quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Entendestes todas estas coisas? (Mt 13,51)

Terminada a apresentação das diversas parábolas e da explicação aos discípulos, em privado, do que elas significavam, Jesus interroga os mesmos discípulos sobre a compreensão do que lhes tinha sido dito. Que entendestes de todas estas coisas?
Pergunta urgente e necessária, pois aquilo que Jesus tinha dito não se afastava da tradição, da lei, da própria experiência que podiam ter das diferentes realidades humanas, afinal Jesus não tinha vindo revogar a lei, mas completá-la e aperfeiçoá-la.
Contudo, e por causa desta mesma perfeição, aquilo que Jesus tinha dito era uma novidade, exigia uma nova atenção e uma outra percepção, exigia novas experiências e outras leituras, quer da lei, quer da tradição e das diversas realidades humanas.
Afinal, como na rede da pesca, que eles muito bem conheciam, apareciam coisas boas e más, peixes bons e peixes impróprios para consumo, e cada um sabia fazer a destrinça do que tinha que ser jogado no cesto para consumo e o que devia ser devolvido ao mar.
Naturalmente, e pela mesma experiência da pesca, podiam proceder ao discernimento do que era bom e era mau, do que podia ser aproveitado e devia ser rejeitado.
Diante das parábolas e da globalidade do ensinamento de Jesus também eles podiam e deviam fazer esse discernimento sobre o que continuava válido e o que radicalmente devia mudar. Havia coisas boas que se deviam manter e outras que eram novas e deviam ser assumidas.
Também hoje, e para cada um de nós, se coloca a mesma questão, e tal como os discípulos somos convidados a discernir e perceber o que é válido e se deve manter e o que é novo e deve ser aceite e assumido.
Questão, ou processo difícil, na medida em que é muito mais fácil mantermo-nos naquilo que conhecemos e nos dá segurança, naquelas realidades que já se transformaram em rotinas e portanto não exigem nada mais que um mecanicismo de resposta.
No entanto, Jesus não deixa de nos avisar, de nos colocar em estado de alerta face a estes fixismos, porque “o escriba que se tornou discípulo do Reino dos Céus tira coisas novas e velhas do seu tesouro”.
O tesouro do discípulo do Reino é assim um depósito de tradição e experiências, mas também uma abertura e disponibilidade ao novo, ao que está em nascimento ou revolução.
Necessitamos, portanto de compreender, de procurar compreender o que o Senhor nos quer dizer, o que nos pede onde nos coloca e face aos desafios que se nos apresentam. O seguimento de Jesus é um processo, um processo relacional multidireccional que não é compatível com uma resposta cabal e definitiva.
Seguir Jesus, ser seu discípulo, é estar em processo, a caminho, num estado de aptidão a dar sempre uma resposta, uma razão da nossa esperança, como nos desafia a Carta de São Pedro.

Ilustração: “Refeição de Jesus com os discípulos”, de James Tissot. Brooklyn Museum.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Como nos afirma ...” O tesouro do discípulo do Reino é (…) um depósito de tradição e experiências, mas também uma abertura e disponibilidade ao novo, ao que está em nascimento ou revolução.
    Necessitamos, portanto de compreender, de procurar compreender o que o Senhor nos quer dizer, o que nos pede onde nos coloca e face aos desafios que se nos apresentam. O seguimento de Jesus é um processo, um processo relacional multidireccional que não é compatível com uma resposta cabal e definitiva.”…
    Como o Frei José Carlos nos salienta é uma ...” Questão, ou processo difícil, na medida em que é muito mais fácil mantermo-nos naquilo que conhecemos e nos dá segurança, naquelas realidades que já se transformaram em rotinas e portanto não exigem nada mais que um mecanicismo de resposta.”…
    Bem-haja por recordar-nos que …”Seguir Jesus, ser seu discípulo, é estar em processo, a caminho, num estado de aptidão a dar sempre uma resposta, uma razão da nossa esperança, como nos desafia a Carta de São Pedro.”
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda, que nos desinstala, por fazer-nos reflectir sobre os nossos egoísmos, a facilidade com que nos instalamos, por afirmar-nos que ...” tal como os discípulos somos convidados a discernir e perceber o que é válido e se deve manter e o que é novo e deve ser aceite e assumido.”
    Que o Senhor o ilumine, abençõe e proteja.
    Votos de um bom dia e de um bom fim-de-semana, de descanso, com alegria.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    O CAMINHO
    PARA A
    LIBERDADE


    Tu, Sabes, Senhor, que o caminho para a liberdade não é um caminho fácil. Libertarmo-nos
    da opacidade do nosso egoísmo, sacudirmos a teia ambígua das nossas dependências, buscar
    a verdade em todas as situações e confrontar-se com ela, não se faz sem luta interior, sem so-
    frimento. Muitas vezes nos sentimos a atravessar desertos que se prolongam. Não faltarão
    mesmo momentos em que a vontade pesa, quase a ponto de desistir. Mas faltar à chamada
    da liberdade é romper a aliança com a plenitude para a qual incessantemente nos convocas.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

    ResponderEliminar