segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! (Mt 23,13)

O homem enquanto homem é um animal de ritos, de símbolos e de normas. Não se pode compreender o homem sem essa ordem que o ajuda a compreender e a reconstruir o mundo à sua semelhança.
Neste sentido, não podemos deixar de admitir que o ritualismo, o puro formalismo da prática, o hábito, quer social, quer cultural, quer religioso são uma constante, ou uma ameaça constante. Todos podemos cair nesse pecado, sucumbir a esse perigo.
Jesus ao confrontar-se com os fariseus e os escribas da Lei confronta-se também com esta realidade e com esse perigo, e por isso a acusação de hipocrisia, uma palavra cujo sentido primário se refere à comédia, pois o hipócrita era o actor que desempenhava um papel.
Jesus acusa assim os fariseus e os escribas de desempenharem um papel, de construírem uma fachada que não corresponde à realidade, pois as suas práticas, os seus rituais, os seus escrúpulos face às normas da Lei estão apenas em função da visibilidade perante os outros. Há assim um hiato, um abismo entre aquilo que se pratica e demonstra viver e a realidade vivida, a verdade intrínseca da vida.
Neste confronto com os fariseus e escribas da Lei Jesus assume uma linguagem apocalíptica e condenatória dessas mesmas práticas e vivências, pois elas não só eram um equívoco para aqueles que as praticavam mas também para aqueles a quem eram ensinadas. E por isso são cegos a conduzir outros cegos.
Face a esta situação, a este perigo, Jesus apela à verdade, a uma vida de verdade, em que a linguagem seja sim ou não, sem necessidade qualquer de juramento sobre outras realidades externas e de valor religioso ou divino. A verdade deve ser suficiente para acreditar a vida e as práticas, quaisquer que elas sejam.
Se hoje nos libertámos da necessidade de jurar, e a nossa linguagem seja cada vez mais assertiva, não nos libertámos contudo da necessidade de viver de acordo com a verdade. Bem pelo contrário, na medida em que as tecnologias nos permitem cada vez mais máscaras, necessitamos cada vez mais da verdade e de viver de acordo com a verdade.
Necessitamos abandonar as máscaras em que nos protegemos e escondemos, abandonar a cumplicidade com a mentira e a falsidade da hipocrisia, para que, como nos promete Jesus no Evangelho de São João, possamos viver livres. “A Verdade vos tornará livres!”
Que o Senhor nos conceda a coragem e a fortaleza de não claudicar face às exigências da verdade, de assumirmos as nossas faltas e fragilidades que sempre serão alimento para o futuro à luz da verdade em que se assumem.
 
Ilustração: “Alegoria do Tempo revelado a Verdade”, Jean François de Roy, National Gallery, Londres

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Fico a reflectir nas palavras da Meditação que teceu e partilha e que nos leva a olhar-nos “sem máscaras” interiormente e como nos revelamos ao nosso próximo seja com a máscara tradicional ou com o disfarce tecnológico. Na realidade em que vivemos, em que nos deixamos acorrentar por condicionalismos de vária ordem, pergunto-me até onde somos capazes de mostrar-nos sem roupagens, por mais difícil que a realidade e a verdade se revelem. Afinal, debatemo-nos com forças tão desiguais que dificilmente não fraquejamos ou, em certas situações, nas relações que estabelecemos no quotidiano, o nosso interlocutor fica “desarmado” porque a resposta à hipocrisia foi a verdade que pode gerar a surpresa e a impossibilidade da contra argumentação.
    Que difícil, Frei José Carlos, no nosso peregrinar ter presente, em cada instante, o apelo de Jesus à verdade, ...” a uma vida de verdade, em que a linguagem seja sim ou não, sem necessidade qualquer de juramento sobre outras realidades externas e de valor religioso ou divino. A verdade deve ser suficiente para acreditar a vida e as práticas, quaisquer que elas sejam, como nos afirma.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela coragem das palavras partilhadas, pela força que nos transmitem, por convidar-nos a “abandonar as máscaras em que nos protegemos e escondemos, abandonar a cumplicidade com a mentira e a falsidade da hipocrisia, para que, como nos promete Jesus no Evangelho de São João, possamos viver livres. “A Verdade vos tornará livres!””
    Façamos nossas as palavras com que termina a Meditação e peçamos ao “Senhor que nos conceda a coragem e a fortaleza de não claudicar face às exigências da verdade, de assumirmos as nossas faltas e fragilidades que sempre serão alimento para o futuro à luz da verdade em que se assumem”.
    Que o Senhor o ilmunine, o abençõe e proteja.
    Continuação de uma boa semana, com paz e alegria.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    NÃO NOS
    DEIXES CAIR EM
    TENTAÇÃO

    “E não nos deixeis cair em tentação”. Rezo devagar estas palavras, fazendo-as minhas. Não me deixes, Senhor. Não me deixes quando as paredes do tempo se tornam instáveis, e as palavras de hoje têm a dureza do pão amassado ontem. Não me deixes quando recuo porque
    é difícil, quando quase me inclino perante a idolatria do que é cómodo e vulgar. Não me deixes atravessar sozinho os baços corredores da incer-teza, ou perder-me no sentimento do cansaço e da desilusão. Não me deixes tombar na maledicência e no descrédito quanto à vida. Que a Tua
    mão levante à altura da luz a minha esperança!

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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  2. Sapientíssimas palavras Frei! Isso prova que as coisas que os Profetas de Allah SW vieram para combater, ainda é uma batalha para os crentes fiéis. Essas figuras farisaicas utilizadas por Jesus (AS) como exemplo estão cada vez mais presentes, na justiça, na política, nas Casas Religiosa e até em nossos lares. Assalamu Aleikom.

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