quarta-feira, 20 de junho de 2012

Quando rezares entra no teu quarto (Mt 6,6)

A oração é o dom mais precioso que Deus nos faz. Por essa razão, e pela sua experiência pessoal, Jesus exorta os seus discípulos e ouvintes a não desperdiçarem esse dom, a darem-lhe verdadeiramente atenção, de modo a que possa frutificar como todos os outros dons de Deus.
Neste sentido, toda a oração feita hipocritamente para chamar a atenção dos outros, para mostrar uma grande piedade, para dar uma imagem devota, acaba por negar o verdadeiro sentido da oração e a dimensão do dom que ela comporta.
A oração é antes de mais a certeza de que eu posso falar a alguém e que esse alguém me escuta. Deus apresenta-se como o ouvinte, o interlocutor, ao qual tudo pode ser contado, desde as maiores alegrias até às maiores infidelidades.
Deus está presente na minha vida nos momentos de maior felicidade bem como nos momentos mais dolorosos ou humildes do meu quotidiano e por isso pode participar de tudo e pode conhecer tudo.
Contudo, tanto nos momentos de dor como nos momentos de alegria, e a maior parte das vezes nestes, esquecemos que podemos ter esse diálogo, que temos alguém que nos escuta e com quem podemos partilhar a nossa dor, o nosso desespero, ou a nossa alegria.
Por isso, quando Jesus nos convida a entrar no nosso quarto e a fechar a porta para rezar no silêncio a Deus, não nos convida a outra coisa senão a tomarmos consciência de como Deus está já presente no íntimo da nossa vida e do nosso coração e como necessitamos escutá-lo, estabelecer um diálogo com ele.
A oração transforma-se assim em uma experiência de alegria, em um encontrar-se com uma presença constante, mas que tantas vezes passa em silêncio devido à nossa distracção, ao nosso desejo de tudo controlar, ao facto de contarmos apenas só connosco e com as nossas forças.
A oração é assim o dom de Deus que nos abre à transformação, que ilumina cada uma das nossas realidades, que nos faz encontrar com o que somos, fizemos e estamos chamados a ser. Como o fermento na massa, ou como a luz no candelabro, a oração ilumina e faz crescer.
Mas tal acontece, e é possível porque a oração é o gemido do Espírito em nós, é como o choro do bebé que busca o calor do corpo da mãe, o rebento da semente que procura o sol para crescer e frutificar.
Hoje, em qualquer momento e em qualquer lugar, procuremos entrar no nosso interior, fechar a porta do exterior, e dizer a Deus o que nos vai no coração, escutando nesse dizer como crescemos e nos iluminamos, como Deus se faz resposta à nossa busca.

Ilustração: “Oração”, de Josep Kinzel.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Leio o texto da Meditação que teceu sobre uma das passagens do Evangelho de hoje (Mt 6,6) e fico a reflectir sobre o mesmo. Interrogo-me sobre o poder da palavra. Enquanto reflectia sobre o tema do texto várias questões foram-se desfiando. Passaram pela minha relação com Deus, acreditando que somos o templo de Deus, à intimidade que conseguimos estabelecer com Deus, ao diálogo que conseguimos ou não estabelecer, seja através da oração, da poesia, da música, ou de palavras não elaboradas, verdadeira confissão do que Deus conhece de cada um de nós mas que sentimos necessidade de manifestar, ou simplesmente o silêncio revelador de Deus em que as palavras são desnecessárias sejam de louvor ou partilha do sofrimento, da recompensa ou da alegria num espaço de silêncio que é pessoal ou não. Contemplo a ilustração “Oração” e pergunto-me, no nosso quotidiano, quantas vezes sentimos necessidade de pôr de lado as tarefas que nos ocupam e fazer silêncio para orar, sem o conseguirmos ou apenas durante breves momentos.
    Como nos salienta ...” A oração é antes de mais a certeza de que eu posso falar a alguém e que esse alguém me escuta. Deus apresenta-se como o ouvinte, o interlocutor, ao qual tudo pode ser contado, desde as maiores alegrias até às maiores infidelidades. (…)
    (...) Por isso, quando Jesus nos convida a entrar no nosso quarto e a fechar a porta para rezar no silêncio a Deus, não nos convida a outra coisa senão a tomarmos consciência de como Deus está já presente no íntimo da nossa vida e do nosso coração e como necessitamos escutá-lo, estabelecer um diálogo com ele.(…)
    (…) A oração é assim o dom de Deus que nos abre à transformação, que ilumina cada uma das nossas realidades, que nos faz encontrar com o que somos, fizemos e estamos chamados a ser. Como o fermento na massa, ou como a luz no candelabro, a oração ilumina e faz crescer.”
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda, bela, pelo desafio que nos deixa …”Hoje, em qualquer momento e em qualquer lugar, procuremos entrar no nosso interior, fechar a porta do exterior, e dizer a Deus o que nos vai no coração, escutando nesse dizer como crescemos e nos iluminamos, como Deus se faz resposta à nossa busca”.
    Que o Senhor o ilumine e o abençõe. Continuação de boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me que partilhe um poema para rezar.


    AS MÃOS
    INVISÍVEIS DE
    DEUS


    Tomo o desafio daquela anotação deixada por Fernando Pessoa: “a realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus”.
    E rezo a realidade. A minha, a do mundo que conheço, a daqueles que ignoro. Rezo a realidade: incompleta, imperfeita, sonhadora, descabida, espantosa. Rezo a sua rugosidade, as pregas que fazem doer e também a inaudita transparência, a aventura, o gosto que a realidade tem. Saiba eu apenas, Senhor, em cada porção de vida reconhecer o movimento das tuas mãos invisíveis!

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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  2. Frei José Carlos,

    Muito grata, pela maravilhosa e bela partilha do Evangelho de S. Mateus.Fiquei maravilhada ao ler esta espectacular Meditação,tão profunda,esta beleza da oração,que nos ajudou a Meditar mais profundamente.As suas belas palavras são imprescindíveis.Como nos diz o Frei José Carlos,a oração é assim o dom de Deus que nos abre à transformação,que ilumina cada uma das nossas realidades,que nos faz encontrar com o que somos,fizemos e estamos chamados a ser.Como o fermento na massa,ou como a luz no candelabro,a oração ilumina e faz crescer.Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza da Meditação que partilhou connosco gostei muito.Que o Senhor o ilumine e o proteja.Bem-haja.Desejo-lhe uma boa noite.
    Um abraço fraterno.
    AD

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