quinta-feira, 24 de maio de 2012

Festa da Trasladação de Nosso Pai São Domingos

A Ordem dos Pregadores celebra hoje a Festa da Trasladação de São Domingos. Para os menos familiarizados com as tradições e a história de São Domingos apresentamos uma parte do texto que frei Manuel de Lima compôs para o “Agiológio Dominico”, publicado em Lisboa em 1710 na Oficina de António Pedrozo Galram.

Sublimada ao Céu a alma de Nosso Santíssimo Patriarca, entre os braços de Jesus e Maria, que (como diremos a quatro de Agosto) saíram a recebê-la, foi o sagrado corpo sepultado, conforme a sua disposição, em lugar comum e humilde. E suposto que o Senhor com celestiais prodígios declarasse se não servia de que estivesse em sepultura tão humilde, o corpo de quem no Empireo se via declarado por filho do coração de Deus, e Benjamin da Rainha dos Anjos, contudo, os primeiros Padre, por não faltarem à obediência do que seu Santo Pai lhes ordenara por última vontade, mandando-se enterrar aos pés dos seus Filhos; e pela humildade, com que se opunham a tudo que podia ser esplendor da sua Ordem, passaram doze anos sem tratarem de melhorar a sepultura, antes impediam se pusessem nela votos e testemunhos das repetidas e extraordinárias graças, que por intercessão do Santo Fundador alcançaram os seus veneradores.
Declarado o Céu em acudir a esta falta, inspirou a muitas e gravíssimas pessoas seculares se queixassem ao Para Gregório IX da demasiada modéstia, a que eles chamavam escandalosa negligência dos Filhos, para honrarem a tão Santo Pai; juntamente lhe deram conta dos estrondosos milagres, com que a Omnipotência manifestava os merecimentos e santidade de São Domingos.
Tinha o Pontífice grande conhecimento do servo de Deus, desde o tempo que fora Cardeal Legado; e dando aos Padres uma paternal repreensão do seu descuido, os exortou a transferirem para lugar mais decente as Sagradas Relíquias. Desejou o mesmo Papa achar-se presente a esta função, mas as ocupações e obrigações de Cabeça da Igreja o fizeram este desejo com mandar ao Arcebispo de Ravena, que com todos os Bispos seus sufragâneos fosse assistir em seu nome, e com o possível luzimento.
Quis o Céu autenticar por acertadíssimo este decreto. Refiramos o como com as palavras dos escritores: Concorriam os povos com frequência ao sepulcro do Santo, e a mesma terra publicou que se devia lugar mais elevado àquele corpo, cuja alma estava sublimada na Glória, levantando-se por si ao alto a sepultura com a terra, que cobria a arca deste sagrado depósito, como que o expunha à veneração dos povos, não obstante estar o túmulo tão fortemente fechado, que custou depois grande trabalho a abrir-se.
A tão claros testemunhos do Céu, e da terra, juntos às aclamações dos povos, e ardentes desejos dos devotos, e finalmente às Ordens Pontifícias, não pôde resistir mais a humildade dos antigos Religiosos, antes se determinaram a fazer solene a trasladação, elegendo para ela a Páscoa do Espírito Santo, em que, por causa do Capítulo, que se havia de celebrar, concorreriam mais Padres.
O Provincial da Lombardia frei Estêvão Espanhol, que tinha recebido o hábito, e o espírito das mãos do Santo, tomou por sua conta preparar todo o necessário, e com especialidade um belo sepulcro de mármore. Juntaram-se trezentos Religiosos com o Beato Jordão, que era o Geral da Ordem, e houve votos que se fizesse ocultamente a Trasladação; porém o Beato Padre Nicolau de Juvenaço alcançou na oração não ser esta a vontade de Deus, e declarando o aviso fez mudar de parecer. Assistiu o Arcebispo de Ravena com mais quatro Bispos, o Clero, e Magistrados de Bolonha, toda a nobreza da mesma cidade, grande número de religiosos, e inumerável povo dos lugares circunvizinhos.
Entrou-se ao acto. Puseram à roda da sepultura as pessoas e os Padres mais graves, e apenas se moveu a pedra, quando de repente saiu uma fragrância tão suave, que encheu de delícia e admiração aos circunstantes. Foi crescendo de sorte quando se acabou de tirar a pedra, e se abriu a arca em que se guardava o sagrado depósito, que obrigou a todos a romperem em lágrimas, e a prostrar-se por terra, dando graças ao Senhor por honrar com estas gloriosas demonstrações a seu fiel servo.
Por quinze dias contínuos ficou aberta, e com guardas, a sepultura, para que todo o povo pudesse certificar-se do prodígio; e foram sem número os que em todo este tempo se experimentaram, porque os cegos recuperaram a vista, os coxos pés, os paralíticos saúde, os febricitantes alívio de toda a sorte de enfermidades, remédio; e sobretudo muitos possuídos do demónio se viram livres desta tormentosa escravidão.
Outro caso sucedeu de mais estranhas circunstâncias. Foi, que estava entre os outros Capitulares o Beato João Vicentino, cuja prodigiosa vida referiremos em seu lugar. Este Padre, para dar melhor lugar a um dos Bispos, se pôs da parte dos pés do cadáver. Porém em um instante se viu o sagrado corpo voltado com a cabeça para o seu amado filho frei João, e os pés para o Bispo. Tornou o humilde Religioso a fazer passar o Bispo para a parte da cabeça, pondo-se ele novamente aos pés; e novamente, com assombro de todos, apareceu o corpo do Santo com os pés para o Bispo, e a cabeça para o Filho: sem dúvida para mostrar que no primeiro dia, em que recebia públicas honras da Igreja Militante, a sua mais prezada coroa na terra eram os seus Filhos Santo, qual era o Beato João.

Ilustrações:
1 – “São Domingos”, do quadro Virgem com o menino e São Domingos e Santa Rosa de Lima, de Giovanni António Guardi.
2 – Túmulo de São Domingos em Bolonha.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    No dia em que a Ordem dos Pregadores celebra a Festa da Trasladação de São Domingos, bem-haja pela partilha do excerto do texto que frei Manuel de Lima compôs para o “Agiológio Dominico”.
    É um texto interessante, de grande espiritualidade. A não aceitação da disposição de São Domingos, da sepultura do corpo, em lugar comum e humilde, aos pés dos seus Filhos, faz-me meditar, Frei José Carlos.
    Obrigada, Frei José Carlos, por ficarmos a conhecer um pouco mais da História de São Domingos que ilustrou tão maravilhosamente.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um excerto de um poema de Frei José Augusto Mourão, OP


    S.Domingos


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    activa a nosssa imaginação e a nossa memória/em direcção aos horizontes que o nosso andar deslocam//

    visite-nos a tua claridade neste fim de dia, da vida/para que livres dos demónios das querelas,/
    do que nos fixa à monotonia do sono/e de todas as noites que se não esclarecem,/te dêmos em todo o tempo graças/
    a ti, Deus que vens em Jesus Cristo e no Espírito/e nos acordas para o país do Dia,/hoje e no tempo todo da nossa fé na
    esperança//


    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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