher as palavras de Jesus “não se perturbe o vosso coração”, “tende fé”, porque eu venci o mundo, quando fraquejamos, quando hesitamos no nosso peregrinar.
    Que o Senhor o ilumine e o guarde.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.


    TANTAS
    QUESTÕES
    PERMANECERÃO
    SEM RESPOSTA


    A vida, Senhor, é um mistério tão grande! Por que há o tempo? Por que existimos nós? Por que se ama?
    Por que se chora? Por que há a noite e o dia, o silêncio e o som? Quem disse a primeira palavra ou fez a
    primeira pergunta? Por que buscamos todos coisas que não encontramos? Diante do enigma da vida,
    tantas questões permanecerão sem resposta! Gosto de pensar que, no meio de todo o mistério, o es-
    sencial brilha na linha de rumo traçada por estas palavras de Jesus: sede Misericordiosos como Deus Pai
    é Misericordioso e Ele lançará ao vosso regaço uma medida larga que transborda!


    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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