A recomendação de Jesus aos seus discípulos, de não chamarem nem se
deixarem tratar por pai, mestre ou doutor, não pode deixar de ser situada na
discussão que Jesus desenvolve com os fariseus sobre o proselitismo e a
complexidade do cumprimento da Lei de Moisés.
Por esta razão, não é estranho que São Paulo na Primeira Carta a
Timóteo se intitule “doutor dos gentios” e que nas primitivas comunidades
monásticas da Palestina e do Egipto se tratasse os monges como “mestre” ou
“pai”. Tanto numa como noutra situação não está a negação da recomendação de
Jesus.
A recomendação de Jesus aos seus discípulos prende-se com a vaidade,
com o orgulho, tantas vezes patentes nos fariseus e escribas da Lei, que
cultivavam uma religião exterior, para ser vista pelos outros, e por isso
alargavam as filacteras e multiplicavam as borlas, gostavam de ser saudados nas
praças e ocupar os primeiros lugares nos banquetes.
A autoridade que exibiam era apenas isso, uma exibição, uma encenação
para que os outros pudessem ver e por isso ser elogiados, procurados,
considerados como importantes. As suas atitudes ficavam assim apenas no externo
e sem qualquer referência fundamental à verdade que diziam representar.
Quando a Igreja, e nomeadamente São Paulo, quebra a recomendação de
Jesus, está a desenvolver uma outra lógica, uma lógica que se prende com a
identidade e a tentativa de semelhança, de busca da perfeição que é apresentada
no horizonte do próprio Deus.
De facto, para os “pais”, os “mestres”, e os “doutores” da Igreja,
como Santo Agostinho que hoje celebramos, ser mestre, ser pai ou ser doutor não
significa colocar-se no lugar de Deus, não significa a realização da missão
correspondente a Deus, mas uma tentativa de tradução nas realidades humanas e
históricas da acção fundamental de Deus.
Estes homens e mulheres, que foram considerados mestres, pais ou mães,
ou doutores, mantiveram uma íntima e profunda relação com Deus, perceberam nas
suas vidas a acção de Deus e consequentemente sentiram necessidade de a
explicitar à sua medida junto dos seus irmãos.
Sem perderem a fonte e a sua relação com ela procuraram curar as
feridas dos seus irmãos, procuraram ser luz, procuraram traduzir em palavras o
amor que experimentavam de Deus, procuravam fazer crescer nos seus irmãos a
mesma necessidade filial, em suma, procuraram testemunhar das mais diversas
formas e nas diversas circunstâncias o amor que viviam em Deus.
É esta associação, esta explicitação íntima da relação com Deus enquanto
Pai, Mestre e Doutor que todos somos chamados a viver. À imagem e semelhança de
Deus não podemos deixar de ser também mestres, pais e doutores junto dos nossos
irmãos; sem prejuízo, contudo, da verdade de que quem verdadeiramente cura,
quem verdadeiramente ensina e quem verdadeiramente gera é Deus. Nós somos apenas
meros cooperadores da acção divina, que mais se realiza quanto maior é a nossa
humildade, quanto maior for o aniquilamento do nosso orgulho.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarÉ muito interessante o texto da Meditação que partilhou, sobre o significado de “pais”, “mestres”, e “doutores” da Igreja, no dia em que celebrámos o dia de Santo Agostinho e que ilustrou com tanta beleza e sensibilidade.
Como nos salienta ...” Estes homens e mulheres, que foram considerados mestres, pais ou mães, ou doutores, mantiveram uma íntima e profunda relação com Deus, perceberam nas suas vidas a acção de Deus e consequentemente sentiram necessidade de a explicitar à sua medida junto dos seus irmãos (…) e “que todos somos chamados a viver”.
Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, por recordar-nos que ...” Nós somos apenas meros cooperadores da acção divina, que mais se realiza quanto maior é a nossa humildade, quanto maior for o aniquilamento do nosso orgulho.”
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e proteja.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo o texto de uma oração.
MAIS
IMPORTANTES
QUE OS
TALENTOS SÃO
OS DONS
“No início deste dia, ajuda-nos, Senhor, a ver claro que o importante não é o que podemos oferecer aos outros, mas quem podemos ser para os outros. Que não nos ocultemos no cómodo casulo da indiferença ou da mera correcção. Nem nos esgotemos nos corredores desolados das pressões e da pressa. Que este dia traga a oportunidade de partilharmos o dom de nós próprios. Mais importantes que os talentos são os dons, porque por estes é que exprimimos a nossa condição de filhos bem amados.”
(In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)