domingo, 26 de agosto de 2012

Homilia do XXI Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho deste domingo é a conclusão do capítulo sexto do Evangelho de São João, um capítulo que temos vindo a acompanhar nos últimos domingos e que se inicia com o milagre da multiplicação dos pães.
Encontramo-nos assim, ao finalizar o capítulo, com um contraste tremendo entre a multidão de mais de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, que foram alimentadas pelo pão do milagre, e um pequeno grupo que permanece depois da apresentação de Jesus como o verdadeiro pão que pode saciar os homens.
Se após a multiplicação dos pães procuram Jesus para o fazer rei, uma vez que lhes tinha saciado a fome física que transportavam, após a apresentação do verdadeiro Pão do Céu e da exigência de conversão de vida que tal alimento implicava essa mesma multidão vira as costas a Jesus.
Como nos diz o Evangelho eram palavras duras, palavras que provocaram o escândalo, porque jogavam com realidades que se apresentavam diante de todos eles, como a humanidade de Jesus e o conhecimento da sua família, e entravam em conflito com as palavras de Jesus, como o anúncio da sua identidade divina e missão salvadora.
E é perante este desafio, esta pedra de tropeço, que Jesus assume na sua totalidade e radicaliza ainda mais com a referência à elevação do Filho do homem, e que não podemos deixar de associar à morte na cruz, que aparece a questão fulcral do seguimento: “também vós quereis ir embora?”
À oferta de Jesus, à apresentação do dom do Pão da Vida, corresponde assim a necessidade de uma resposta, de uma adesão, de um acolhimento. E perante o abandono de muitos dos seus discípulos Jesus coloca a questão ao grupo restrito dos doze. É necessário saber se também para eles o anúncio tinha sido escandaloso, se tinha abalado a sua fé.
Ao longo da história da salvação descobrimos como afinal essa tem sido muitas vezes a pergunta de Deus aos homens, se a forma como Deus se tem revelado provoca no homem o escândalo e a rejeição, quando naturalmente deveria provocar a alegria e a expectativa face ao Deus que se apresenta e dá a conhecer.
Deus apresenta-se, revela-se e dá-se a conhecer e espera que o homem criado à sua imagem e semelhança seja capaz de o reconhecer e de o acolher, de sentir que não tem diante de si um inimigo nem um adversário, mas alguém que ama profundamente a sua obra.
E neste processo, a liberdade do homem, de cada homem e da humanidade, é um valor inalienável, imprescindível, porque de contrário o homem deixaria de ser imagem e semelhança de Deus. É a liberdade de uma resposta positiva ou negativa que constitui o homem diante de Deus como uma entidade passível de uma relação.
Jesus, como Filho de Deus, não pôde deixar de se colocar na mesma base de princípios e por isso a pergunta, certamente desalentada, aos doze, se queriam continuar ou ir-se embora como os outros. E tal como aos doze, Jesus continua a fazer a mesma pergunta a cada um de nós, na expectativa que a nossa resposta seja como a de Pedro, “ a quem iremos Senhor, se tu tens palavra de vida eterna”.
Esta resposta, humilde e comprometida de Pedro, não pode deixar de ser vista como um verdadeiro salto na fé, um apostar num desconhecido, que só pela graça do Espirito Santo é possível. E isto, porque Pedro conclui a sua adesão a Jesus manifestando a fé numa realidade que humanamente lhe era impossível afirmar, “tu és o Santo de Deus”.
Podemos por isso dizer que o capítulo sexto de São João e o drama entre a deserção dos que se escandalizam e aqueles poucos que permanecem se joga nessa expressão e neste título cristológico.
Jesus começa por se afirmar como “Filho do Homem”, depois diz-se “Enviado do Pai”, afirma-se “Pão da Vida”, e por fim “Filho do Pai”. Jesus apresenta-se como dom, como possibilidade de relação, oferece-se na sua identidade possível ao conhecimento e à realidade humana. Aqueles que o acolhem e aceitam nessa possibilidade de relação adquirem a capacidade de o poder reconhecer como “Santo de Deus”, de o poder identificar e dizer com o título supremo de todos os títulos, aquele que pertence a Deus em exclusivo.
Estamos assim face a um processo no qual todos estamos envolvidos, ou somos convidados a envolver-nos, ou seja, de na nossa liberdade acolher Jesus Cristo como o Pão da Vida, como aquele que pode saciar a nossa fome e o nosso desejo mais profundo e íntimo, confiantes que tal acolhimento nos conduz ao fim supremo e à essência mais envolvente de Deus que é a sua própria santidade.
 
Ilustração: “Jesus institui a Eucaristia”, de José Teófilo de Jesus, Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.

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