Nada nos parecerá mais normal e correcto, que um rei, um senhor, um
proprietário, queira ajustar contas com os seus servos. Se os bens são seus, se
a propriedade é sua, é normal e justo que queira aferir dos rendimentos, que
queira acertar as contas com aqueles que lhe estão subjugados ou são
dependentes.
Jesus, face à pergunta de Pedro sobre o perdão, compara o reino de
Deus a um rei que quis ajustar contas com os seus servos e portanto mandou vir
à sua presença todos aqueles que lhe deviam. Tendo presente o contexto, a pergunta
de Pedro e a resposta de Jesus, é interessante ver como Jesus insere, incorpora
o perdão na realidade do Reino, como identifica o Reino com a possibilidade de
perdão, o que nos deixa já só por isso um conjunto de reflexões e desafios
importantes para a nossa vida.
Mas continuando com a parábola, que Jesus conta para ilustrar esta
identificação do Reino com o perdão, vemos como um dos primeiros servos trazido
à presença do rei tem uma grande dívida, dez mil talentos, que apenas a venda
das suas propriedades e do conjunto família poderá cobrir. Face à divida
contraída junto do rei, só mesmo a venda de tudo, e a consequente perda desse
tudo, poderá liquidar o montante em causa.
É perante esta desgraça, este aniquilamento cujos contornos são
verdadeiramente significativos, pois não são só as propriedades que estão em
causa mas também a família, algo verdadeiramente importante para um judeu, que o
rei mostra a sua benevolência e generosidade extraordinárias face ao pedido de
clemência.
Ao pedido de um prazo e à promessa de pagamento, o rei concede não só
a liberdade àquele servo mas perdoa-lhe a própria dívida. O rei faz confiança
na palavra daquele que lhe deve, acredita na recepção agradecida da
generosidade manifestada, mas que de facto não existe.
E a não existência do reconhecimento do dom e do perdão alcançado
manifesta-se imediatamente, quando aquele que estava em dívida para com o rei
se encontra com alguém que está em dívida consigo e não é capaz de ter a mesma
atitude, ou pelo menos até aproximada.
Também nós funcionamos assim muito frequentemente, sendo para com os
outros menos benévolos e generosos do que os outros foram para connosco, do que
Deus foi para connosco quando nos ofereceu e oferece o perdão das nossas
faltas.
Deus é um rei, um proprietário, que não se importa com a falência e a
delapidação do seu património, desde que tal sirva para a descoberta e o
encontro com alguém que é mais que um rei, mais que um proprietário ou senhor,
é um Pai e um Amigo.
O perdão de Deus das nossas faltas, a misericórdia de Deus para
connosco, não prejudica Deus em nada, mas bem pelo contrário possibilita e
viabiliza aquilo que de facto enriquece e glorifica Deus, a amizade do homem, o
homem vivo que agradece a Deus o seu amor e o seu perdão.
O perdão que vivemos fraternamente, numa semelhança pálida com o
perdão de Deus, manifesta a consciência e o reconhecimento do perdão alcançado
de Deus. Procuremos pois nas mais diversas situações vivê-lo de modo a
manifestar o dom alcançado e a constituir os meus tipos de laços de amizade que
Deus estabeleceu connosco ao perdoar-nos.
Ilustração: Jean Corbechon apresenta a tradução do “Livro das
Propriedades das Coisas” a Carlos V de França. Iluminura do Livro das
Propriedades das Coisas, Biblioteca de França.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarTodos precisamos saber perdoar e ser perdoados. No nosso quotidiano, encontramo-nos com pessoas como o homem da parábola e também cada um de nós deve saber assumir que por vezes nos comportamos da mesma forma. Perdoar não é esquecer, é dar novas oportunidades e ter a grandeza interior de não ficar preso às ofensas.
Ao afirmar-nos que ”Também nós somos para com os outros menos benévolos e generosos do que os outros foram para connosco, do que Deus foi para connosco quando nos ofereceu e oferece o perdão das nossas faltas” leva-me a pensar na dificuldade de passarmos das palavras aos actos e como rezamos tantas vezes sem sentir as palavras que pronunciamos. Pensemos no que pedimos na Oração que o Senhor nos ensinou …”perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,”…
Como nos salienta ...” O perdão que vivemos fraternamente, numa semelhança pálida com o perdão de Deus, manifesta a consciência e o reconhecimento do perdão alcançado de Deus.”…
Bem-haja por exortar-nos a que …“ Procuremos pois nas mais diversas situações vivê-lo de modo a manifestar o dom alcançado e a constituir os mesmos tipos de laços de amizade que Deus estabeleceu connosco ao perdoar-nos”.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda, que leva-nos a reflectir como procedemos sempre que tivemos ou temos que perdoar e não somos capazes de dar todos os passos necessários para “perdoar como Deus nos perdoa “porque perdoar pressupõe amar e ter misericórdia" para com os nossos irmãos.
Que o Senhor ilumine, abençoe e guarde o Frei José Carlos.
Continuação de bom restabelecimento e de boa semana. Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva