As
parábolas de Jesus vão sempre para além do imediato da leitura e por isso
exigem uma atenção profunda. Tal como explicou aos seus discípulos elas funcionam
como um meio em que vendo se não vê e ouvindo se não ouve. É necessária uma
circunstância especial para a sua cabal compreensão, como é a relação de
amizade com Jesus.
A
parábola dos trabalhadores da vinha é neste sentido um desafio acumulado, pois
encerra em si em conjunto de realidades que só a relação e a amizade com Jesus
podem fazer compreensíveis, como é o caso flagrante e mais escandaloso do
pagamento uniforme a todos os trabalhadores.
Para
uma compreensão desta aparente injustiça não podemos deixar de ter presente que,
ao contrário de outras parábolas, em que Jesus utiliza a figura do senhor e do
rei, aqui Jesus fala de um pai de família. É o pai de família que sai
a contratar e convidar para o trabalho na sua vinha.
Estamos
assim perante a paternidade e o amor paterno, a necessidade de colaboração na
vinha do pai, ainda que sejam estranhos os que são convidados. E o amor
paterno, a expectativa da colaboração, não tem limites, não se impõe escalas
nem medidas e portanto pagamentos diferenciados.
Um
pai ou uma mãe não ama mais um filho que outro, ainda que os ame de forma diferente,
pois cada um é diferente, cada um faz parte de uma hora distinta. Contudo, o
amor por um ou por vários é o mesmo, o mesmo amor paterno.
A
parábola revela-nos assim essa igualdade do amor de Deus por todos aqueles que
convida e contrata a trabalhar, a colaborar na sua obra, e desafia-nos na forma
como olhamos esse amor e essa colaboração, na forma como acolhemos a bondade de
Deus para com todos os seus filhos, os que fazem parte da primeira hora e os
que chegam mais tarde.
A
pergunta deixada ao trabalhador que reclama do salário recebido, ainda que
justo pelo contratado, é um convite à transformação do nosso olhar e do nosso
coração, pois como disse Jesus um dia aos fariseus não é o que está fora que
contamina o homem mas o que lhe nasce no coração.
Jesus
convida-nos assim a acolher a sua bondade, o seu amor paternal, no nosso
coração, e a olhar e apreciar todas as realidades através do prisma desse amor
e dessa bondade. Se o fizermos certamente poremos fim a muitas invejas, a muitos
sentimentos de inferioridade, a muitas inimizades e competições que nascem
apenas pela ausência dessa bondade divina no nosso coração humano.
Procuremos
pois acolher a bondade de Deus, uma bondade que nos precede e nos foi oferecida
de antemão, para podermos apreciar de uma forma diferente todas as realidades
que se nos apresentam no nosso dia adia.
Ilustração:
“A Parábola dos trabalhadores da vinha”, de Jacob Wet, Museu de Belas Artes de
Budapeste.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarBem-haja pela partilha do texto da Meditação que teceu, pela ajuda na compreensão da parábola dos trabalhadores da vinha, como revelação da ...” igualdade do amor de Deus por todos aqueles que convida e contrata a trabalhar, a colaborar na sua obra, e desafia-nos na forma como olhamos esse amor e essa colaboração, na forma como acolhemos a bondade de Deus para com todos os seus filhos, os que fazem parte da primeira hora e os que chegam mais tarde. (…)
(…) pelo convite à transformação do nosso olhar e do nosso coração, pois como disse Jesus um dia aos fariseus não é o que está fora que contamina o homem mas o que lhe nasce no coração.”…
Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, que nos ajudam a prosseguir na nossa caminhada, exortando-nos a acolher a bondade e o amor de Deus no nosso coração, “para podermos apreciar de uma forma diferente todas as realidades que se nos apresentam no nosso dia a dia”.
Que o Senhor o ilumine, o abençõe e proteja.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.
A ESTRADA
DA MANSIDÃO
Faz-nos trilhar, Senhor, a estrada da mansidão. Ajuda-nos a contrariar a ferocidade do tempo, fora e dentro de nós.
Que a Tua Paz seja a fonte secreta que tudo sustenta. Tudo provenha dessa paz sem vencidos nem vencedores. Dessa paz que acalma as ameaças e os cercos implacáveis. Dessa paz pronunciada ao mesmo tempo como firmeza e doçura.
Dá-nos mansidão nas palavras que tão facilmente se tornam impermeáveis e nos propósitos, que a competição empurra para uma agressividade sempre mais dura.
Que cheguemos à mansidão das paisagens reconciliadas como pequenos cursos de água quase sem rumor a fazer florir a terra.
(In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)